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  • Jefferson Santos

Purgatório — Uma Introdução: O Que É, O Que Não É, O Que Pode Ser.

Do livro The Biblical Basis for Purgatory, John Salza.



Sumário do livro:


  1. Purgatório — Uma Introdução 1.1. O Que é o Purgatório 1.2. O Que o Purgatório Não é 1.3. O Que o Purgatório Pode Ser [TRADUZIDO]

  2. Satisfação pelo Pecado 2.1. Por que Deus Exige Satisfação 2.2. Exemplos de Punição Temporal 2.3. Graça e o Processo de Salvação

  3. Provas nas Escrituras e nos Padres da Igreja 3.1. Os Ensinos de Jesus 3.2. Os Ensinos de Paulo 3.3. Os Ensinos dos Padres da Igreja

  4. Como Evitar o Purgatório 4.1. Penitências 4.2. Os Sacramentos 4.3. Indulgências Apêndice: Orações pelas Almas no Purgatório

Este texto é a tradução do primeiro capítulo "Do livro The Biblical Basis for Purgatory", John Salza.


A maior parte dos versículos bíblicos citados foram substituídos pela edição da Bíblia do Matos Soares.


1. Purgatório — Uma Introdução

O Que é o Purgatório

Sobre o céu, a Escritura diz: “nNão entrará nela coisa alguma contaminada, nem quem cometa abominação ou mentira, mas sòmente aqueles que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro.” (Ap 21, 27). A palavra “contaminada [impuro]” (do grego, koinon) refere-se a uma contaminação espiritual que deve ser purificada antes que possamos entrar na presença de Deus. Habacuque também diz: “Os teus olhos são limpos demais para ver o mal, e não podes olhar para a tribulação” (1, 13). Porque Deus é “santo, santo, santo”, Ele não permitirá que nada entre em Sua morada com a menor mancha ou defeito (cf. Ap 4, 8).


A palavra “purgatório” vem do latim “purgare”, que significa purgar, purificar ou tornar limpo.[15] A Igreja ensina que é um lugar ou condição de punição temporária para as almas falecidas destinadas ao céu, mas que não foram completamente purificadas do pecado. Através desse processo purgativo, a contaminação espiritual é removida e a alma é tornada totalmente agradável a Deus, para que possa viver eternamente com Ele no céu. A Igreja muitas vezes se refere às almas no purgatório como as Almas Santas, as Almas Pobres ou as Almas Sofredoras.


O purgatório é exigido pela justiça de Deus. Quando pecamos, contraímos diante de Deus a responsabilidade da culpa e a responsabilidade da punição. Deus perdoa a culpa do pecado através de Sua misericórdia, mas pune o pecador por Sua justiça.[16] Se a justiça de Deus exige que o pecado seja punido, segue-se que aquele que morre com contrição por seus pecados, mas antes de satisfazer completamente a punição, sofrerá a punição restante na vida após a morte.


Os protestantes frequentemente apontam que a palavra “purgatório” não está na Bíblia. Com base nisso, concluem que o purgatório é uma doutrina falsa. Essa abordagem demonstra a falácia comum entre os protestantes, de que algo deve ser explícito na Bíblia para ser verdadeiro.[17] No entanto, a Bíblia nunca ensina tal coisa. Em vez disso, as Escrituras nos ordenam seguir tanto as tradições escritas quanto as não escritas que Cristo e os apóstolos nos transmitiram através da Igreja.[18] No entanto, como veremos, não apenas a doutrina do purgatório faz parte da tradição apostólica não escrita (o que veremos no capítulo sobre os Padres), mas também é expressamente ensinada na Escritura. Portanto, acreditar na Bíblia significa acreditar também no purgatório.


Os protestantes também rejeitam o purgatório com base no argumento de que Cristo fez completa satisfação por nossos pecados. Embora isso pareça ser uma crença piedosa, é enganador. É verdade que o sacrifício de Jesus Cristo foi mais do que suficiente para expiar toda punição (temporal e eterna) devida ao pecado. A Paixão de Cristo foi uma obra superabundante de satisfação pelos pecados de todo o mundo. Cristo deu ao Pai mais do que era necessário para compensar nossos pecados. Como diz o Apóstolo João, “E ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo.”[19] Tanto católicos quanto protestantes concordam nesse ponto elementar.


No entanto, embora Cristo sozinho tenha feito satisfação pela punição eterna do pecado, Ele especificamente nos exige participar na satisfação pelas punições temporais de nossos pecados. As punições temporais referem-se aos efeitos pessoais, sociais, eclesiais e cósmicos que nossos pecados causam, os quais devem ser remediados em virtude da justiça divina de Deus. Participamos com Cristo suportando as provações e sofrimentos desta vida, bem como por meio de atos de penitência.


É por isso que Paulo diz: “Eu, agora, me alegro nos sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu corpo (místico), que é a Igreja” (Col 1, 24). Se Cristo fez expiação completa por nossos pecados, como Paulo pode dizer que algo está “falta” em Seus sofrimentos? Não pode haver, no que diz respeito à remissão da punição eterna. Apenas um ser com poder eterno poderia expiar a punição eterna, e isso é exatamente o que Cristo fez por nós. Segue-se necessariamente, então, que o que está “falta aos sofrimentos de Cristo” refere-se à dívida de punição temporal que devemos sofrer, em justiça, por nossos pecados. De acordo com Paulo, somos capazes de “completar” ou satisfazer essa punição que Deus impõe quando nossos próprios sofrimentos se unem aos de Cristo. Como veremos, Deus exige esse sofrimento porque restaura o pecador à igualdade de justiça e permite que o pecador alcance a santidade exigida para o céu (cf. Hb 12, 10).

*[Na edição do John Salza: “faltando nas aflições de Cristo”]


Porque fazer satisfação por nossa dívida de punição é difícil, a Escritura nos adverte a temer as consequências do pecado perdoado: “Não estejais sem temor sobre o pecado perdoado” [20]. Claro, se não houvesse consequências para o pecado perdoado, não haveria nada a temer. Se fizermos uma satisfação suficiente nesta vida por nossos muitos pecados e morrermos em estado de graça, iremos diretamente para o céu. No entanto, se nesta vida não “completarmos” o que está “faltando nas aflições de Cristo” por nossos pecados, faremos isso na próxima, que é o purgatório.


Como Paulo diz sobre o julgamento de Deus: “E coisa horrenda cair nas mãos do Deus vivo.” (Hb 10, 31).


