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  • Daniel Arthur

Refutação: Os erros de um programa Adventista - Parte I

O Pr. Arilton Oliveira, apresentador do programa "Bíblia Fácil" na TV Novo Tempo, gravou um episódio de seu programa chamado "As Cinco Doutrinas Mais Antibíblicas do Catolicismo Romano". O texto a seguir busca responder os questionamentos levantados e os erros expostos.



PRIMEIRA DOUTRINA: A TRANSUBSTANCIAÇÃO


O Pr. Arilton apresenta ao longo do programa uma edição do Catecismo da Igreja, mas parece não ser familiarizado com ele, uma vez que as referências que ele dá do mesmo estão erradas. Qualquer pessoa que saiba manusear os documentos da Igreja deveria saber que o Catecismo não se referencia pelas páginas, mas pelos números das laterais dos parágrafos. Assim o é também com as obras de Platão e Aristóteles: caso queiras, porventura, referir-se a uma passagem específica do Górgias, não o farias pela página, mas pela numeração já há tanto tempo aceita pelas edições modernas (Ex: "Górgias 73b").


O Pr. Arilton, no entanto dá a referência pelas páginas. Mas, ele nos surpreende de novo! Nem a referência da página está certa (mas tudo bem, ele errou por uma página apenas, 380, não 381). A passagem em questão se encontra em CIC §1376 que fala sobre a Transubstanciação. Quem pensou que ele então levantaria objeções à presença real de Cristo na Eucarístia se enganou, na verdade ele se põe simplesmente a atacar a Santa Missa dizendo que "A missa é blasfema porque Cristo não pode morrer de novo, conforme Hb 9, 28 que diz: 'assim Cristo se ofereceu UMA SÓ VEZ para tomar sobre si os pecados da multidão'".


Mas, ora, na doutrina católica a missa não é uma repetição da morte de Cristo, senão que é a sua atualização, ou melhor ainda, a sua "presentificação", isto é, trata-se do mesmo e único sacrifício de Cristo que percorre os séculos e tornar-se presente em cada missa. Segundo o grande São Leonardo de Porto Maurício, em seu clássico "As Excelências da Santa Missa", o sacrifício da Missa é o mesmo do Calvário. Tivesse o pastor primeiro exposto justamente a doutrina da Igreja, pueril pareceria a sua crítica a ela.

Argumenta ainda o pastor sabatista, citando o livro "A Missa na História" de A. Rouet, p. 115,: "A missa é um sacrifício oferecido pelos vivos e pelos mortos". Em seguida se põe a defender a doutrina' típica dos adventistas: o sono da alma. Além disso, se põe a negar a imortalidade da alma.


Aqui não tratarei detidamente sobre tais doutrinas adventistas, pois levaria muito tempo, basta apenas expô-las. O "sono da alma" é a doutrina que diz que as almas dos mortos não estão conscientes do que se passam na terra, pois sendo as almas mortais, não sobrevivem à morte do corpo, sendo necessário que sejam ressuscitadas juntamente com os corpos no Dia do Julgamento. Claro que tal doutrina não se sustenta à luz das Escrituras, pois sequer a maioria dos protestantes acreditam nela. Mas não me deterei aqui a prová-lo, quem sabe em outro dia...


Voltando ao tema da Eucarístia, o Sacramento da Eucarístia é o centro da vida cristã, nele recebemos o corpo, sangue, alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. “ A Eucarístia é a fonte e centro de toda vida cristã” (LG 11). Não é apenas um símbolo, o pão e o vinho literalmente se transformam no corpo e sangue de Cristo. A narrativa da instituição desse Sacramento está em quatro passagens do N.T (Mt 26, 26-28; Mc 14, 22-24; Lc 22, 19-20; 1Cor 11, 23-29).


Ora, o que ocorre na Consagração eucarística é que as substâncias do pão e do vinho são mudadas, transformadas nas substâncias do corpo e sangue de Cristo, mantendo, no entanto, as suas aparências. Por aparências de pão e de vinho entendemos todas as formas externas e acidentais que de um modo ou de outro podem ser percebidas pelos sentidos da vista, do tato, do paladar e do olfato.


