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  • Daniel Arthur

SÃO TOMÁS E A IMACULADA CONCEIÇÃO Por: Pe. Lumbreras, O.P. S.T. Lr, PhD

Hoje iniciaremos uma série de textos sobre a Imaculada Conceição em São Tomás de Aquino. Muitos acompanharam a polêmica em que nos envolvemos sobre o tema com o blog História Reformada ainda este ano. Pois bem, achamos de grande valia trazermos mais alguns textos para o aprofundamento da compreensão de um tema tão complicado quanto esse. Por essa razão vamos traduzir alguns artigos e capítulos de livros para trazermos as opiniões dos especialistas e remataremos tudo com um terceiro texto de nossa lavra onde apresentaremoa uma síntese final sobre a questão, mas já sem o seu caráter polemista – tão característico dos dois primeiros textos.


Assim, o primeiro artigo que traduzimos é o do Pe. Peter Lumbreras publicado na Homiletic Review em 1924, artigo que serviu de base para muitos de nossos argumentos nos artigos anteriores. Sabemos que o artigo do Pe. Lumbreras foi respondido pelo franciscano Hugolinus Storff OFM em seu livro "The Immaculate Conception: the teaching of the St. Thomas, St. Bonaventure and B.l. Duns Scotus on the Immaculate Conception of the Blessed Virgin Mary" de 1925. A despeito da resposta do franciscano, cremos que a leitura do artigo seja de grande valia. Ademais, também traduziremos alguns capítulos do livro de Storff.


Dito isso, iniciemos.


SÃO TOMÁS DE AQUINO E A IMACULADA CONCEIÇÃO


Alguns anos atrás, eu estava viajando com um pastor batista. Durante nossa conversa, ele atacou as bases tradicionais dos dogmas católicos. A título de exemplo, apontou o dogma da Imaculada Conceição, dogma, disse ele, que nunca foi ensinado pelos Padres da Igreja, tendo mesmo sido negado por São Tomás de Aquino, um dos maiores Doutores eclesiásticos. Três anos depois, na festa da Imaculada Conceição, enquanto jantava com alguns padres católicos, também professores doutos, um deles observou que os únicos adversários da festa haviam sido os dominicanos. Na verdade, ele argumentou que São Tomás negou a Imaculada Conceição.


Seria interessante ouvir este padre católico discutindo a questão acima com o ministro batista. Qual seria sua resposta à última declaração do ministro? Claro, disseram-me, ele poderia dizer que São Tomás é um dos Doutores, e que nossa Fé não se baseia na opinião particular de um Doutor, mas no ensinamento unânime de todos eles. Essa resposta, no entanto, é tudo menos satisfatória; pois um interlocutor instruído pode responder que São Tomás não está sozinho; que ao lado de Aquino podemos citar Santo Anselmo, São Bernardo e São Boaventura. Embora sejam apenas quatro Doutores, pertencem ao período mais brilhante da teologia católica. Além disso, eles conheciam perfeitamente os escritos dos Padres e Doutores, seus predecessores, e conservaram de todas as maneiras a mais perfeita devoção e o mais íntimo apego a eles. Eles competem, finalmente, com aqueles Padres e Doutores em exaltar as prerrogativas singulares e a excelência ilimitada de Maria. De fato, em linguagem mais precisa, embora menos retórica, eles superam os escritores anteriores; pois há um louvor a Maria naqueles autores que podem ser encontrados em São Tomás, e não apenas reproduzidos, mas até melhorados [1]; enquanto que, ao contrário, podemos encontrar nos Padres e nos antigos doutores algumas frases às quais São Tomás se sentiu constrangido a dar uma interpretação suave, gentil e católica (Cf. Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 4, ad 2m e 3m).


Que fique claro, portanto, que não é apenas por São Tomás que advogamos quando advogamos por São Tomás [2].