O Ensino da Igreja sobre o Purgatório

Antes de analisarmos as escrituras, vejamos o que a Igreja diz sobre o purgatório. No Catecismo da Igreja Católica, lemos:

1030. Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do céu.1031. A Igreja chama Purgatório a esta purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativamente ao Purgatório sobretudo nos concílios de Florença e de Trento.[21]

Com base no ensino das Escrituras e dos Padres da Igreja, o Concílio de Florença (1439) definiu o purgatório da seguinte forma:

É também definido que, se aqueles verdadeiramente penitentes partiram no amor de Deus, antes de terem feito satisfação por frutos dignos de penitência pelos pecados de comissão e omissão, as almas destes são purificadas após a morte por castigos purgatórios… [22]

O Concílio de Trento (1563) declarou:

983. Já que a Igreja Católica, instruída pelo Espírito Santo, apoiada nas Sagradas Letras e na antiga Tradição dos Padres, ensinou nos sagrados Concílios e recentemente também neste Concílio Ecumênico, que existe purgatório [cfr. n° 840], e que as almas que nele estão detidas são aliviadas pelos sufrágios dos fiéis, principalmente pelo sacrifício do altar [cfr. n° 940, 950], prescreve o santo Concílio aos bispos que façam com que os fiéis mantenham e creiam a sã doutrina sobre o purgatório, aliás transmitida pelos santos Padres e pelos Sagrados Concílios, e que a mesma doutrina seja pregada com diligência por toda parte.. [23]

Trento prosseguiu:

840. Cân. 30. Se alguém disser que a todo pecador penitente, que recebeu a graça da justificação, é de tal modo perdoada a ofensa e desfeita e abolida a obrigação à pena eterna, que não lhe fica obrigação alguma de pena temporal a pagar, seja neste mundo ou no outro, no purgatório, antes que lhe possam ser abertas as portas para o reino dos céus: seja excomungado [cfr. n° 807]. [24]
Para os Destinados ao Céu

Com base nessas definições, podemos resumir o ensinamento da Igreja sobre o purgatório da seguinte forma: Primeiramente, o purgatório destina-se às pessoas que morrem na graça de Deus, sem pecados mortais em suas almas, e estão, portanto, destinadas ao céu.[25] Pecados mortais envolvem matéria grave e o conhecimento e consentimento plenos do pecador. Esses pecados são chamados de “mortais” (ou seja, mortais) porque expulsam a graça da alma, impedindo-a de obter a união com Deus, a fonte de toda vida.


Na sua primeira epístola, o Apóstolo João faz uma distinção entre pecados mortais e não mortais (ou “veniais”).[26] Ele escreve: “Há um pecado que conduz à morte; não digo que rogue alguém por ele (com tanta confiança de ser ouvido).Toda a iniquidade é pecado, e há pecado que não conduz à morte.” (1 Jo 5, 16–17). Aqueles que morrem com seus pecados mortais perdoados, ou tendo cometido apenas pecados veniais, têm assegurado seu lugar no céu (embora possam ter que passar pelo purgatório para purificação final).


Assim, o purgatório não é para pessoas que morreram com pecado mortal não perdoado. Essas almas escolheram conscientemente o pecado em vez de Deus durante suas vidas e não se arrependeram de seus pecados antes da morte. Essas são as almas dos réprobos que “serão atormentados de dia e de noite pelos séculos doe séculos.” (Ap 20, 10). Porque aqueles no purgatório têm garantido seu lugar no céu, o purgatório é um estado temporário e transitório entre a morte e a vida eterna com Deus.


Para Purificação e Satisfação

Em segundo lugar, como vimos, o purgatório é um processo de purificação do pecado e de satisfação pela dívida de punição devida ao pecado. Mesmo que tenham se arrependido de seus pecados, as Almas Santas ainda devem a Deus reparações pelos danos que seus pecados causaram de acordo com o padrão de justiça e equidade de Deus. O purgatório expia a punição temporal devida a esses pecados através das chamas da justiça divina e do amor de Deus.


Veremos isso claramente quando examinarmos 1 Coríntios 3, 15. Neste trecho, Paulo explica como alguém deve passar “pelo fogo” após a morte antes de receber a salvação. Esse processo de expiação inflige a punição devida pelos pecados perdoados e elimina os defeitos que levaram a alma a pecar em primeiro lugar. Através desse processo, a alma alcança a santidade requisitada por Deus para que seja adequada ao céu (cf. Hb 12, 14). Também examinaremos os trechos bíblicos que ensinam sobre a satisfação a Deus pelas punições temporais devidas pelos nossos pecados, bem como exemplos desse processo encontrados na Escritura.


Alívio por Sufrágios

Uma terceira crença católica fundamental sobre o purgatório é que as almas lá podem ter seus sofrimentos diminuídos e até mesmo serem libertadas de seus tormentos completamente, pelos sufrágios daqueles na Terra. Os sufrágios são atos de penitência realizados pelos fiéis, como oração, jejum e esmola. Como veremos mais adiante no último capítulo, porque aqueles no purgatório são membros do único Corpo de Cristo, eles podem ser ajudados por outros membros do Corpo na Terra.[27] O Credo dos Apóstolos se refere a essa relação espiritual como a Comunhão dos Santos, que é um artigo de fé.


Embora Deus exija dos membros do Corpo satisfação por seus pecados, Ele não necessariamente a exige do membro que a deve. Deus é tão misericordioso que aceita a satisfação pelo pecado de qualquer membro que Ele escolha. Como vimos, é por isso que Paulo pode dizer: “Eu, agora, me alegro nos sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu corpo (místico), que é a Igreja” (Col 1, 24).


Ao dizer que suas aflições são “por vós”* e “pelo seu corpo (místico), que é a Igreja*, Paulo revela que os sufrágios de um membro podem ajudar outro membro e compensar “o que falta” em seus próprios sufrágios. Em outras palavras, Deus permite que um membro mereça satisfação pelos pecados de outro membro, assim como permitiu que Cristo expiasse a punição eterna pelos nossos pecados.

[“por vossa causa” e “pelo corpo, a igreja”]


O Que o Purgatório Não É

As informações anteriores nos ajudam a entender o que é o purgatório. Mas também nos ajudam a compreender o que o purgatório não é. Isso é igualmente importante, porque muitas pessoas têm ideias equivocadas sobre o purgatório. Por exemplo, algumas pessoas pensam que o purgatório é um lugar onde as pessoas têm uma “segunda chance” após a morte para aceitar Deus e serem salvas. Outros pensam que o purgatório é um destino alternativo para pessoas que são “boas demais” para o inferno, mas “não boas o suficiente” para o céu. Alguns também acreditam que o purgatório é um lugar onde a alma trabalha para o céu e ganha méritos adicionais de Deus. Essas visões são errôneas.


Não é uma “Segunda Chance”

Recebemos apenas uma oportunidade para responder à graça de Deus em Cristo e aceitar Sua misericórdia, e isso é durante nossa vida terrena. Esta é a única chance de “trabalhai na vossa salvação com temor e tremor” (Fl 2, 12). Uma vez que morremos, a condição de nossas almas é fixada e nosso destino selado. Como Paulo diz em sua carta aos Hebreus, os homens “morrem uma vez, e depois vem o juízo” (Hb 9, 27). O purgatório não dá a alguém uma “segunda chance” de aceitar Jesus Cristo após a morte.


Após nos julgar, Cristo não “lidará com nossos pecados”. Ou seja, Cristo não nos dará mais a oportunidade de nos arrependermos deles, e Ele não os perdoará mais. Uma vez que a alma deixa o corpo na morte, o tempo para clemência e perdão passou. Deus julga a alma de acordo com o estado objetivo de sua condição no momento da morte.