É como diz Santo Tomás de Aquino no canto Adoro Te Devoto, do Séc XIII: “Visus, tactus, gustus in te fallitur Sed auditu solo tuto creditur”, isto é, “Tato e vista falham, bem como o sabor. Só por meu ouvido tem a Fé vigor". Pois, lembremo-nos do que diz São Paulo: “A Fé vem pelo ouvido" (Rm 10, 17). Portanto, a única coisa que confirma nossa Fé é ouvir as palavras “Isto é o meu Corpo", “Isto é o meu Sangue".


Por sua vez, o termo “transubstanciação” é termo filosófico que tem por base a filosofia aristotélica e, posteriormente, a tomista (de St. Tomás). Ele indica a transformação da substância do pão e do vinho na substância de Corpo e Sangue de Cristo sem, no entanto, mudar os acidentes de pão e vinho. Definamos, pois, o que seja “substância” e “acidente":


SUBSTÂNCIA: “é aquilo que não é nem dito de um sujeito nem em um sujeito" (Aristóteles, Categorias, Cap V, 2a11). Ou seja, substância é aquilo que subsiste por si mesmo, que não depende de outro (um sujeito) para existir, ou, como define Aristóteles: “aquilo que existe em si, e não em outro" (Metaf. 1046a. 26), p.ex: um homem, um cão, uma caneta, etc. Como diz-nos Battista Mondin: “In questo stala singolarità della sostanza: l’esistere in se stessa, e non in qualche altro soggetto, come invece accade all’accidente”, i.e, “nisso reside a singularidade da substância: a existência em si, e não em algum outro sujeito, como acontece com o acidente" (MONDIN, p.159)


ACIDENTE: “é o que pode aparecer e desaparecer sem provocar a destruição do sujeito [...] o acidente é aquilo que pode pertencer ou não à mesma coisa" (Porfírio, Isagoge. Cap V, 1.4). Em outra palavras, acidente é tudo aquilo que não existe por si mesmo, mas que depende de outro pra existir, só existe em outro, e existindo em outro sua existência é contingente, podendo dar-se ou não sem alterar a essência da substância, p.ex, a cor, o peso, o formato, etc. O Pe. Calderón ainda define acidente desta forma:


“《Accidentalis》 viene de “accidens", que a su vez viene de “accidere", verbo compuesto de "ad cadere". Este verbo significa ir a caer, venir a dar, sobrevenir, acaecer. Se usa justamente para indicar todos aquellos aspectos o partes que no tienen por qué caer en consideración, que no hacen a lo que la cosa es, que pueden no darse o no tenerse em cuenta, es decir, que non son essenciales.” (CALDERÓN, 2011, p.37)

“Pela consagração do pão e do vinho se efetua a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo Nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue. Esta conversão foi com muito acerto e propriedade chamada pela Igreja Católica de transubstanciação.” ( Concílio de Trento, Sessão XIII, Cap IV. Decreto Sobre a Santíssima Eucarístia)

SEGUNDA DOUTRINA: A INTERCESSÃO DOS SANTOS


Segundo o Pr. Arilton, "a intercessão única e exclusiva de Cristo no santuário celestial foi substituída pela mediação espúria da Virgem Maria, dos santos mortos e do clero romano". Em seguida, cita a passagem repetida até a exaustão pelos protestantes: "Porque há um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem".


Depois disso, se põe a lançar perguntas retóricas tais como: "onde está na Bíblia que Maria ressuscitou ou que foi assunta ao Céu ou que seja Rainha do universo? Ou que eu tenho que buscá-la para que ela interceda por mim?" Perguntas claramente tendenciosas, pois partem do pressuposto da validade da Sola Scriptura. No fundo, o que o pastor está dizendo é: "Me prove, por critérios por mim estabelecidos e totalmente alheios à epistemologia de sua Igreja, que você está certo e eu errado".


Mas para que não fique sem resposta, ainda que ligeira, respondamos dizendo que no Novo Testamento é nítida a afirmação de que, no além, os justos gozam de vida consciente e bem-aventurada. Assim, São Paulo desejava morrer para estar com Cristo, o que lhe parecia melhor do que ficar na vida presente. "Para mim, de fato viver é Cristo e morrer é lucro... Estou num dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para estar com Cristo – o que para mim é muito melhor" (Fl 1, 21.23). Ao bom ladrão arrependido, Jesus prometeu: "Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23, 43) (cf. Notas)