Como o sexto centenário da canonização de São Tomás foi comemorado no mês de julho deste ano (1923), pode ser apropriado discutir a reivindicação de sua oposição ao dogma da Imaculada Conceição – uma reivindicação muito difundida, mais facilmente concedida e mais ainda superficial de todas as reivindicações [4]. Tal afirmação é a mais superficial, dizemos. Pois, se todos falam da Imaculada Conceição, poucos conhecem os diversos significados que podem ser atribuídos, e foram realmente atribuídos na história do dogma, a essa expressão.


A Imaculada Conceição representa, certamente, uma concepção em que a descendência está isenta do pecado original. O pecado original representa a privação da graça santificante. Esta privação foi incorrida pela natureza humana por causa do primeiro pecado de Adão, constituído, como ele era por Deus, tanto a cabeça moral ou príncipe quanto o princípio natural ou fonte da raça humana (Cf. Del Prado, pág. 14, nota). A raça humana, dependente de Adão tanto como sua cabeça quanto como sua fonte, recebeu em Adão um dom sobrenatural, consistindo principalmente na sujeição da razão a Deus, embora implicando, como consequência, a sujeição de poderes inferiores à razão, do corpo à alma. Ao se rebelar contra Deus, Adão quebrou a sujeição primeira e fundamental e, rasgando a carta de sua autoridade, perdeu o controle de seu apetite inferior e o domínio de seu corpo. Ele perdeu esse dom sobrenatural na mesma medida em que foi concedido: para si mesmo, a saber, e para a raça humana dependente dele, como em sua cabeça moral e fonte natural. Esta privação representa, então, o pecado: um pecado pessoal em Adão, como um indivíduo que por sua própria vontade realmente perde a graça de Deus; e um pecado da natureza em todos os homens, pois pela vontade de Adão eles são habitualmente despojados da graça de Deus.


Como Adão representa o chefe moral e o príncipe da raça humana, seu pecado original ou primeiro afeta todos, mas apenas os indivíduos dependentes dele como seu chefe moral e príncipe. Pois um indivíduo pode ser considerado como um membro de uma sociedade, e assim um ato pode ser seu, embora não tenha sido realizado por ele, mas pelo resto da sociedade, ou pela maior parte da sociedade, ou pelo príncipe da sociedade, como uma nação é considerada como agindo quando seu príncipe age (De Malo, q. 4, a. 1).


Como Adão representa, além disso, o princípio natural e a fonte da natureza humana, o pecado original é transmitido por ele juntamente com a natureza. substância; é transmitido por uma influência ativa, por meio da geração. É por meio desse poder ativo do sêmen paterno que o óvulo materno evolui em carne; e a carne, tendo evoluído para sua perfeita aptidão para receber uma alma racional, torna necessária a criação e a infusão da alma. A alma unida ao corpo constitui o homem. movido por Adão. Adão move seus filhos através do poder ativo do sêmen. Por meio desse poder, Adão torna seus descendentes homens e, por meio desse poder, Adão torna seus descendentes pecadores (Summ, Theol., p. I, II, q. 81).


O pecado original não está real e propriamente no sêmen nem na carne, assim como a natureza humana não está real e propriamente neles. A natureza humana e o pecado original estão no sêmen e na carne em sua causa instrumental necessária, contida na virtude – virtude instrumental – pela qual o sêmen evolui o óvulo em carne - carne que se rebelará contra a razão e pela qual a carne torna necessária a infusão da alma - uma alma que compartilhará a corrupção da carne (Summ. Theol., p. I, II, q. 81, a. 1, ad 2m e 3m; q. 83, a. 1; p. III, q. 33, a. Pois como o sêmen vem de um corpo que habitualmente se revolta contra a razão, ele se move para a formação de um corpo que se manterá em idêntica rebelião. Esta rebelião habitual (ou concupiscência, ou fomes peccati) está formal e propriamente no corpo. Embora seja derivado do pecado - o pecado de Adão e se incline para o pecado “a rebelião real” ainda não é um pecado. Ainda assim, esta corrupção do corpo é uma disposição que torna necessária a corrupção da alma, na medida em que no momento da animação o corpo faz da alma uma pessoa indigna da graça de Deus, de modo que esta pessoa não merece receber nenhuma graça e tem que ser privada da graça e contrair como consequência o pecado original.