A Igreja chama esse julgamento de alma imediatamente após a morte de Juízo Particular. Este é o julgamento individual que Deus faz para cada alma. Paulo se refere a este julgamento quando diz: “pois é necessário que todos compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que mereceu, enquanto estava no corpo, bem ou mal” (2 Cor 5, 10). [28]


Este julgamento deve ser distinguido do Julgamento Geral, que ocorrerá no final do mundo, quando Cristo separará as ovelhas dos bodes.[29] No Julgamento Geral, Cristo simplesmente proclamará publicamente o Julgamento Particular de cada pessoa: aqueles que foram julgados favoravelmente terão seus corpos ressuscitados para a vida eterna, e aqueles que foram julgados como maus terão os seus ressuscitados para a condenação eterna. [30]


É um pensamento temível pensar em comparecer diante do tribunal do Senhor Jesus Cristo para prestar contas de nossos pecados. A pura enormidade de nossos muitos pecados, tanto de comissão quanto de omissão, deve inspirar em nós um santo temor de Deus que nos responsabilizará por cada um deles. Como Jesus disse, “Não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo” (Mt 10, 28). [31]


Não é um “Destino Alternativo”

O purgatório não é um “estado intermediário” entre o lugar dos salvos e o lugar dos condenados. Jesus revelou nas Escrituras que existem apenas dois destinos finais para aqueles que puderam escolher o bem ou o mal durante suas vidas. Aqueles que amaram a Deus e ao próximo como a si mesmos “possuí o reino que vos está preparado desde a criação do mundo” (Mt 25, 34). Aqueles que fizeram o mal serão lançados “para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos” (Mt 25, 41).


Paulo reitera o ensinamento de Jesus: “que há-de dar a cada um segundo as suas obras: (dará) a vida eterna aos que, perseverando na prática do bem, buscam a glória, a honra e a imortalidade; (dará) ira e indignação aos que são pertinazes, indóceis à verdade, mas dóceis à injustiça” (Rm 2, 6–8)*.[32] Para aqueles que tiveram a oportunidade de obedecer a Deus e guardar Seus mandamentos, Jesus diz que haverá “vida eterna” ou “punição eterna” (Mateus 25, 46). Assim, o purgatório não pode ser um terceiro lugar, ou seja, uma alternativa ao céu e ao inferno.


*Edição do John Salza: “Pois ele recompensará a cada um conforme as suas obras: para aqueles que, perseverando em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade, ele dará a vida eterna; mas para aqueles que são egoístas e desobedientes à verdade, mas obedientes à injustiça, haverá ira e indignação” (Rm 2, 6–8).


E quanto ao Limbo?

A Igreja ao longo dos séculos ensinou sobre um terceiro possível destino após a morte chamado limbo. Diz-se que o limbo é o lugar de descanso eterno para aqueles que morrem não batizados, mas sem pecado grave (por exemplo, bebês não batizados). Esse ensinamento surgiu porque a Escritura é clara de que “nada impuro” entrará no céu,[33] e todos os homens (sem culpa própria) nascem neste mundo impuros: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado (original) neste mundo, e pelo pecado a morte, e assim passou a morte a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5, 12). Como veremos mais adiante no livro, esse pecado que todos herdamos de Adão é chamado de pecado original. De acordo com a Escritura e a Tradição, o batismo lava o pecado original, removendo assim esse obstáculo para o céu. Jesus ensinou que o batismo é necessário para a salvação quando disse: “A menos que alguém nasça da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”.[34] Há muitas outras passagens das Escrituras que demonstram que o batismo lava o pecado.[35] A razão para o limbo é a seguinte: porque somente o batismo lava o pecado original, pessoas não batizadas não podem ir para o céu; no entanto, porque Deus não pune aqueles que não cometem pecado deliberado, pessoas não batizadas sem pecado grave não merecem justamente o inferno. Se verdadeiro, isso implicaria a existência de um terceiro lugar para essas almas não batizadas, que chamamos de limbo (da palavra latina “limbus”, significando “na margem”). É a opinião comum dos Padres e doutores da Igreja que as almas no limbo, embora privadas da Visão Beatífica, experimentam um estado de felicidade natural.[36]


A doutrina do limbo foi consistentemente ensinada ao longo dos séculos, mas a Igreja nunca formalmente elevou o limbo a um dogma da fé.[37] Ao contrário do purgatório, que foi acreditado por todos os Padres da Igreja desde o início (e que é um dogma de fé), o limbo foi avançado como uma opinião teológica comum, mas não um dogma infalível.[38] Portanto, os católicos não são obrigados a acreditar no limbo como um artigo de fé. A Igreja também nos exorta a esperar pela salvação dos bebês não batizados, porque Deus não está vinculado aos Seus sacramentos.[39] No entanto, como o limbo foi ensinado pelo Magistério ordinário, bem como por muitos grandes líderes da Igreja e teólogos ao longo dos séculos, ele possui um peso teológico significativo e não pode ser prudentemente descartado, apesar de alguns sentimentos humanos em contrário.


Embora a Bíblia não revele definitivamente a existência do limbo, isso não significa que um terceiro lugar na vida após a morte seja inconsistente com as Escrituras. Pelo contrário, no evangelho de Lucas, aprendemos que Lázaro estava no “seio de Abraão”, que às vezes é chamado de “Limbo dos Pais” ou “Hades”.[40] O seio de Abraão era o lugar onde as almas dos justos eram detidas antes da ressurreição de Jesus, mas que não era o céu.


Nenhuma alma poderia ir para o céu até que Jesus apaziguasse a ira do Pai contra o pecado por meio de Seu sacrifício no Calvário. Assim, imediatamente após a morte de Jesus, Ele desceu ao Hades para informar as almas justas de sua libertação.[41] É por isso que o Credo dos Apóstolos diz: “Desceu à mansão dos mortos (Hades)”, que era a morada dos mortos justos. Portanto, se a Escritura ensina sobre um lugar para os mortos justos que não era o céu, então um terceiro lugar como o purgatório (um lugar para os mortos justos que não é o céu) é certamente possível. Como veremos na próxima seção, não é apenas possível, mas uma certeza.


Não é um Lugar de Esforço e Mérito

No purgatório, a alma não faz nenhum trabalho de purificação; ao contrário, Deus faz todo o trabalho. As almas no purgatório não têm nada a fazer porque já “trabalharam a própria salvação” durante suas vidas terrenas (cf. Fl 2, 12). Sua salvação é garantida. A Escritura é clara que as almas justas são finalmente libertas de seus trabalhos. Paulo diz: “Realmente aquele que entrou no descanso de Deus, também repousa das suas obras, como Deus das dele” (Hb 4, 10). O anjo no Livro do Apocalipse[42] também diz: “Bem-aventurados, desde agora, os mortos, que morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem dos seus trabalhos, porque as suas obras os seguem.” (Ap 14, 13).


Enquanto a alma descansa de suas labutas terrenas, Deus se empenha em Sua obra celestial de purificação. Deus testa a alma nas chamas de Seu amor divino, assim como um ourives faz com a prata e o ouro. Deus diz por meio do profeta Zacarias: “E porei esta terça parte no fogo, e a purificarei, como se purifica a prata, e a provarei, como se prova o ouro” (13, 9). Malaquias também revela: “Pois ele é como o fogo do ourives e como o sabão dos lavandeiros. Ele se assentará como um refinador e purificador de prata, e purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e prata” (3, 2–3). O Livro dos Provérbios diz: “O crisol é para a prata, e o forno é para o ouro, mas o Senhor prova os corações” (Pv 17, 3).[43] E lemos em Eclesiástico: “Porque o ouro é provado no fogo, e os homens aceitáveis, na fornalha da humilhação” (2, 5).


