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Em defesa da Consciência e da Imortalidade das Almas VS Lucas Banzoli - Parte 2: “Feito Alma Vivente”

Dave Armstrong

Lucas Banzoli é um polemista anticatólico brasileiro muito ativo, que defende basicamente uma teologia adventista do sétimo dia, segundo a qual não existe alma que exista conscientemente fora do corpo, e nem inferno (ensina o sono da alma e o aniquilacionismo). Isto o leva a uma cristologia deficiente e heterodoxa com respeito à natureza humana de Cristo após a Sua morte. 


2 - Gênesis 2:7 e a Expressão Hebraica/Bíblica da Sinédoque



Esta é minha 36ª refutação de artigos (ou a partes de livros) escritos por Lucas Banzoli. Até agora, não recebi uma única palavra em resposta a nenhuma delas (e se Banzoli chegou a responder alguma coisa, em qualquer lugar, certamente eu não fui informado). Os leitores podem decidir por si mesmos qual o motivo disso. Meu esforço atual é uma longa resposta (dividida em várias partes) ao livro autopublicado de 1.900 páginas de Lucas Banzoli, A Lenda da Imortalidade da Alma, publicado em 1º de agosto de 2022.


Ele afirma ter coberto em profundidade todos os argumentos imortalistas” e ter “apresentado todas as evidências bíblicas da morte da alma…” Além disso, ele afirmou com confiança: “a imortalidade da alma está na raiz de quase todo engano destrutivo e religião falsa”. Ele mesmo admite na página 18 de sua Introdução que aquilo a que ele se opõe é defendido por “quase todos os cristãos do mundo”Estarei lidando principalmente com supostos “argumentos bíblicos” deste livro, refutando-os a partir das Sagradas Escrituras. A partir de agora, passarei a tratar dos erros de Lucas Banzoli. Suas palavras estarão escritas em vermelho vinho. 


Banzoli:

 

O problema com esta visão começa logo no segundo capítulo da Bíblia – para ser mais específico, justo no relato da criação do homem, onde lemos: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe em suas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se uma alma vivente.” (Gênesis 2:7; KJV) “tornou-se”. Eis a palavrinha que faz toda a diferença: o começo do fim da lenda de uma alma imortal. O autor poderia ter dito – e na opinião dos imortalistas era isso que ele queria dizer no fim das contas – que o homem “recebeu” (laqach) uma alma, mas, em vez disso, ele usa o vocábulo hayah, que significa “tornar-se” ou “vir a ser”. (págs. 48-49)


Na Bíblia encontramos muitos textos de difícil interpretação, mas Gn 2:7 está longe de ser um deles. A única razão por que muitos insistem em problematizar e distorcer um texto tão extraordinariamente simples que qualquer criança de 10 anos acertaria numa prova de português é porque ele tem profundas consequências para uma das crenças mais basilares das falsas religiões. (págs. 49-50)


O “problema” do texto não é por ele ser “obscuro demais” ou de “difícil interpretação”, mas justamente por ser claro, claro até demais. Não é a interpretação que é difícil, o difícil é aceitar suas implicações. E o problema de se recusar a entender um texto tão simples é que, quanto mais claro um texto é, maiores são os malabarismos exigidos para “explicá-lo” sob uma perspectiva oposta. A isso nós chamamos de eisegese, que é quando um intérprete injeta em um texto uma ideia que ele quer que esteja ali, embora não esteja. (pág. 50)


A razão pela qual os imortalistas não têm dificuldades em entender esses outros textos, mas se recusam a aceitar o mesmo princípio em Gn 2:7, é simplesmente porque estão comprometidos com suas pressuposições dualistas, que os impedem de entender o texto da forma natural e simples e os levam conjecturas sem fim – e tudo isso para encontrar a tal alma imortal no texto de qualquer maneira e a qualquer custo. À luz de Gn 2:7, a única conclusão honesta é que a “alma vivente” nada mais é que um corpo que respira... Alma é o que somos, não o que temos.  (págs. 51-52)

 

É aqui que começamos a ver a profundidade e a tragédia dos erros presentes nos “argumentos” dos defensores do sono da alma, os quais se encontram no mesmo nível de suas premissas. Como escrevi na Parte 1:


Um desses erros, por exemplo, costuma ser a própria base da “exegese” feita (de fato, eisegese) de muitas passagens que são interpretadas de maneira errada e amplamente mal compreendidas ao estarem fundamentadas na falsa premissa. Para ser franco, aqueles que seguem essa linha de raciocínio não entendem a linguagem bíblica em sua complexidade matizada. Isso constitui 90% do problema. Uma vez que esses tipos de “caminhos errados” são compreendidos e explicados de maneira adequada, as conclusões do defensor do sono da alma, bem como os seus textos de prova falsamente alegados caem por terra, tal como um castelo de cartas ou uma pilha de dominós.