Agora é fácil ver em quantos sentidos diferentes o termo "Imaculada Conceição" pode ser empregado e em quantas maneiras diferentes podemos falar de uma pessoa concebida isenta do pecado original. Nós os classificamos da seguinte forma.


1. Temos uma primeira Imaculada Conceição, ou um primeiro modo pelo qual um indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se mantivermos que Adão não foi constituído cabeça moral ou príncipe daquele indivíduo para a transmissão da graça original ou do pecado original. Deus poderia comunicar a alguma graça santificadora individual absolutamente independente da graça de Adão (Summa. Theol., p. III, q. 1, a. 3).


(Summ, Theol., p. I, II, q. 81).


2. Temos uma segunda Imaculada Conceição, ou um segundo modo em que algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se mantivermos que Adão não foi constituído o princípio natural ou fonte desse indivíduo, para a transmissão da natureza humana. Deus poderia formar outro homem do pó, como formou Adão (Summ. Theol., p. III, q. 31, a. 1, arg. 2 e 3).


3. Temos uma terceira Imaculada Conceição, ou um terceiro modo em que algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se considerarmos que Adão, embora constituído tal princípio e fonte para a transmissão da natureza humana, não se move por meio de poder seminal nesta transmissão. Como Deus poderia formar um homem da costela de Adão ou de qualquer um de seus descendentes, Ele poderia reservar uma porção da carne de Adão antes do pecado, e ter essa porção de carne transmitida de geração em geração e formar dessa carne o corpo daquele indivíduo (Summ. Theol., p. I, II, q. 81, a. 4 e 5).


4. Temos uma quarta Imaculada Conceição, ou um quarto modo no qual algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se considerarmos que Adão, embora movendo-se por meio de poder seminal, atinge o indivíduo por meio de descendentes que receberam a graça santificante para si e para seus filhos. Deus deveria conferir Sua graça a qualquer um dos descendentes de Adão na mesma medida em que a conferiu ao próprio Adão (II Sent., d. 31, q. 1, a. 2, ad 5m; In: III Sent., q. 1, a. 1, solução. 1, ad 1m).


5. Temos uma quinta Imaculada Conceição, ou um quinto modo no qual algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se considerarmos que os pais imediatos desse indivíduo, embora descendentes de Adão, não tenham recebido anteriormente a santificação, foram, entretanto, momento da geração ou concepção ativa, cheios e purificados pelo Espírito Santo e libertos, assim, de toda concupiscência. Assim como Deus pode santificar os pais antes do coito, Ele pode santificá-los naquele momento (III Sent., d. 3, q. 1; a. 2 ad 5m; in III Sent., q. 1, a. 1, solut 1, ad 1m).


6. Temos uma sexta Imaculada Conceição, ou um quinto modo no qual algum indivíduo humano poderia ser concebido sem original, se sustentamos que Deus purifica o feto previamente, com uma em prioridade de tempo à animação ou concepção passiva. Deus poderia purificar a carne no ventre da mãe durante as várias semanas que precedem a infusão da alma racional (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2, arg. 2).


7. Temos uma sétima Imaculada Conceição, ou um sétimo modo no qual algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se sustentarmos que Deus purifica o feto no momento da formação ou concepção passiva, de tal maneira, porém, que com prioridade de natureza esta purificação precede a animação. Primeiro vem o ser,; depois o estar unido (III Sent., d. 3, q. 4, a. 1, ad 5m).


8. Temos uma oitava Imaculada Conceição, ou um oitavo modo em que algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se considerarmos que Deus santifica a alma no momento de sua criação e infusão ou animação, de modo que, com prioridade de natureza, a santificação precede a animação. Esta é a ordem racional: criação, infusão, animação (III Sent., d. 3, p. 1, a. 1, Solut, 2; São Boaventura, ibidem).


9. Temos uma nona Imaculada Conceição, ou um nono modo em que algum indivíduo humano poderia ser concebido sem pecado original, se sustentarmos que Deus santifica a alma no momento de sua criação e infusão ou animação, de tal maneira, porém, que com prioridade de natureza, a animação precede a santificação. Concebemos então a união da alma e do corpo como anterior à santificação da alma.