Além disso, geralmente acredita-se que as almas no purgatório são incapazes de aumentar seus méritos perante Deus. Méritos são presentes gratuitos que Deus concede aos fiéis por obedecerem Seus mandamentos durante suas vidas. Esses presentes incluem um aumento da graça, um maior grau de caridade, uma união mais próxima com a Trindade e um correspondente aumento na glória celestial. Como Agostinho afirma, quando Deus nos concede méritos, Ele está simplesmente coroando Seus próprios dons. O homem obtém de Deus o que Deus deu ao homem o poder de fazer desde o início.


Ao descrever como Deus nos recompensa com méritos, Paulo diz: “Uma mesma coisa é o que planta e o que rega; cada um receberá a sua recompensa segundo o seu trabalho” (1 Cor 3, 8). A qualidade do trabalho dita a qualidade da recompensa (mérito). Paulo também diz: “Deus não é injusto, para que se esqueça da vossa obra e da caridade que mostrastes em seu nome, vós que servistes aos santos e ainda os servis” (Hb 6, 10) e, “mas busco o fruto que vá aumentando à vossa conta (diante de Deus)” (Fl 4, 17)*. O “fruto” simboliza as “obras” que somos chamados a realizar, as quais aumentam nossos méritos, ou “conta”*, perante Deus. Jesus também ensina sobre a necessidade de produzir bons frutos para aumentar nossa justificação perante Deus.[44]

[“Procuro o fruto que aumente para o vosso crédito”]


As Escrituras ensinam que os méritos que ganhamos na Terra são reservados para nosso desfrute no céu. Após o anjo em Apocalipse elogiar as almas no céu que “descansam de suas labutas”, ele proclama enfaticamente “porque as suas obras os seguem!” (Ap 14, 13). Paulo também afirma que aqueles que são “ricos em boas obras, generosos e prontos para repartir” estão “acumulando tesouros para si mesmos como um bom fundamento para o futuro, para que possam se apoderar da verdadeira vida” (1 Tm 6, 18–19). Nosso Senhor abençoado nos ordenou: “Acumulem tesouros no céu, onde traça nem ferrugem destroem, e ladrões não arrombam nem furtam” (Mt 6, 20).[45]

Naturalmente, devido à imensa desigualdade entre Deus e o homem, o homem não tem direito estrito de merecer algo de Deus. Como as Escrituras dizem: “Ou quem lhe deu alguma coisa, primeiro, para que tenha de receber em troca?” (Rm 11, 35).[46] Deus não deve nada ao homem. O homem só pode merecer recompensas de Deus porque Deus escolheu livremente associar o homem ao trabalho de Sua graça. Essa relação entre Deus e o homem começa no batismo, quando nos tornamos “justificados pela sua graça e nos tornamos herdeiros na esperança da vida eterna” (Tito 3, 7).


Quando somos justificados pela graça, nos tornamos filhos adotivos de Deus e herdeiros do Seu reino. Nessa nova relação baseada na graça, somos capazes de chamar a Deus de “Abba! Pai!” (cf. Gálatas 4, 6–7). A graça nos torna filhos do Pai, e o Pai concede méritos aos Seus filhos porque está em Sua natureza fazer isso (não porque Ele tem uma obrigação para conosco). Como Paulo diz, não temos nada com que nos gloriar perante Deus.[47] Todos os méritos de Deus vêm exclusivamente da graça e benevolência divinas, e não de qualquer obrigação que Deus tenha para conosco. Fora da graça de Deus, é impossível merecer qualquer coisa d’Ele.


Somos capazes de obter méritos de Deus apenas quando nossas almas estão unidas aos nossos corpos. É por isso que Paulo diz que, em nossos julgamentos individuais, “cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo” (2 Coríntios 5, 10). Uma vez que a alma deixa o corpo — na morte — , o tempo para o mérito passou. A alma é julgada e recompensada (ou punida) de acordo com seus méritos (ou deméritos).[48] Além disso, uma vez que uma pessoa morre, seu tempo para contrição passou. Isso ocorre porque a contrição é um ato meritório que vem da graça de Deus. O arrependimento e a conversão devem acontecer durante esta vida, enquanto temos a chance.


Falando sobre o corpo, muitos protestantes dizem que “estar ausente do corpo é estar presente com o Senhor”. Eles baseiam essa afirmação distorcendo uma declaração que Paulo faz em sua Segunda Carta aos Coríntios. Se estar ausente do corpo (morte) significa estar presente com o Senhor (céu), então, argumenta o protestante, não pode haver purgatório. Mas isso é o que Paulo realmente diz: “Por isso, estamos sempre cheios de confian­ça. Sabemos que todo o tempo que passamos no corpo é um exílio longe do Senhor. Andamos na fé e não na visão. Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar junto do Senhor.” (2 Coríntios 5, 6–8). Paulo não diz que uma alma separada do corpo está automaticamente com o Senhor, ou que quando morremos vamos imediatamente para o céu. Ele simplesmente diz que preferiríamos estar em casa com o Senhor do que em nossos corpos. Paulo nunca fala sobre o que acontece entre a morte e a glorificação. Além disso, quando uma alma vai para o purgatório, essa alma está com o Senhor, pois é o Senhor quem a purifica para o céu.


Os protestantes também às vezes se referem à declaração de Paulo em sua Carta aos Filipenses: “Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver no corpo é útil para o meu trabalho, não sei então o que devo preferir. Sinto-me pressionado dos dois lados: por uma parte, desejaria desprender-me para estar com Cristo — o que seria imensamen­te melhor” (1, 21–23). No entanto, novamente, Paulo não está fazendo uma afirmação doutrinária sobre o que acontece com a alma na morte. Ele está apenas dizendo que seu desejo é estar com Cristo em vez de trabalhar na terra. Nada nestes versículos aborda remotamente a doutrina do purgatório.


O Que Pode Ser o Purgatório

Assim como o céu e o inferno, o purgatório trata da vida após a morte. Sempre que discutimos a vida após a morte, lidamos com o mistério. Como Paulo diz: “Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente” (1 Cor 13, 12). Embora saibamos certas coisas sobre o purgatório a partir da Escritura e da Tradição, há muitas coisas que não sabemos com certeza. Por exemplo, não sabemos onde fica o purgatório, a natureza exata dos sofrimentos suportados lá ou quanto tempo dura. Ainda assim, a Escritura e Tradição nos fornecem muitas pistas, assim como as revelações privadas de muitos santos.


Revelações privadas, ou particulares, são revelações que Deus dá a indivíduos na forma de visões ou aparições. [49] Elas devem ser distinguidas da revelação pública que Deus deu à Igreja na Escritura e na Tradição. Esta revelação pública é chamada de “Depósito da Fé” e inclui aquelas verdades que são necessárias para nossa salvação. Revelações privadas, fora do Depósito da Fé, são baseadas em testemunhos humanos, e nenhum católico é obrigado a acreditar nelas.


Contudo, quando a Igreja autentica uma revelação privada de um santo, não podemos dispensá-la sem ofender a razão, pois a razão exige um assentimento à verdade quando ela é satisfatoriamente demonstrada. Portanto, além de apelar para a Escritura e a Tradição, ocasionalmente mencionaremos algumas das muitas revelações privadas que homens e mulheres santos receberam sobre o purgatório. A santidade desses santos é reconhecida por cristãos de todas as persuasões. Suas revelações privadas, no mínimo, nos fornecem abundante alimento espiritual para reflexão. [50]


Onde Está o Purgatório?