Bastam algumas dessas [falsas premissas] para se construir toda uma superestrutura herética…

 

A eisegese torturada e sem noção de Gênesis 2:7 é talvez o exemplo clássico de como aqueles que se apegam a essa visão errônea não entendem a linguagem bíblica e as figuras de linguagem (de forma alguma). Comentarei sobre isso detalhadamente para provar de forma satisfatória esse ponto. Observe que Banzoli descreveu Gênesis 2:7 como “o início da lenda de uma alma imortal”. Ele deixa claro que o pressuposto de toda a teologia bíblica e tradicional cristã da alma que ele rejeita começa nesta passagem, como premissa fundamental. Mas se a sua premissa (ou seja, a sua interpretação do versículo) estiver errada (como mostrarei agora), o que acontece com a falsa teologia construída sobre ela? É uma fundação de areia, e tal casa defeituosa irá desabar. Está prestes a acontecer agora mesmo, diante de seus olhos.


O estudioso bíblico E. W. Bullinger, em seu volume de 1.104 páginas, Figures of Speech Used in the Bible (Londres: 1898; minha cópia de capa dura foi reimpressa em 1968 pela Baker Book House [Grand Rapids, Michigan]; veja também o link completo do livro on-line, e a versão paginada no Internet Archive), tratou de mais de 200 figuras de linguagem, ou expressões não literais de linguagem na Bíblia. Gênesis 2:7 é uma delas. O tipo de figura de linguagem abrangente que foi utilizado em Gênesis 2:7 é conhecido como Sinédoque ou Substituição. É tão comum na Bíblia que Bullinger lhe dedica 44 páginas (pp. 613-656), com provavelmente algumas centenas de exemplos. Ele define isso logo no início de sua abordagem, na página 613: 


Figura pela qual uma palavra recebe algo de outra que lhe está internamente associada pela ligação de duas ideias: como quando uma parte de uma coisa é colocada por uma espécie de metonímia para o todo, ou o todo para uma parte. A diferença entre Metonímia e Sinédoque reside nisso; que na Metonímia a troca é feita entre dois substantivos relacionados; enquanto que na Sinédoque a troca é feita entre duas ideias associadas.

Bullinger descreve (com copiosos exemplos bíblicos) quatro grandes tipos de sinédoque, com cinco, seis, cinco e quatro subclassificações. A forma presente em Gênesis 2:7 é chamada de “sinédoque da parte”, ou: “quando uma parte é colocada no lugar do todo… uma parte ou um membro é apresentado e tem incluso nele cada parte ou membro” (p. 640). Toda a seção de 44 páginas pode ser lida online (use o sinal “+” para ampliar o texto). Aqui está apenas um dos vários exemplos que Bullinger fornece:


Gênesis 17:14 (KJV) E o homem incircunciso, cuja carne do prepúcio não for circuncidada, essa alma será extirpada do seu povo; ele quebrou a minha aliança.

Esta passagem é autointerpretativa. Descreve a pessoa como um “homem” e depois como “alma” e depois como “ele”. Banzoli e aqueles que seguem sua heresia sem dúvida responderiam: “viu?! Isto prova que ‘alma’ e ‘homem’ são idênticos e que o dualismo [corpo e alma] é uma doutrina falsa.” Mas não. Isso prova que uma sinédoque está sendo empregada ali, uma vez que em muitos outros lugares nas Escrituras, a alma (espírito também, usado como sinônimo) é uma entidade distinta: uma parte de uma pessoa à qual podemos nos referir adequadamente (ou seja, o uso em tais instâncias é literal e não figurativo). Por exemplo:


  • Gênesis 12:13 (KJV) – [...] minha alma viverá por tua causa. (cf. 19:20: “a minha alma viverá”)

  • Gênesis 34:3, 8 – [...] sua alma foi atraída para Diná, filha de Jacó... [8] ... A alma do meu filho Siquém anseia pela sua filha. 

  • Gênesis 35:18 – E aconteceu que, saindo-se-lhe a alma (porque morreu) [...]

  • Gênesis 42:21 – [...] vimos a angústia de sua alma...

  • Gênesis 49:6 – Ó minha alma...

  • Levítico 17:11  ... façam expiação por suas almas...

  • Deuteronômio 26:16 – “Hoje o Senhor teu Deus te ordena que cumpra estes estatutos e ordenanças; você deve, portanto, ter o cuidado de cumpri-los com todo o seu coração e com toda a sua alma.” (cf. 30:2, 6, 10; Josué 22:5; Mt 22:37; Mc 12:30; Lc 10:27)

  • 1 Samuel 18:1 – [...] a alma de Jônatas estava ligada à alma de Davi...