Temos, assim, nove modos diferentes que Deus poderia usar para que a Virgem Maria fosse concebida sem pecado original; temos nove Imaculadas Conceições possíveis. Ainda assim, a presente questão não se preocupa com a possibilidade, mas com o fato. Queremos saber em qual dessas formas a Virgem Maria foi concebida sem pecado original. E, uma vez que se afirma uma oposição entre São Tomás e a Igreja, procuremos a resposta de São Tomás e da Igreja. Quais são as Imaculadas Conceições negadas por São Tomás? São Tomás responde: as oito primeiras. Qual é a Imaculada Conceição afirmada pela Igreja? A Igreja responde: a última.


São Tomás nega as oito primeiras Imaculadas Conceições em termos e princípios.


Em termos, ele nega a primeira quando se opõe à teoria de Scotus da Encarnação independente do pecado de Adão, da qual a teoria de que a Imaculada Conceição segue como resultado lógico [4]. Em termos, ele nega a segunda quando diz: "Cristo assumiu a natureza humana a fim de purificá-la da corrupção. Mas a natureza humana não precisava ser purificada, exceto na medida em que estava maculada em sua origem contaminada pela qual descendia de Adão. Portanto, convinha que Ele assumisse a carne da matéria derivada de Adão” (Summ. Theol., p. III, q. 31, a. 1. Cfr. ibid., a 3 m). Em termos, ele nega o terceiro quando escreve: "O erro pode ocorrer por, atribuindo a condição de Cristo ou de Sua carne àquilo que realmente estava nos patriarcas, dizendo, por exemplo, que porque a carne de Cristo, como existindo em Cristo, não estava sujeita ao pecado, portanto também em Adão e nos patriarcas havia alguma parte de seu corpo que não estava sujeita ao pecado, e da qual depois o corpo de Cristo foi formado, como alguns de fato sustentaram (Summ. Theol., p. III, q. 31, a. 7. Cf. A. 6). Em termos, ele nega o quarto, dizendo: "A santificação é dupla: uma é a de toda a natureza: na medida em que toda a natureza é libertada de toda corrupção do pecado e punição. Isso ocorrerá na ressurreição. A outra é a santificação pessoal. Isso não é transmitido aos filhos gerados da carne, porque não diz respeito à carne, mas à mente.


Consequentemente, embora os pais da bendita Virgem tenham sido purificados do pecado original, no entanto, o pecado original foi transmitido ” (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2, ad 4m; In: II Sent., dm 31, q. 1, a. 2). Em termos, ele nega o quinto por uma razão semelhante (In: III Sent., d. 3, q. 1, a. 1: Summ. Theol., p. III, q. 14, a. 3, ad 1m; q. 31, a. 7; p. I.II., q. 81, a. 3, ad 2m) e acrescentando: "Não é a luxúria real que transmite o pecado original; pois, supondo que Deus permitisse que um homem não sentisse nenhuma luxúria desordenada no ato da geração, ele ainda assim transmitiria o pecado original." [5]. Em termos, ele nega o sexto com estas palavras: "Eu respondo que a santificação da bem-aventurada Virgem não pode ser entendida como tendo ocorrido antes da animação." (Summ, Theol. p. III, q. 27, a. 2; in III Sent., d. 3, q. 1, a. 1, q. 2). Em termos, ele nega o sétimo, quando argumenta: "De qualquer maneira que a bem-aventurada Virgem teria sido santificada antes da animação, ela nunca poderia ter incorrido na mancha do pecado original: e, portanto, ela não precisaria da redenção e salvação que é por Cristo... isso é impróprio...." (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2). Em termos, finalmente, ele nega o oitavo naquelas poucas linhas de seu Comentário sobre as Sentenças: "A santificação da bem-aventurada Virgem não poderia ser convenientemente antes da infusão da alma..., não até o momento da infusão, de tal modo, a saber, que pela graça então infundida na alma, a alma seria preservada isenta de incorrer no pecado original” (III Sent., d. 3, q. 1, a. 1, q. 2), versos cuja interpretação encontramos em São Boaventura: “Alguns afirmavam que na alma da gloriosa Virgem a graça da santificação precedeu a mancha do pecado original... Assim, no momento de sua criação, a graça foi infundida na alma; e naquele exato momento, a alma foi infundida no corpo. Mas outros dizem que a santificação veio depois da contração do pecado original... E esta segunda opinião é mais comum, mais razoável e mais segura. . . . Mais razoável, porque o natural é anterior ao espiritual, com prioridade ou de tempo ou de natureza. . . . Primeiro, consequentemente, a alma é concebida para ser unida ao corpo, e então a graça é infundida por Deus na alma” (São Boaventura, In: III Sent. d. 3, par. 1, a. 1, q. 2)


