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  • João Henrique

É verdade que os católicos não leem a bíblia?

Nesse pequeno texto, pretendo analisar um tópico especial sobre a questão do católico e a leitura da bíblia [1]. Existe um estereótipo de que os católicos leigos não têm um conhecimento aprofundado da bíblia ou que sequer a lêem. Isso pode partir tanto de católicos, que constatam olhando ao redor, quanto de não-católicos que tentam nos detratar (protestantes principalmente) ou daqueles que apenas constatam isso como um fato. Mas, afinal, este estereótipo é justificado? É este o objeto da minha análise.



É inegável que sim, em algum nível, os católicos lêem a bíblia. Quem diz que não ignora que em todas as missas há a leitura pública da escritura, aos domingos lemos uma perícope do Antigo Testamento, um salmo, uma leitura do Novo Testamento e uma leitura dos evangelhos. De segunda a sábado, uma das leituras do antigo testamento ou do novo, mas não dos evangelhos, é subtraída. Também ignora a existência de círculos bíblicos e grupos de oração engajados com a leitura do texto bíblico em suas pregações e práticas devocionais, as pregações expositivas de textos bíblicos em nossos eventos etc, de modo particular, a Renovação Carismática Católica tem especial mérito no estímulo à leitura do texto bíblico. Sendo assim, a comunidade católica não pode ser descrita como avessa ao texto bíblico em nenhuma hipótese. Tampouco essas instituições mencionadas são marginais ou pouco divulgadas em nossa vida religiosa, basta perguntar na paróquia mais próxima sobre alguma delas, ou mesmo uma rápida pesquisa na internet.


Com relação ao hábito privado de ler a bíblia, a situação muda de figura, porém, defendo uma posição não tão pessimista sobre essa questão e explicarei o porquê. O Padre Dwight Longenecker chama atenção para o modo como os católicos lêem a bíblia, que é diferente dos protestantes[1]. Segundo ele, a relação da escritura com os católicos é mais uma relação de veneração e meditação do que uma leitura conteudística como os protestantes fazem. É claro que, como o padre também ressalta, esse tipo de leitura também existe no catolicismo, assim como a devoção também existe no protestantismo. Podemos entender a prática da leitura da escritura em vários níveis. Há a leitura litúrgica, a leitura que chamei de “conteudista”, a leitura orante/meditativa, chamada de “Lectio Divina”[2], etc. Do meu ponto de vista, os protestantes poderiam aprender o zelo e a venerar as escrituras conosco, assim como poderíamos aprender a ler também a escritura de forma a se aprofundar no seu conteúdo. Defendo que muitos católicos não fazem realmente a leitura “conteudista” na quantidade que deveríamos.


Porém, também defendo que nós temos contato com a Escritura por esses outros meios de leitura disponíveis. Pessoalmente, conheço pessoas que não são eruditos conhecedores da Escritura, mas que já leram parte substancial dela de maneira contemplativa ou acompanhando com atenção a Santa Missa. Defendo que isso deve ser levado em consideração quando vamos analisar a questão! Outro fator que precisa ser levado em conta é a forma como a teologia católica se organiza. Um protestante, por acreditar na chamada “Sola Scriptura”[3], necessariamente precisa conhecer a fundamentação bíblica de qualquer doutrina para que eles dêem seu assentimento de fé. Um católico não precisa necessariamente conhecer a base bíblica para assentir em alguma doutrina, mas basta que a Igreja, fundamento e sustentáculo da verdade, ensine esta doutrina. Esses diferentes modos de enxergar a fé criam incentivos para que um protestante seja mais próximo da leitura “conteudista” da bíblia do que um católico. Em síntese, eu acho que é uma hipótese com certa razoabilidade que os católicos leigos médio (este meu texto se refere apenas aos católicos leigos) têm um conhecimento geral da escritura inferior quando comparado com o protestante leigo médio.


No entanto, eu também não tenho razões para acreditar que os católicos leigos, a priori, estão em um nível de conhecimento sobre sua fé menor do que os membros de outras religiões. Ao meu ver, o que explica esta disparidade é a forma como a religião católica se organiza e cria incentivos diferentes para ler a escritura em comparação com os protestantes. Porém, isso não deve ser interpretado como algo melhor ou pior, apenas como diferente. Precisamos levar em consideração a amplitude do leque de conhecimentos que a religião católica nos oferece: O Catolicismo é uma religião muito sofisticada e com muito conteúdo. Na prática, uma pessoa que queira estudar o catolicismo por inteiro poderia passar a vida inteira só estudando teologia. Na verdade, uma pessoa pode passar uma vida inteira estudando apenas uma das áreas que a teologia oferece e nunca chegar a estudar outra. Um teólogo pode ser um especialista na Sagrada Escritura e não saber nada de história da Igreja, ou um especialista em teologia dogmática que não conhece nada de direito canônico, e assim por diante. Ora, um fiel leigo tem um conhecimento não muito aprofundado, mas muito amplo. Ele sabe um pouco (bem pouco) de cada.