  • 1 Reis 17:21-22 – Então ele se deitou três vezes sobre o menino e clamou ao Senhor: “Ó Senhor meu Deus, deixe a alma deste menino voltar a entrar nele”. [22] E o Senhor ouviu a voz de Elias; e a alma do menino tornou a entrar nele, e ele reviveu.

  • Isaías 26:9 – A minha alma anseia por ti durante a noite, o meu espírito dentro de mim te busca ardentemente....

  • Eclesiastes 12:7 – e o pó volte à terra como o era, e o espírito volte a Deus que o deu.

  • Zacarias 12:1 – Assim diz o Senhor, que estendeu os céus e fundou a terra e formou dentro dele o espírito do homem:

  • Lucas 8:55 – E o seu espírito voltou, e ela levantou-se imediatamente; e ele ordenou que algo lhe fosse dado para comer.

  • Atos 17:16 – Enquanto Paulo os esperava em Atenas, seu espírito se irritou dentro dele ao ver que a cidade estava cheia de ídolos.

  • 1 Coríntios 2:11 – Pois quem conhece os pensamentos do homem, senão o espírito do homem que nele está? 

  • 1 Coríntios 5:5 – vocês entregarão este homem a Satanás para destruição da carne, para que seu espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus.

  • 2 Coríntios 7:1 – [...] vamos nos purificar de toda contaminação do corpo e do espírito...

  • Gálatas 6:18 – A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito, irmãos. Amém. (cf. Filipenses 4:23; 2 Timóteo 4:22; Filipenses 1:25)

  • Tiago 4:5 – Ou você acha que é em vão que a Escritura diz: “Ele é zeloso pelo espírito que fez habitar em nós”?

  • Apocalipse 22:6 – [...] o Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas...



Agora, Banzoli e seus companheiros hereges podem afirmar que tal ocorrência só se deu apenas no Antigo Testamento e, portanto, são prontamente descartáveis. Não é o caso. Existem muitos exemplos de dualismo no Novo Testamento também (inclusive vindos da boca de nosso Senhor Jesus):


  • Mateus 10:28 – [...] pode fazer perecer no inferno tanto a alma quanto o corpo. 

  • Mateus 11:29 – [...] vocês encontrarão descanso para suas almas.

  • Mateus 26:38 – [...] Minha alma está muito triste...

  • Lucas 1:46 – E disse Maria: A minha alma engrandece ao Senhor,

  • Atos 14:22 – fortalecendo os espíritos dos discípulos...

  • 1 Tessalonicenses 5:23 – que o vosso espírito, alma e corpo sejam mantidos sãos e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. (Hebreus 4:12)

  • Hebreus 10:39 –[...] aqueles que têm fé e conservam suas almas.

  • Tiago 1:21 – [...] a palavra implantada, que é capaz de salvar suas almas.

  • 1 Pedro 1:9, 22 – Como resultado de sua fé, vocês obtêm a salvação de suas almas... [22] Tendo purificado suas almas pela sua obediência à verdade...

  • 1 Pedro 4:19 – [...] confiem suas almas a um Criador fiel.

  • 3 João 1:2 – [...] Eu sei que prospera a tua alma.


Depois de fornecer muitos exemplos de sinédoque figurativa com relação a “alma = homem”, Bullinger também observa usos bíblicos análogos de sinédoque; como por exemplo: “O Corpo é posto para se referir à própria pessoa” (p. 641). Ele observa que fazemos isso hoje, dizendo “‘uma mão’ para um trabalhador” [N.T. mão-de-obra é frequentemente comum no Brasil para se referir a conjunto de trabalhadores]. Aqui estão alguns de seus exemplos para expressão bíblica não literal semelhante:


  • Romanos 12:1 – [...] apresentem seus corpos como sacrifício vivo, [...]

  • Tiago 3:6 – A língua é um mundo de iniquidade entre os nossos membros, contaminando todo o corpo […]


Outra expressão semelhante é “a carne [sendo] colocada para a pessoa inteira” (Bullinger, p. 642):


  • Gênesis 6:12 – ... toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra.

  • Salmo 145:21 – ... que toda a carne abençoe seu santo nome para todo o sempre.

  • Isaías 40:5 – E a glória do Senhor será revelada, e toda a carne juntamente a verá,

  • Mateus 19:5 – [...] os dois se tornarão uma só carne

  • Romanos 3:20 (KJV) – [...] pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. . .