São Tomás nega todas essas primeiras oito Imaculadas Conceições em princípio. O princípio é este: "É impróprio que Cristo não seja o Salvador de todos os homens, como é chamado em I Tm 4, 19." (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2, et passim). E por este princípio, São Tomás quer dizer que todo homem precisa, como pessoa, ser redimido por Cristo (Summ. Theol., p. I.II, q. 81, a. 3; Cf. Del prado, p. 31 ss). É verdade que tal redenção pessoal não implica que a pessoa já tenha caído em pecado, mas implica, pelo menos, que a pessoa deve incorrer no pecado (Summ. Theol., p. I, II, q. 81, a. 3, ad 1m; cf. Cajetan, Comment. in h. 1); e porque, como nos adverte São Tomás: "Não podemos atribuir à Mãe nada que diminua a honra do Filho, que é o Salvador de todos os homens" [6].


São Tomás tinha toda a razão ao opor-se à primeira, à segunda e à terceira Imaculada Conceição, onde nem mesmo a carne tem de contrair de modo algum a infecção do pecado original; e ele estava perfeitamente certo ao se opor ao quarto e ao quinto, onde a carne, embora existente nos pais, contrai infecção, mas, como encontrada na prole, goza de imunidade; e ele estava perfeitamente certo ao se opor ao sexto e ao sétimo, onde, embora a carne da prole contraia a infecção, a alma não deve contrair o pecado; e perfeitamente correto em se opor ao oitavo, onde, embora a carne se contraia e a alma tenha que se contrair, a pessoa não deve contrair o pecado original. Em nenhum desses oito casos podemos falar de dívida pessoal. Como consequência, nem de uma redenção pessoal. Pois no primeiro, no segundo e no terceiro, nem mesmo a carne precisava de redenção; na quarta e na quinta, apenas os pais deveriam ser redimidos; no sexto e no sétimo, apenas a carne; enquanto no oitavo, é exclusivamente a alma.


Agora, o que é a Imaculada Conceição afirmada pela Igreja? Eis o dogma: "Declaramos, pronunciamos e definimos que Deus revelou a doutrina segundo a qual a santíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua concepção, por singular graça e privilégio que lhe foi concedido por Deus Todo-Poderoso, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada isenta de toda mancha de pecado original." [7].


A Imaculada Conceição, tal como definida pela Igreja, representa, então, a pessoa da Santíssima Virgem, sendo preservada isenta no momento da animação do pecado original, e esta preservação pessoal sendo concedida a ela por causa de sua redenção pessoal por Cristo.


A única maneira de salvar o dogma é a nona e última maneira. Temos que conceber a união da alma com o corpo corrompido anterior, com prioridade da natureza, à santificação da Alma. Assim, temos um corpo corrompido, pois é o corpo desta pessoa; e nós temos uma alma que, sendo a alma desta pessoa, é corrompida pelo corpo. Temos, assim, e somente assim, uma pessoa que deve incorrer no pecado original, que deve ser redimida com a redenção pessoal [8].