Como vimos, a frase mais comum para descrever o purgatório é um “lugar ou condição” de punição temporal após a morte. Embora a maioria dos teólogos modernos prefira descrever o purgatório como uma “condição” (ou um “estado” ou “processo”), não se erra chamando o purgatório de “lugar”. Quando Jesus advertiu os pecadores que seriam detidos na prisão até que pagassem o último centavo (Mt 5, 25–26), a Igreja primitiva interpretou esse aviso de Jesus como uma referência ao purgatório. Assim, o purgatório é um “lugar” na medida em que detém a alma para purificação. Assim como a alma estava detida no corpo durante a vida terrena, a alma também pode ser detida na “prisão” do purgatório após a morte.[51]


Se o purgatório pode ser chamado de um “lugar”, onde está esse lugar? Teólogos ao longo dos séculos especularam que o purgatório está no interior da terra, no mesmo ou em um lugar similar ao inferno dos condenados. Essa era a posição de Agostinho e Tomás de Aquino. Somente Deus sabe com certeza, e não há argumentos convincentes sobre a questão. No entanto, as Escrituras podem fornecer algumas inferências sutis.


No evangelho de Mateus, Jesus diz: “assim o Filho do Homem ficará três dias e três noites no seio da terra” (Mt 12, 40). Como vimos, quando Cristo estava no “coração da terra”, Ele pregou a libertação às almas dos justos que aguardavam a abertura das portas do céu para eles. Esses justos incluiriam aqueles no purgatório, pois também receberiam a mensagem da salvação, mesmo que estivessem fazendo a satisfação final por seus pecados. Se assim for, significa que o purgatório está no “coração da terra”, para onde Jesus desceu após Sua morte.


No evangelho de Lucas, mesmo que o homem rico estivesse sendo atormentado no Hades, ele ainda podia ver Lázaro, que estava no seio de Abraão, e podia se comunicar com Abraão (cf. Lc 16, 19–26). Supondo que o seio de Abraão estava no coração da terra (como mostrado acima), então é razoável concluir que o lugar de tormento do homem rico estava perto ou unido a ele, separado apenas pelo “grande abismo”.


Embora a interpretação tradicional seja que o homem rico está no inferno dos condenados, é possível que ele estivesse no purgatório. [52] Isso ocorre porque ele ainda amava seus irmãos, ao contrário daqueles no inferno, que não têm mais amor. Ele demonstrou amor por seus irmãos ao implorar a Abraão que avisasse seus cinco irmãos sobre seu lugar de tormento (vv. 27–28). Se o homem rico estava no purgatório, então o purgatório estaria no “seio da terra” — o local de Abraão, Lázaro e o restante dos mortos justos (cf. Mt 12, 40).


Na carta aos Filipenses, Paulo diz: “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor.” (2, 10–11). Neste versículo, Paulo descreve a natureza tríplice da Igreja: a Igreja Triunfante (no céu), a Igreja Militante (na terra) e a Igreja Sofredora (no purgatório). Se lido literalmente, que é como os católicos leem a Escritura, a palavra purgatório seria “debaixo da terra” — ou seja, nos subterrâneos da superfície terrestre.


No Livro do Apocalipse, João descreve aqueles que ocupam a terra e o mar, o que sugere um continuum de presença na, acima e abaixo da superfície terrestre: “E todas as cria­turas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo que contêm, eu as ouvi clamar: “Àquele que se assenta no trono e ao Cordeiro, louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos séculos.”” (5, 13) Este versículo sugere que aqueles “debaixo da terra” (aqueles no purgatório) estão no espaço subterrâneo abaixo do mar, em contraste com as criaturas que estão no mar e na terra firme.


Também é razoável concluir que Deus pune aqueles nas entranhas da terra que amaram as coisas terrenas mais do que as celestiais. Porque o homem peca indo “para baixo à matéria” e não “para cima a Deus”, um lugar de punição no coração da terra parece apropriado, seja ele temporal ou eterno. [53] Nada impediria o Deus todo-poderoso de manter um espaço oco na terra para esse propósito. Os geólogos também acreditam que existe fogo no núcleo da terra.


As Escrituras também revelam que Deus pune os pecadores nas entranhas da terra. Durante o reinado de Moisés, um homem chamado Coré se rebelou contra Moisés e seus sacerdotes (cf. Nm 16). Coré e 250 de seus seguidores tentaram conferir a si mesmos a dignidade do sacerdócio sem a autoridade de Moisés. Depois que Moisés pronunciou seu julgamento sobre as ações más de Coré e seus rebeldes, Deus fez com que a terra os engolisse vivos. A Escritura diz: “A terra abriu a sua boca e os engoliu… Assim, eles e tudo o que lhes pertencia desceram vivos para o Sheol; e a terra fechou-se sobre eles, e eles pereceram do meio da assembleia” (vv. 32–33).


Muitos santos receberam revelações de que o purgatório (e o inferno) estavam em algum lugar na terra. Santa Teresa teve visões de almas saindo das profundezas da terra e ascendendo ao céu pelas mãos dos anjos. Durante a oração, Santa Madalena de Pazzi viu a alma de uma de suas irmãs religiosas falecidas no purgatório surgir da terra envolta em um manto de chamas. Santa Francisca de Roma foi conduzida por um anjo tanto ao inferno quanto ao purgatório, que estavam situados nas entranhas da terra.


A Virgem Maria revelou a três crianças pastores (Lúcia, Francisco e Jacinta) em Fátima, Portugal, uma visão assustadora dos acontecimentos nas entranhas da terra. [54] Nessa visão, as crianças viram um vasto mar de fogo com almas aparecendo como brasas ardentes com formas humanas. Elas flutuavam na conflagração e eram elevadas ao ar por chamas e grandes nuvens de fumaça. As crianças também ouviram gritos e gemidos de dor e desespero. Embora Lúcia tenha explicado posteriormente que era uma visão do inferno, os elementos na visão (fogo, chamas, fumaça, gritos) também são consistentes com as revelações privadas que muitos santos receberam sobre o purgatório. Isso é apenas uma pequena amostra dessas visões recebidas por santos, sugerindo a existência do purgatório no coração da terra.


Quão Doloroso é o Purgatório?

Geralmente se entende que há dois tipos de dor no purgatório: dor de sentido e dor de perda. A dor de perda consiste em ser impedido de contemplar o rosto de Deus, o fim para o qual Deus criou a alma. Quando a alma estava no corpo, ela lutava entre satisfazer os desejos do espírito e os desejos da carne. O Livro da Sabedoria diz: “um corpo perecível oprime a alma” (9, 15), e Paulo se refere repetidamente à tensão entre corpo e alma (a carne e o espírito). [55] Quando a alma é libertada do corpo, ela busca apenas a Deus. Assim, ser privada de seu único desejo — Deus — durante sua detenção no purgatório produz tremendos tormentos espirituais para a alma, dos quais ela não será libertada até ter “pago o último centavo” (Mt 5, 26).


A dor de sentido consiste em sofrimento sensível, semelhante ao que experimentaríamos no corpo. Mesmo que o corpo não esteja mais presente, Deus no purgatório permite que a alma experimente a dor corporal porque os pecados pelos quais ela deve fazer satisfação foram cometidos “no corpo” (2 Cor 5, 10). É por isso que no evangelho de Lucas as chamas puderam atormentar a “língua” do homem rico. Embora fosse uma alma desencarnada, o homem rico experimentou dor sensível por seus pecados de glutonaria.