Por isso, é injusto comparar o nível de profundidade de conhecimento que um católico médio tem com o dos protestantes, que tem um leque de conhecimento muito menor e que não se aprofundam em muitas outras coisas que não teologia bíblica e teologia sistemática. Um segundo motivo é o fato do catolicismo redirecionar os interesses dos fiéis para outros temas. Os fiéis católicos, embora não sejam exímios conhecedores da escritura, são muito conhecedores da vida dos santos (inclusive dos santos do novo testamento e dos heróis bíblicos do antigo testamento!), das datas e festas litúrgicas, das aparições marianas, etc. Como nota o apologista católico Dave Armstrong (e concordo com ele), embora os católicos conheçam “menos’ sobre a Sagrada Escritura do que os protestantes, nós conhecemos mais história da Igreja (especialmente a história da Igreja anterior a reforma protestante do século XVI)[4].


Ele também exorta ecumenicamente que nós, católicos, leiamos mais a escritura como os protestantes e, aos protestantes, que leiam mais sobre história da Igreja. Em última análise, gostaria de falar sobre o nível de conhecimento das escrituras, e não propriamente sobre o hábito da leitura, dos leigos católicos. Acredito que é importante distinguir entre um nível aprofundado, que acredito ser mais próprio dos teólogos, como o conhecimento dos idiomas originais, dos detalhes do processo exegético, da crítica textual, da crítica histórica e etc, e um nível mais razoável, como conhecer as parábolas de Jesus, a história dos grandes personagens da bíblia como Abraão, Moisés, Davi, etc; Conhecer alguns salmos de cabeça, algumas citações das epístolas do Novo Testamento, e etc. É óbvio que o primeiro nível de conhecimento não é algo que se encontra no católico leigo mediano, porém arrisco dizer que o segundo não é tão incomum como se pode pressupor por alguns. Por mais que o católico médio nem sempre saiba fundamentar biblicamente as doutrinas que professam, isso não implica que sejam completos ignorantes bíblicos, quando levamos em conta o conhecimento bíblico que lhe é próprio.


Em conclusão, acredito que é impossível afirmar que o catolicismo é uma religião avessa ao texto bíblico, e também que a Igreja se organiza de forma a reprimir a sua leitura. Talvez a principal causa para a ignorância da Escritura pelos nossos fiéis seja a falta do engajamento religioso que muitos deles infelizmente compartilham, aqui me refiro os popularmente conhecidos como “Católicos de IBGE”. Mas para os católicos verdadeiramente engajados, acredito que, quando olhamos para o conjunto dos fiéis, a diferença realmente existe em comparação aos protestantes, mas que isso pode ser explicado pelas razões que eu expus. Por fim, recomendo aos católicos a leitura do texto do já citado Dave Armstrong, que é uma verdadeira exortação para que os católicos lessem a Sagrada Escritura, e também que assistam a um vídeo do Padre Frei Gilson intitulado “Católicos que não leem a bíblia”[5], que também é uma exortação muito boa para aqueles que não tem lido a escritura já há um tempo. Acredito que todo estímulo para que nós nos aproximamos desse maravilhoso livro é bem vindo, e devemos sempre estar nos exortando para nessa direção, para que nunca nos esqueçamos desse hábito piedoso que é a leitura das Sagradas Escrituras.


NOTAS


[1] Texto do Padre Dwight Longenecker sobre o tema: https://cruxnow.com/faith/2015/11/why-dont-catholics-read-the-bible


[2] O nome técnico para a leitura orante da escritura é “Lectio Divina”. Para entender melhor o que é a Lectio Divina e como fazê-la, deixo como recomendação o artigo do Cardeal Dom Orani João Tempesta sobre o tema: https://www.cnbb.org.br/a-lectio-divina/


[3] Um princípio basilar do protestantismo, que diz que, de forma resumida e grosseira, a escritura é a única regra de fé e prática (em contraposição com a teologia católica, que afirma que a tradição também é vista como veículo da revelação divina). Não vou me aprofundar nesse tópico, mas para entender o que é a Sola Scriptura, recomendo um vídeo do teólogo protestante brasileiro Franklin Ferreira sobre este tema: https://www.youtube.com/watch?v=7vlYI13xXmk


[4] Disponível em: https://www.ncregister.com/blog/why-are-catholics-so-deficient-in-bible-reading


[5] Vídeo do Padre Frei Gilson: https://www.youtube.com/watch?v=p2WPOcIPU50


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