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  • Daniel Arthur

Eusébio de Cesareia e a Virgindade Perpétua de Maria



Não é incomum vermos alguns apologistas protestantes, verdadeiros aventureiros de Patrística, distorcerem os escritos dos Padres da Igreja para passar a impressão de que eles seriam espécies de "pré-reformadores", defensores do Sola Scriptura. Algumas dessas figuras caricaturais do submundo da internet, fora do qual não têm relevância alguma para o "status quaestionis" do tema, inclusive, parecem querer forçar um texto em que Judas, "irmão de Jesus segundo a carne", é mencionado por Hegésipo.


Sabemos que todo esse esforço deles é apenas para negar o que a Igreja afirma, afirmar o que a Igreja nega. A doutrina que eles pensam estar refutando é a da Virgindade Perpétua de Maria. O trecho em questão, citado até a exaustão por muitos desses apologistas, é este:


"Havia ainda, da parentela do Salvador, os netos de Judas, que era denominado irmão dele segundo a carne” (Mt 13,55; Mc 6,3). Foram denunciados como membros da estirpe de Davi. O ‘evocatus’ fê-los comparecer perante Domiciano César. Este, como Herodes, tinha receio de uma vinda de Cristo." (Eusébio de Cesaréia, HE, 3, 20, versão digital p.125)

Podemos tirar disso apenas que Judas era dito irmão do Senhor pela carne, nada mais. Ao trecho as seguintes formas de respostas seriam satisfatórias:


  1. Os que acreditavam nisso eram os acusadores. Nada impede que os acusadores de Judas, que pelo o que parece não eram cristãos, acreditassem que Jesus era filho de José e de Maria, pois se não eram cristãos não tinham porque crer em sua virgindade mesmo no parto, quanto mais depois.

  2. É dito irmão do Senhor pela carne não de Maria, mas de Davi. Eusébio, realmente, diz que acusavam Judas "com base em sua linhagem vinda de Davi e sua relação com o próprio Cristo" (HE III, 19) E Hegésipo no mesmo registro acrescenta: "Foram passadas informações de que eles seriam da família de Davi e eles foram levados até o imperador Domiciano pelo Evocatus..."

  3. 3. O uso de irmão deve ser levado em conta segundo o semitismo usado, e a ênfase "em carne", para mostrar que não era irmão do Senhor segundo o espírito apenas. Como foi dito: "Se veem um forasteiro, acolhem-no sob o seu teto, e alegram-se com ele como verdadeiro irmão, porque não se chamam irmãos segundo a carne, mas segundo a alma." (Aristides, Apologia 15,6). Um exemplo do uso é quando Jesus é dito filho de Davi ou descendente segundo a carne, isto não quer dizer que seja direto, mas segundo a carne de Maria.

  4. Note-se ainda que o termo "irmão segundo a carne" não significa muito, haja vista que a própria Igreja, no Concílio Quinissexto (692), o de Trullo, usa essa mesma expressão ao se referir a São Tiago, filho de Alfeu:


"Pois também Tiago, o irmão, segundo a carne, de Cristo nosso Deus , a quem primeiro foi confiado o trono da igreja de Jerusalém" (Concílio de Trullo, Canôn XXXII)

Não apenas em Trullo, senão que em TRENTO – pasmem! – a Igreja continua a chamar São Tiago o Menor de "irmão do Senhor". Veja na 14° Sessão do Concílio de Trento. Doutrina sobre o sacramento da Extrema-Unção, Cap 1:


"Foi, pois, esta sagrada unção dos enfermos, instituída como verdadeiro sacramento da Nova Aliança por Cristo Nosso Senhor, como vem insinuado por S. Marcos (Mc 6, 13) e como foi recomendado aos fiéis e promulgado por S. Tiago, Apóstolo e irmão do Senhor [cân. l]. Está enfermo alguém de vós? — diz ele — Mande chamar os presbíteros da Igreja, e estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o aliviará; e se estiver em pecados, lhe serão perdoados (Tg 5, 14-15)"

Disso concluirá o objetor protestante que a própria Igreja nega a Virgindade Perpétua de Maria? Deixemos isso de lado antes que surjam os que se atrevam a isso... Mas o senhor Doutor Protestante, naturalmente, especialista em Patrística, formado na Universidade New Advent e com pós-doutorado em tradução pelo Google Tradutor, levado pelo ímpeto de atacar a Doutrina da Igreja, prevejo que sem demora retrucará que ainda assim Eusébio, tendo conhecimento da distinção entre "adelphos" e "anepsios" (acrescente-se ainda o "sugenes"), utiliza o termo "adelphos" para referir-se aos "irmãos do Senhor".


Mas, ora, isto não é novo, assim são chamados na própria Bíblia. Na verdade, os Padres da Igreja continuaram a identificá-los como irmãos do Senhor, mesmo sabendo que não eram filhos de Maria, preservaram o semitismo que remonta as próprias traduções dos apóstolos.


"Havia dois apóstolos com o nome de Tiago: um, o justo, que tendo sido precipitado do pináculo do templo, foi batido com o bastão de um pisoeiro até morrer, e o outro que foi decapitado”. É também o justo que é mencionado por Paulo, ao escrever: “Não vi nenhum outro apóstolo, mas somente Tiago, o irmão do Senhor” (Gl 1,19)". (HE, II, 5, p.71)

Neste passo de sua obra, Eusébio cita Clemente, que identifica Tiago como irmão do Senhor, mesmo deixando claro que esse é um dos apóstolos. Ora, os dois apóstolos chamados Tiago na Bíblia não são filhos de Maria, mãe de Jesus. Um é filho de Zebedeu, o Tiago maior, enquanto o outro, de Alfeu, o Tiago menor, que provavelmente era filho de Maria de Cléofas. E mais ainda, o próprio Eusébio dá o seu parecer e encerra a questão:


"Então Tiago, a quem os antigos davam o sobrenome o Justo por conta da excelência da sua virtude, é lembrado por ter sido o primeiro a ser feito bispo da igreja de Jerusalém. Este Tiago foi chamado de irmão do Senhor, porque ele era conhecido como um filho de José, e José era suposto ser o pai de Cristo, porque a Virgem, sendo prometida a ele, foi encontrada com o filho pelo Espírito Santo antes de chegarem juntos, Mateus 1:18 como a conta os santos Evangelhos". (HE II 1,2)

Então, ao contrário do que uma leitura superficial e isolada dos escritos de Eusébio pode deixar parecer, ele acreditava na virgindade perpétua de Maria.


Salve Maria Santíssima!!!

Viva Cristo Rei!!!


Referências:


ATENAS, Aristides de, Apologia 15,6. IN: Padres Apologistas / [introdução e notas explicativas Roque Frangiotti; tradução Ivo Stormiolo, Euclides M. Balancini], – São Paulo: Paulus. – Coleção Patrística Vol.2. 1995, p.52.


CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. – São Paulo: Paulus. – Coleção Patrística Vol.15. 2014. Usei a versão digital.


Concílio de Trullo (692), Canôn XXXII. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/3814.htm.


Concílio de Trento, 14° Sessão: Doutrina sobre o sacramento da Extrema-Unção, Cap 1. Disponível no site da Monfort aqui: https://www.montfort.org.br/bra/documentos/concilios/trento/#sessao14.


MONTEIRO, Nelson. Apologistas Católicos: Os Pais da Igreja sobre a virgindade de Maria; Disponível em: http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/484-os-pais-da-igreja-sobre-a-virgindade-de-maria. Desde: 28/11/2011.

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