Na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 3, Paulo descreve como Deus testa a alma após a morte. Paulo revela que a alma falecida “sofre perda” enquanto é salva “pelo fogo” depois que Deus julga a alma (1 Cor 3, 15). Também vimos como as Escrituras aludem a Deus usando “fogo” para nos purificar como prata e ouro. Assim, quando lido literalmente, a Escritura ensina que a dor do purgatório é a dor do fogo corporal (ou “corpóreo”).

Entretanto, como a alma é espiritual e o fogo é material, muitos protestantes acusam a interpretação católica de ser irracional e ilógica. É isso?


Não de acordo com Jesus, que disse: “De maneira que, assim como é colhida a cizânia e queimada no fogo, assim acontecerá no fim do mundo. O Filho do homem enviará os seus anjos, e tirarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniquidade, e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 13, 40–42). Neste aviso, o Senhor diz que as almas amaldiçoadas sofrerão no fogo “assim como” o joio é queimado com fogo corpóreo. [56] Longe de ser uma indicação de que esses fogos diferem de alguma forma, o Senhor indica fortemente que são os mesmos.


Em outro aviso sobre o fim dos tempos, Jesus nos diz que dirá: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos” (Mt 25, 41). Porque os demônios incorpóreos estão sendo punidos atualmente pelo mesmo fogo que receberá os corpos dos condenados no fim dos tempos, segue-se que as almas incorpóreas, assim como os demônios, sofrem com o fogo corpóreo. É por isso que Paulo diz que a alma falecida, sendo provada pelo fogo da justiça de Deus, “sofre perda” antes de obter sua recompensa eterna (1 Cor 3, 15).


É também uma questão de justiça divina que uma pessoa que pecou corporalmente também seja punida corporalmente. O Livro da Sabedoria diz que alguém “é punido pelas mesmas coisas com que pecou” (11, 15)*. Recordamos no evangelho de Lucas como o homem rico “todos os dias se banqueteava esplêndidamente” (16, 19). Isso significa que ele se entregava demais aos prazeres da língua. Portanto não é surpresa quando ele pede a Abraão que envie Lázaro para refrescar sua língua com água (v. 24).

*No livro diz que está versículo 15, mas na edição do Matos Soares esse é o v.17 e a Ave-Maria é o v.16:“para que soubessem que cada um é punido com aquilo por que peca”]


Ao longo dos séculos, os santos nos deram visões assustadoras das dores do purgatório. Eles viram visões de chamas violentas, lava, correntes quentes e ferros punindo as almas dos justos. Ouviram gritos e choros de agonia e fúria enquanto as almas suportavam os fogos de expiação. Aqueles agraciados com essas visões disseram que os castigos do purgatório estão além da nossa compreensão, superando todos os sofrimentos desta vida. Se um fogo temporal causa uma queimadura dolorosa na pele nesta vida, quanto mais dor causa uma chama divina à alma no purgatório? É uma meditação séria.


O Venerável Beda relata uma visão do purgatório consistindo em uma profunda caverna de fogo de um lado e gelo e neve do outro. As almas se atiravam violentamente de um lado para o outro entre o fogo e o gelo, entre uma tortura e outra. Assim que uma alma não conseguia mais suportar as chamas, ela se lançava no gelo e na neve, apenas para retornar ao fogo e depois ao gelo, e assim por diante, nunca encontrando repouso. Jó revela esse castigo ao falar do julgamento de Deus: “Passe das águas da neve para um excessivo, calor, e o seu pecado vá (com ele) até aos infernos” [57]. A palavra grega para “inferno” é Hades, o lugar de detenção das almas falecidas.


No Livro do Apocalipse, Jesus ameaçou punir Jezabel por seu pecado de adultério, lançando-a “em uma cama doente” onde ela cometeu seus pecados (2, 22). Os céus também clamam: “Tratai-a como ela tratou e dai-lhe o dobro conforme as suas obras; na taça em que ela derramou, derramai-lhe o dobro. Quanto ela se glorificou e se deu ao luxo, tanto lhe dai de tormento e pranto, porque diz no seu coração: estou sentada como rainha, não sou viúva e não verei o pranto.” (18, 6–7). O profeta Oséias também revela que os pecadores “tornaram-se abomináveis como as coisas que amaram” (9, 10). Isso ocorre imediatamente antes do aviso de Oséias no verso anterior: “O Senhor se lembrará da sua iniquidade e castigará os seus pecados” (v.9). Ezequiel também revela: “A sua prata e o seu ouro não os poderão livrar no dia do furor do Senhor. Não saciarão (com, isso) a sua alma, e os seus ventres se não se encherão, porque a sua iniquidade fez disso um motivo de queda. Orgulhavam-se dos seus adornos, e disso fizeram os seus ídolos abomináveis; por tal motivo farei que seja para eles uma imundície”* [58].

[“seu ouro e prata não poderão livrá-los no dia da ira do Senhor; eles não podem satisfazer sua fome nem encher seus estômagos com isso. Pois foi o tropeço de sua iniquidade; portanto, eu o tornarei algo impuro para eles”]


Como mencionamos anteriormente, as grandes mentes da Igreja concordam que a menor dor no purgatório supera a maior dor da vida terrena.[59] Em relação à dor do sentido, porque a punição é infligida diretamente à alma, que é a fonte de todas as sensações corporais, segue-se que essa dor de sentido é pior do que qualquer coisa que a alma poderia experimentar no corpo. A gravidade da punição, é claro, depende da gravidade dos pecados, pois o Senhor diz: “eu lhes darei segundo as suas obras” (Jr 25, 14). O Senhor também diz que um homem é punido “proporcionalmente à sua ofensa” (Dt 25, 2).


Em relação à dor da perda, quanto mais algo é desejado, mais dolorosa é a sua ausência. Como a alma no purgatório deseja apenas a Deus e com o desejo mais intenso, segue-se que essa dor da perda é pior do que qualquer coisa que a alma poderia experimentar enquanto estava na Terra. Os Padres e Doutores da Igreja concordam que essa dor da perda da visão de Deus é a maior dor do purgatório.


Apesar das dores supremas do purgatório, as almas lá se submetem livremente às suas punições por amor fervoroso e desejo de Deus. Elas prefeririam passar por esses terríveis tormentos a aparecer diante de Deus com suas falhas atuais. Elas amam a Deus acima de tudo, pois suas almas desencarnadas O buscam sozinhas. Além disso, porque Deus ama aqueles a quem castiga, Ele dá grandes consolações às almas no purgatório. Embora Deus queira que tenhamos um santo temor do pecado e da punição, Ele deseja que temperemos esse medo com grande confiança em Sua misericórdia, pois a misericórdia de Deus é tão infinita quanto Sua justiça. Assim, enquanto seus sofrimentos são semelhantes aos do inferno, suas consolações lhes dão um vislumbre do céu.[61]


Duração do Purgatório

Embora não saibamos exatamente como o tempo opera na vida após a morte, parece claro que as almas são detidas no purgatório “por um tempo” [62]. O aviso de Jesus de que não sairemos da prisão do purgatório até pagarmos a última moeda significa que somos detidos por um período de tempo (Mt 5, 25–26). Naturalmente, a dívida de uma pessoa pode ser maior ou menor que a de outra. Isso significa que o “tempo” para fazer o pagamento (satisfazer a dívida do pecado) será mais longo para alguns do que para outros.