Mas tal preservação nunca foi negada por São Tomás de Aquino. Ele não a negou em termos, pois nunca a discutiu. Tudo o que ele diz é que a santificação não pode ser de forma conveniente anterior à animação. Enquanto a Igreja declara que aconteceu no próprio momento da animação, São Tomás, vez ou outra, diz que não sabia o momento em que a santificação aconteceu [9]. Por que ele não sabia? Porque as coisas que dependem inteiramente do livre arbítrio de Deus não podem ser determinadas, exceto por revelação divina (Summ. Theol., p. III, q. 1, a. 3). Esta revelação nos é dada a conhecer pela Igreja Romana, e na época de São Tomás a Igreja Romana nem sequer celebrava a (Festa Summ. Theol., p. III, q 27, a. 2, ad 3m). Devemos nos perguntar sobre a posição de São Tomás quando, quatro séculos depois, o Papa Gregório XV declarou que "o Espírito Santo, embora instado pelas fervorosas orações dos fiéis, ainda não revelou à Igreja o segredo de tal mistério" (4 de julho de 1622).


Pelo contrário, São Tomás, mais do que Scotus ou qualquer outro, estabeleceu os princípios que deveriam conduzir, e de fato conduziram, à definição dada em última instância por Pio IX. Pois temos em São Tomás não apenas que a santificação representa uma santificação pessoal pelos méritos de Cristo Redentor, mas também que era apropriado que a bem-aventurada Virgem tivesse toda a pureza possível de ser concedida por Deus [10], e, além disso, que uma posterioridade da natureza é suficiente dentro de um único instante de tempo [11]. Não ensinou São Tomás que à bendita Virgem foi concedida mais graça do que qualquer homem ou anjo [12], e que o primeiro homem e os anjos receberam graça no exato momento de sua criação, embora sua criação precedesse sua santificação com prioridade da natureza? (Summ. Theol., p. 1, q. 95, a. 1: q. 62, a. 3).


São Tomás, portanto, promoveu diretamente a definição dada pela Igreja. Ele o promoveu indiretamente, também, opondo-se às outras oito Imaculadas Conceições e, assim, advertindo os teólogos católicos a deixarem os caminhos errados e tomarem a estrada certa. Este conselho de São Tomás, no entanto, não foi seguido por alguns teólogos católicos. Ao se opor a esses teólogos, acreditava-se que a Escola Dominicana se opunha à Imaculada Conceição, que se tornou um dogma. Ainda assim, a Escola Dominicana, supostamente contrária à definição, foi a única que se sustentou na definição. Pois a Imaculada Conceição, conforme definida, é uma conclusão da teoria dominicana da Encarnação dependente do pecado de Adão.


Pode ser verdade que na controvérsia sobre a Imaculada Conceição alguns dominicanos não entenderam o ensinamento de São Tomás; mas também é verdade que o grande público entendeu mal e ainda não entende a posição dos dominicanos (Cf. Del Prado, pp. 24 e 28, nota 4).


NOTAS:


[1] Aqui estão alguns exemplos: “A Santíssima Virgem obteve tal plenitude de graça, que ela era a mais próxima do Autor da graça; para que ela recebesse Aquele que é cheio de graça em si mesmo; e, ao dar à luz a Ele, por assim dizer, Ele traria graça a todos.” (Summa Theol, p. 3, q. 27, a. 1, ad 1m.). — “É ótimo em todo santo, quando ele tem apenas o que é suficiente para sua salvação; mas melhor, quando ele tem o que é suficiente para si mesmo para a salvação de muitos; mas se ele tivesse o suficiente para a salvação de todos os homens do mundo, isso seria a maior coisa. E isto está em Cristo e na Santíssima Virgem.” (Expos. in Ave Maria, cap. 1). “Sob Cristo, que não precisava ser salvo, como Salvador universal, a pureza da Santíssima Virgem foi maior.” (Summ. Theol., p. 3, q. 27, a. 2, ad 2m.).


[2] Neque enim defensio D. Thoma, et vindicatio eius ab erroribus, et ab improbitate sentiendi, est solius private persone vindicatio, sed totius Ecclesia indicti et Apostolica approbationis assertio. Quare maius aliquid in Sancto Thoma, quam Sanctus Thomas suscipitur et defenditur (John of St. Thomas) In Thoma honorando maius quiddam quam Thome ipsius existimatio vertitur id est Ecclesia docentis auctoritas (Pius XI, Encycl. Studiorum Ducem," June 29, 1923).