Em Ap 6, 9 lemos: "Senhor Santo e verdadeiro, até quando tardará em fazer justiça, vingando o nosso sangue contra os habitantes da terra?" Como se vê, os justos no além estão conscientes: louvam a Deus e acompanham a história dos homens na Terra, pedindo a restauração da ordem violada pelo pecado. Ademais, na famosa parábola do rico e o Lázaro, quando o rico Epulão estava a clamar a Abraão que permitisse avisar a seus parentes vivos sobre os tormentos que os aguardavam caso não mudassem de vida, ao que Abraão repondeu:


"Eles têm Moisés e os Profetas: ouçam-nos" (Lc 16, 29)

Vemos, portanto, que Abraão não ignorava que tinham existido Moisés e vários profetas após a sua morte. Não é, pois, verdade que, como pensam o Sr. Arilton Oliveira e demais adventistas, os espíritos na eternidade nada sabem do que vai por este mundo. E, por fim, temos ainda a seguinte passagem:


"Digo-vos que haverá maior júbilo no Céu sobre um só pecador que se converta, que sobre noventa e nove justos que não necessitam de conversão" (Lc 15, 7)

Portanto, a corte celestial, isto é, os santos, conhece o labutar dos homens em busca da salvação, porquanto, se assim não fosse, não poderia haver tal regozijo. Alegria por algo que não se vê e não se conhece? Quem compreenderá a lógica protestante? Depois o pastor ainda acusa a Igreja de ter adulterado os 10 mandamentos, pois teria tirado o mandamento referente às imagens, substituído o sábado pelo domingo e dividido o último mandamento em dois: não cobiçar as coisas alheias e não cobiçar a mulher do próximo (o que denota que o pastor defende que a mulher se iguala a uma propriedade do marido, tal qual sua mula, sua casa, etc). Todavia, como se depreende do texto da S. Escritura (Ex 20), ela não numera os mandamentos ao enunciá-los. Por isto, desde os antigos tempos judeus e cristãos propuseram diversos modos de os distinguir e enumerar.


1 - A primeira tentativa escrita de distinguir os dez mandamentos deve-se a Filon (+ ca. 40 d.C.), judeu de Alexandria, e Flávio Josefo, historiador judaico contemporâneo seu. Conforme estes autores, o primeiro mandamento inculca o culto de um só Deus, o monoteísmo, abrangendo os versos (20,2-3); o segundo preceito proíbe a idolatria (20,4-6); o terceiro manda honrar o nome do Senhor (20,7); o quarto preceitua a observância do dia do Senhor (20,8-11); os seis restantes têm por objeto as relações do homem com seu próximo, de tal modo que o nono proíbe a mentira (20,16) e o décimo, a cobiça da casa, da esposa, dos servos, animais e demais bens do próximo (20,17).


2 - Tal divisão, porém, não prevaleceu entre os judeus. Os escritos chamados "Targumim", que referem a exegese dos rabinos, mais autoritativa que a de Filon e fruto de antiquíssimo ensinamento, propõem como primeiro preceito o texto de Ex 20,2: seria o mandamento de prestar culto ao verdadeiro Deus; o segundo preceito proibiria o culto de falsos deuses e de ídolos (20,3-6); o terceiro mandaria honrar o nome de Deus (20,7) e o décimo proibiria a cobiça de qualquer bem alheio (20,17). É esta a divisão geralmente aceita pelos judeus até hoje.


3 - A terceira divisão deve-se a Santo Agostinho (+430), um dos maiores doutores do Cristianismo. Agostinho (Quaest. LXXI in Exod. ed. Migne 34,620s) julgava que os preceitos de prestar culto ao verdadeiro Deus e de não adorar deuses falsos e ídolos não são, em verdade, senão um só mandamento formulado positiva e negativamente; por isto estendia o primeiro mandamento do verso 2 ao verso 6 (de fato, prestar culto ao verdadeiro Deus exclui o culto de outros deuses). No verso 17, porém, Agostinho via dois preceitos distintos: o nono e o décimo.


Já isto lhe parecia insinuado pela repetição da mesma fórmula no v. 17: "Não cobiçarás...". Ora a fórmula enunciada duas vezes coíbe duas paixões do homem: a paixão sexual, que cobiça a mulher do próximo, e a paixão de possuir, que cobiça os outros bens do próximo; por isso Santo Agostinho via nessas duas fórmulas dois mandamentos distintos (o fato de estarem hoje estes dois mandamentos dentro de um só verso nada significa, pois sabemos que a atual divisão da Bíblia em capítulos e versos, longe de ser original, só foi introduzida no século XIII por Estêvão Langton, arcebispo de Cantuária). — A divisão assim ensinada por S. Agostinho já fôra proposta no séc. 2 por Teófiío de Antioquia e, provavelmente, Clemente de Alexandria. Tornou-se comum entre os escritores cristãos da Idade Média.