O homem rico no Hades estava sendo atormentado ao longo de um período de tempo, durante o qual expressou sua angústia, pediu misericórdia e alívio de seu sofrimento, e suplicou para que seus irmãos fossem avisados sobre o seu lugar de tormento. A dor purgatorial da perda existe durante o tempo em que a alma não pode ver a Deus e cessa no momento da libertação da alma. Como o tempo é calculado após a morte, não sabemos ao certo. Mas é razoável presumir que o sofrimento não é instantâneo. Para a percepção da alma, ele perdura por um “tempo” — para algumas almas, um tempo muito longo.


Em sua primeira carta aos Coríntios (que examinaremos mais detalhadamente no terceiro capítulo), Paulo usa metáforas para descrever as obras de uma pessoa e como Deus julga essas obras depois que a pessoa morre. Boas obras são simbolizadas por “ouro, prata, pedras preciosas” e obras ruins por “madeira, feno e palha” (3, 12). Paulo revela que após a morte, Deus julga com fogo o tipo de trabalho que cada pessoa fez enquanto estava na Terra. Aqueles que construíram com ouro, prata e pedras preciosas recebem sua recompensa celestial (v.14). Porque o fogo não pode consumir esses elementos, eles (as boas obras) acompanham a pessoa até o céu. Aqueles que construíram com madeira, feno e palha têm um resultado diferente. Paulo revela que esses materiais (pecados) são “queimados” no fogo (1 Cor 3, 15). Como veremos mais tarde, a pessoa que construiu com esses materiais ruins também deve passar pelo mesmo fogo antes de receber a salvação (v. 15). Assim, enquanto o fogo consome os maus materiais, ele pune a pessoa que construiu com eles.


O fogo consome esses elementos, e em velocidades diferentes. Por quê? Porque a madeira permanece mais tempo no fogo do que o feno ou a palha. O feno e a palha queimam mais rapidamente, e a madeira queima mais lentamente. O uso metafórico de Paulo desses elementos demonstra o óbvio: alguns pecados são mais graves do que outros. Assim, alguns pecados são punidos por mais tempo e mais severamente no purgatório do que outros. A gravidade da punição corresponde à culpa da pessoa, enquanto a duração da punição corresponde a quão profundamente o pecado enraizou-se em sua alma.


Então, quanto tempo leva essa purificação? Bem, nesta vida, sabemos que os momentos de prazer parecem passar rapidamente, enquanto os momentos de sofrimento parecem longos. Quanto mais intenso o sofrimento, mais tempo parece para que o tempo passe. Muitos santos que receberam revelações sobre o purgatório escreveram sobre como as pobres almas experimentam o tempo. Suas conclusões são unânimes: o menor tempo no purgatório parece ser um tempo extraordinariamente longo. Portanto, como as dores do sentido e da perda, essa dor da duração (tempo) é intensificada além de qualquer coisa que tenhamos experimentado nesta vida. De fato, é porque os sofrimentos do purgatório (sentido e perda) são incrivelmente intensos que a alma percebe o tempo como o faz.


Um breve e muito comum relato será suficiente. O frei dominicano e bispo São Antonino relata a história de um homem doente que recebeu uma escolha de seu anjo da guarda: morrer imediatamente e passar três dias no purgatório, ou suportar sua doença por mais um ano e depois ir diretamente para o céu. O homem escolheu o purgatório. Depois de uma hora, seu anjo o visitou no purgatório. O homem reclamou a seu anjo que concordara com três dias apenas, mas estava sofrendo nas chamas purgatoriais por vários anos. Quando o anjo o informou de que ele estava no purgatório por apenas uma hora, a alma surpresa implorou ao seu anjo para trazê-lo de volta à Terra, onde estaria disposto a sofrer o quanto Deus quisesse.


Esta revelação privada e outras semelhantes são consistentes com as opiniões dos Padres e Doutores da Igreja. Roberto Belarmino, por exemplo, disse que as dores do purgatório parecem durar não apenas dez e vinte anos, mas em alguns casos séculos inteiros. Quando a vidente Lúcia em Fátima perguntou à Mãe Santíssima sobre sua amiga falecida Amélia (que morreu aos dezoito ou vinte anos de idade), a Mãe de Deus disse: “ela estará no purgatório até o fim do mundo” [63]. É provável que até mesmo as pessoas justas tenham que expiar seus pecados veniais e maus hábitos no purgatório. Como a Escritura diz, “o justo cai sete vezes” em um dia (Pv 24, 16). Quanto tempo um homem justo terá que sofrer no purgatório? E como esse sofrimento se compara ao de um homem ímpio? Embora seja impossível calcular com precisão quanto tempo teríamos que sofrer no purgatório, o esforço pelo menos nos dá algo para pensar.


Na verdade, se as pessoas realmente contemplassem a realidade de sofrer tormentos excruciantes por um tempo muito longo após a morte, elas se arrependeriam e emendariam suas vidas. Uma pessoa razoável preferiria suportar uma doença mortal ou renunciar a uma fortuna abundante nesta curta vida do que sofrer as dores incomensuráveis do purgatório na próxima vida. Se não conseguimos imaginar suportar sofrimentos físicos por dez, trinta ou cinquenta anos, quão mais incompreensíveis são os sofrimentos espirituais do purgatório? Certamente, se soubéssemos realmente (como tantos santos através de revelações privadas), sofreríamos as penitências mais severas neste mundo para evitá-las no mundo vindouro. No último capítulo, discutiremos como evitar o purgatório, unindo nossos sofrimentos à Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.


Antes de encerrarmos este capítulo, devemos enfatizar o seguinte: Deus não quer que vamos para o purgatório. Não, impomos o purgatório a nós mesmos. Nosso Senhor nos disse: “Meu jugo é fácil e o meu fardo é leve” (Mt 11, 30). Se amamos a Deus com todo o nosso coração, mente, alma e força [64], não temos nada a temer. O Apóstolo João nos ensina que “podemos ter confiança para o dia do juízo” se guardarmos os mandamentos de Deus e fizermos o que lhe agrada (1 Jo 4, 17). Como veremos no próximo capítulo, só podemos fazer essas coisas pela graça. A forma como respondemos à graça de Deus nesta vida determinará o resultado da próxima. Nosso Senhor nos ama e nos consumirá no fogo de Seu amor (Cf. Hb 12, 29). Se isso incluir uma parada no purgatório, a escolha é nossa.


Com as informações anteriores como pano de fundo, examinaremos agora com mais detalhes as evidências bíblicas para o Purgatório.

 

Notas:

15. A palavra grega transliterada para “fogo” é “puroo”, da qual obtemos a palavra “purgatório”. 16. A Escritura se refere à responsabilidade da culpa (reatus culpae) em Salmos 5, 10; 18, 23; 25, 11; 32, 5; 51, 2.7; 68, 21; 109, 7 e a responsabilidade da punição (reatus poena) em Salmos 59, 5; 69, 27; 89, 32.

17. Se os títulos de todas as doutrinas verdadeiras tivessem que estar na Escritura, os protestantes teriam um problema considerável. Os títulos “Trindade”, “Encarnação” e até mesmo “Bíblia” não são encontrados na Bíblia, mas são aceitos por todos os protestantes. Além disso, muitas doutrinas protestantes não são encontradas na Escritura ou na Tradição, como “depravação total” e “batismo do crente”, bem como práticas inovadoras como “apelos ao altar” e “pastoras mulheres”.

18. 1 Coríntios 11, 2; 2 Tessalonicenses 2, 15; 3, 6.