[3] Nihil frequentius auditur, et nihil facilius creditur; quia nihil clarius, superfice tenus, apparet, quam Angelicum Doctorem, pluribus in locis, contractum a Beata Virgine originale peccatum, tam generatim quam singulatim, tradidisse. (Plazza, S. J., cit. pelo Pe. Norbertus del Prado, O. P. em sua inestimável monografia Divus Thomas et Bulla Dogmatica "Ineffabilis Deus", Fribourg, Suíça, 1919, a última palavra sobre o assunto que estamos considerando agora, ao qual o presente escritor deve muitas referências).


[4] Summ. Theol., p. III, q. 1, a. 3. A tese dos franciscanos sobre a preleção de Cristo por dedução lógica levou-os a defender com força a Imaculada Conceição da Virgem (Carmelus ab Iturgoyen, O. M. C., cit. de Del Prado, p. 151).


[5] Summ. Theol., p. I, II, q. 82, a. 4, ad 3m. It is to the objection: "No feast celebrated except of some saint, but some keep (on December 8th) the feast the Conception of the Blessed Virgin; therefore, it seems that in her very (active) Conception she was holy, and hence that she was sanctified before anima- in that St. Thomas answers: "The celebration of this feast does not give to understand that she was holy in her (active) conception. But since it is known when she was sanctified, the feast of her Sanctification, rather than the feast of her (active) Conception, is kept on the day of her (active) conception" (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2, ad 3m.).


[6] “Non tantum debemus dare Matri quod substrahat aliquid honori Filii, qui est Salvator omnium hominum, ut dicit Apostolus, 1 Tim. Iv” (St. Thomas, Quodlibet. 6, a. 7).


[7] PIO IX, Papa, Bula “Ineffabilis Deus”, 8 de dezembro de 18.


[8] "Beata Virgo non fuit sanctificata nisi postquam cuncta eius perfecta sunt, ices corpus et anima" (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2, Sed contra).


[9] Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 2, ad 3m; in III Sent., d. 3, q. 1, a. 1; Quodlibet, 6, a. 7.


[10] “Oportebat ut Mater Dei maxima puritate niteret: non enim est aliquid digne receptaculum Dei nisi sit mundum” (Summ. Theol., p. I, II, q. 81, a. 5, ad 3m) – “Credendum est (Beata Virgini) collatum esse quidquid conferri potuit” (in III Sent., d. 3, q. 1, a. 1).


[11] Cf. Summ. Theol., p. III, q. 6, a. 4, ad 3m; q. 34, a. 1; a. 2, ad 1m; a. 3, c. et ad 2m. Daí a afirmação: A eles (os teólogos do século XIII) parecia estranha a idéia de que o que era posterior na ordem da natureza pudesse ser simultâneo no tempo", dada pelo autor do artigo "Imaculada Conceição" na "Enciclopédia Católica", é tão gratuita quanto várias outras encontradas em sua contribuição.


[12] “Quanto aliquis magis appropinquat principio in quolibet genere, tanto magis participat effectum illius principii. Christus autem est principium gratiae.. Beata autem Virgo, propinquissima Christo fuit... Et ideo præ ceteris maiorem debuit a Christo gratia plenitudinem obtinere” (Summ. Theol., p. III, q. 27, a. 52) – “Beata Virgo super omnes alios sanctos a peccato purior fuit, veluti Divin Sapientia Mater electa” (in III Sent., d. 3, q. 1, a. 1) – “Beata Virgo excessi Angelos in tribus, et primo in plenitudine gratia, qua magis est in Beata Virgine quam in aliquo Angelo” (in Salut. Angel.).


REFERÊNCIA


LUMBRERAS, O.P. St. Thomas and the Imaculate Conception. IN: Homilética e Pastoral Review XXIV [1924], nº 3, pp. 253-263. Tradução: Daniel Arthur (Fraternidade Newman Brasil).


São Tomás, rogai por nós!


Salve Maria!!!


Viva Cristo Rei!!!

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