Ora a Igreja adotou no seu Catecismo, editado no século XVI, a divisão sancionada pela autoridade de S. Agostinho e dos grandes doutores medievais. Adotou-a, porque dentre as três- divisões que, como vimos, os exegetas haviam proposto, nenhuma era de autoridade divina (ensinada pela própria S. Escritura); todas as três se baseavam sobre razões suficientes, não, porém, decisivas; a divisão de S. Agostinho era a que se apresentava mais lógica, mais plausível. — Fazendo isto, teria a Igreja alterado a Escritura Sagrada?


Deveremos responder que a Igreja a "alterou" tanto quanto os protestantes a “alteram” quando inculcam a sua divisão. A divisão dos Protestantes não tem mais autoridade do que a de S. Agostinho e do Catecismo Católico, pois também ela não é ensinada tal qual pela S. Escritura, nem é a dos rabinos antigos nem a dos judeus atuais (doutro lado, quão grande autoridade Lutero e os antigos protestantes atribuíam a S. Agostinho!).


Em conclusão: quer se distingam os preceitos como Filon de Alexandria, quer como os Rabinos, quer como S. Agostinho, o que deve importar a todos, católicos e protestantes, é que se ponha em prática tudo que o texto sagrado de Ex 20,1-17 preceitua. Sabemos com certeza que Deus quer que o homem adore o seu Criador e somente a Este, não cobice nem a mulher do próximo nem os bens alheios. Que ele o faça porque tal é o mandamento primeiro, segundo, nono ou décimo, isto importa pouco aos olhos do Senhor; faça-o porque é mandamento divino; o Pai do céu já se contenta com isto. — E principalmente que ninguém condene o próximo sem conhecimento de causa! É esta a lei da caridade, o primeiro e máximo preceito do Cristianismo.


NOTAS:


- O Pr. Arilton Oliveira, apresentador do programa "Bíblia Fácil" na TV Novo Tempo, possui graduação em Teologia pelo IAENE (Faculdade Adventista da Bahia), tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia Pastoral. Atualmente, é gerente da Escola Bíblica da Rede Novo Tempo de Comunicação. informações retiradas do site Escavador. [https://bit.ly/3MhI4y4]


- o episódio de seu programa chamado "As Cinco Doutrinas Mais Antibíblicas do Catolicismo Romano" pode ser visto aqui: https://youtu.be/EdUP_O6h5F0


- Sobre essa passagem, li a tese de doutorado do Dr. Rodrigo Silva e concordo com ela em parte, sobre qual verbo o advérbio "semeron" (hoje) modifica, o primeiro (digo) ou o segundo (estarás). Mas ainda assim, é possível defender a posição católica mesmo se valendo da outra possível tradução da passagem, mas tratarei disso em outra ocasião.


BIBLIOGRAFIA: ARISTÓTELES. Categorias IN: Órganon. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. – São Paulo: Edipro, 3ª ed., 2016. (Série Clássicos Edipro) _______ Metafísica. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. – São Paulo: Edipro, 2ª ed., 2011. (Série Clássicos Edipro) CALDERÓN, Pe. Álvaro Martín. Umbrales de la Filosofia: cuatro introducciones tomistas. - 1ª ed. – Moreno: Argentina, 2011. Igreja Católica, Papa (1903-1914: Pio X). Catecismo maior de São Pio X: terceiro catecismo da doutrina cristã. -Niterói, RJ: Permanência: Edições São Tomás, 2010. Igreja Católica. Catecismo da Igreja Católica. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2000. Lumen Gentium: Constituição Dogmática do Concílio Ecumênico Vaticano II Sobre a Igreja. 23ª ed. Editora Paulinas. – São Paulo. 2011. MONDIN, Battista. Dizionario enciclopedico del pensiero di S.Tommaso D'Aquino. Edizioni Studio Domenicano, Bologna. Versão digital. PORFÍRIO de Tiro. Isagoge: introdução às Categorias de Aristóteles. Tradução e comentários Bento Silva Santos. – São Paulo: Attar, 2002. TRESE, Leo J. A Fé Explicada; tradução de Isabel Perez. - 14ª ed. – São Paulo: Quadrante, 2014.


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