  • 1 Pedro 1:24 – pois “Toda a carne é como a erva...”


Aqui está outro uso semelhante de sinédoque. Vimos a “alma” (uma parte) sendo usada para se referir ao todo (a um homem). Agora, vemos que “A cabeça é colocada para o próprio homem” (p. 645):


  • Salmos 7:16 – A sua maldade recai sobre a sua própria cabeça...

  • Provérbios 10:6 – As bênçãos estão sobre a cabeça do justo...

  • Isaías 35:10 – [...] alegria eterna estará sobre suas cabeças; eles obterão alegria e gozo. . .

  • 2 Samuel 1:16 – E Davi lhe disse: O teu sangue seja sobre a tua cabeça; [...]


O último trata-se de uma expressão ou figura de linguagem dupla em um único verso; uma sinédoque (cabeça para se referir a homem) e aquilo que é chamado de “metonímia do efeito”: usar a palavra “sangue” para se referir à culpa do derramamento de sangue. Sendo assim, quando os judeus rejeitaram a pregação do evangelho de Paulo, ele exclamou da mesma forma: “O vosso sangue caia sobre as vossas cabeças!” (Atos 18:6). A língua hebraica/judaica na Bíblia e naquela antiga cultura do Oriente Próximo estava repleta de expressões idiomáticas, figurativas e não literais (como é o inglês hoje e, creio eu, como são todas as línguas em maior ou menor grau).


Aqui estão alguns outros usos de sinédoque nas Escrituras, descrevendo um homem apenas por parte de seu corpo: rosto/face (Sl 132:10: “não desvie o rosto do teu ungido”; Lm 5:12 [KJV]: “as faces dos velhos não foram reverenciadas.”), boca (Pv 8:13 [KJV]: “a boca perversa, eu odeio”), e pés (Pv 1:16: “seus pés correm para o mal”; cf. Rom 3 :15, citando o AT: “Seus pés são ligeiros para derramar sangue”). Infelizmente, a falta de compreensão desse fator inegável de massiva linguagem não-literal, constituída de muitos tipos, por si só, já trouxe múltiplas doutrinas heréticas e “interpretações” bíblicas ruins e sem noção. É a ignorância de um aspecto dentre muitos que guarda relação com a natureza da linguagem e do pensamento das Sagradas Escrituras. As pessoas não compreendem isso e, por isso, preferem zombar e menosprezar os que o compreendem, insinuando que não conseguem ver o significado “claro” (ou seja, o sentido literal) da Bíblia, quando na verdade a passagem é figurada.


As Testemunhas de Jeová (as quais foram meu primeiro grande tópico de estudo como apologista em 1981) são infames “mestres” nisso, e todas as outras seitas e demais cristãos insuficientemente bíblicos como Lucas Banzoli cometem esse mesmo tipo de erro enorme e hermenêutico. 


  • Provérbios 29:9 – Se um homem sábio discute com um tolo, quer se ire o tolo ou se apenas ri, não há silêncio.

  • Eclesiastes 7:6 – Porque, tal qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, assim é o riso dos tolos; isso também é vaidade.


Ironicamente, porém, mais adiante em seu livro, Banzoli mostra que entende o mesmo princípio da sinédoque, o qual está em jogo em Gênesis 2:7:


A alma não apenas é usada em paralelismo com o corpo, mas também com partes do corpo. Por exemplo, o salmista alega que “a nossa alma está abatida até ao pó; o nosso ventre se apega à terra” (Sl 44:25), onde “alma” e “ventre” são tidos como equivalentes, apesar de não serem a mesma coisa. O mesmo no texto em que o sábio diz que as suas palavras “serão vida para a tua alma, e adorno ao teu pescoço” (Pv 3:22)... (pág. 72)


Então vemos que ele entende que a figura de linguagem está presente nessas passagens, mas não consegue perceber que também está presente em Gênesis 2:7. E ele faz isso no último caso porque já está predisposto a rejeitar o ensino bíblico e tradicional acerca da alma, e assim interpreta mal, distorce e eisegeta a passagem de Gênesis 2:7, a fim de encaixá-la à força na sua ideia falsa. Por outro lado, embora descreva uma sinédoque, tal como usada nas duas passagens acima (“...tomadas como equivalentes, embora não sejam a mesma coisa”), ele não está ciente do fato de que uma sinédoque está sendo apresentada, já que ele em nenhum momento usa a palavra (sinédoque em português) em seu livro de 1900 páginas. A menos que haja outra palavra em português para isso, Banzoli não demonstrou ter qualquer consciência (em termos de identificação do nome) deste fator relevante para a correta interpretação de muitas passagens bíblicas.



Tradução: Kertelen Ribeiro



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