19. 1 João 2, 2 (Douay-Rheims — DR).

20. Eclesiástico 5, 5 (DR).

21. Catecismo da Igreja Católica (CIC), 1030–1031.

22. Essa doutrina repete o ensinamento anterior do Segundo Concílio de Lyon (1274): “Porque, se eles morrerem verdadeiramente arrependidos em caridade antes de terem feito satisfação por frutos dignos de penitência pelos pecados cometidos e omitidos, suas almas são purificadas após a morte por punições purgatórias ou purificadoras”.

23. Concílio de Trento, Sessão 25, Decreto Sobre o Purgatório (4 de dezembro de 1563).

24. Ibid., Sessão 6, Decreto Sobre a Justificação, Cânon 30 (13 de janeiro de 1547). O ensinamento da Igreja sobre o purgatório foi reafirmado no Segundo Concílio do Vaticano em Lumen Gentium, Nº 49.

25. Estes incluiriam, por exemplo, os pecados de adultério, homicídio intencional, idolatria e blasfêmia.

26. A palavra “venial” vem do latim “venia”, que significa perdão ou indulgência.

27. Cf. 1 Coríntios 12, 12.27

28. 2 Coríntios 5, 10. Veja também Lucas 16, 22; 23:43; Romanos 2, 3.5; 14, 10.12; Hebreus 9, 27; Eclesiástico 11, 26.

29. Cf. Mateus 25, 31–46; João 5, 28–29; 6, 40.44; 12, 48; Atos 24, 15; 2 Timóteo 4, 8; Apocalipse 20, 11–15.

30. Cf. João 5, 28–29; Apocalipse 20, 4–15.

31. Mateus 10, 28; Lucas 12, 4–5.

32. Romanos 2, 6.8.

33. Apocalipse 21, 27.

34. João 3, 5. Cf. Marcos 16, 16.

35. Por exemplo, Atos 9, 18; 22, 16; 1 Coríntios 6, 11; Tito 3, 5–7; Hebreus 10, 22; 1 Pedro 3, 21. Veja também Romanos 5, 1–5.

36. Dois dos maiores teólogos católicos, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, acreditavam no limbo, embora discordassem do que a alma experimentava lá. Agostinho dizia que essas almas experimentam punições leves, enquanto Aquino e a maioria dos santos ensinavam que essas almas não são punidas, mas desfrutam da felicidade natural.

37. Além da opinião comum dos Padres, santos e doutores da Igreja, vários papas (Papa Sirício [385] Papa Inocêncio [414] Papa Zósimo [417] Papa Inocêncio III [1201] Papa João XXII [1321] Papa Martinho V [1417] Papa Sisto V [1588] e, Papa Pio VI [1794]) denunciaram a crença de que os bebês que morrem antes do batismo desfrutam das recompensas da vida eterna. Os Concílios de Lyon II (1274) e Florença (1439) declararam que as almas que morrem no pecado original (não batizadas) estão excluídas da Visão Beatífica, mas isso não incluiria aquelas almas que tiveram um “desejo de batismo”, conforme ensinado pelo Concílio de Trento (1547). Recentemente, o Papa Bento XVI permitiu que teólogos investigassem o ensinamento tradicional da Igreja sobre o limbo (resultando em nenhuma mudança na doutrina).

38. Porque a doutrina do limbo foi consistentemente ensinada pelo Magistério ordinário da Igreja, é considerada mais do que uma hipótese teológica, mas não um dogma de fé.

39. O Concílio de Trento ensina que o homem é traduzido do estado de pecado para o estado de graça “pela pia de regeneração [batismo] ou seu desejo”. Decretos Concernentes à Justificação, Capítulo IV (13 de janeiro de 1547). A Igreja não definiu os parâmetros desse “desejo” (por exemplo, se se aplica apenas aos catecúmenos, que é a posição tradicional; ou aos bebês por meio do desejo dos pais).

40. Cf. Lucas 16, 22–26. Esse limbo dos Pais (limbus patrum) é diferente do possível limbo de bebês (limbus infantium), embora possam ser componentes do mesmo abode espiritual.

41. Cf. Efésios 4, 8–9; 1 Pedro 3, 19; 4, 6. Veja também Atos 2, 27.31; 1 Coríntios 15, 55.

42. O último livro da Bíblia também é chamado pelo nome antigo e tradicional de Apocalipse, significando “revelação”.

43. Apocalipse 17, 3. Veja também 1 Pedro 1, 6–7; Judas 23; Apocalipse 3, 18–19; Daniel 12, 9–10; Sabedoria 3, 5–6.

44. Mateus 3, 8.10; 7, 16–20; 12, 33; 13, 23; 21, 41.43; Marcos 4, 20; Lucas 3, 8–9; 6, 43–44; 8, 14–15;13, 6–7.9; João 4, 36; 12, 24; 15, 2.4–5.8.16.

45. Mateus 6, 20. Cf. Mateus 19, 21; Marcos 10, 21; Lucas 12, 33; 18, 22. Efésios 2, 9.

46. Romanos 11, 35. Cf. Jó 35, 7; 41, 11.

47. Cf. Romanos 2, 17.23; 3, 27; 4, 2; 11, 18; 1 Coríntios 1, 29.31; 3, 21; 4, 7; 5, 6; 2 Coríntios 10, 17; Efésios 2, 9.

48. Como veremos em 1 Coríntios 3, 12–17, as almas no purgatório são tanto punidas (por meio da purificação) quanto recompensadas (com a salvação).

49. Uma visão é uma infusão de conhecimento na compreensão de uma pessoa para que ela possa compreender um mistério. Uma aparição é um fenômeno objetivo dado por Deus que tem um objeto exterior. Muitos santos receberam visões e aparições do purgatório.

50. Para ler sobre revelações privadas do purgatório, recomendo “Purgatório — Explicado pelas Vidas e Lendas dos Santos” [Purgatory — Explained by the Lives and Legends of the Saints], do Pe. F.X. Schouppe, S.J. (TAN Books).

51. Muitos teólogos, incluindo Aquino, ensinam que Deus designa certas almas um lugar especial de purificação na terra, onde às vezes aparecem para instruir os vivos ou pedir orações para diminuir seus castigos. Isso pode ser a causa de aparições que as pessoas testemunham e são relatadas pela imprensa de tempos em tempos.

52. Este trecho foi interpretado como uma referência ao purgatório no Martírio de Perpétua e Felicidade e nos escritos de Tertuliano.

53. É plausível concluir que o inferno inclui ou de alguma forma está ligado ao purgatório, ao limbo dos Pais e ao limbo dos bebês (se tal lugar existir). Assim como o lugar dos condenados, todos esses lugares são desprovidos da Visão Beatífica, embora a maneira da existência da alma (felicidade ou tristeza) varie muito.

54. A Mãe de Deus apareceu às crianças seis vezes entre 13 de maio e 13 de outubro de 1917. Durante essas aparições, Nossa Senhora afirmou a doutrina do purgatório, juntamente com outras doutrinas centrais da Fé Católica, e pediu que o Papa, junto com os bispos, consagrasse a Rússia ao seu Imaculado Coração. Deus autenticou essas revelações em 13 de outubro de 1917 com o “Milagre do Sol”. Neste milagre, testemunhado por 70.000 pessoas, o sol girou em torno, emitindo luzes brilhantes que não eram prejudiciais aos olhos humanos, e depois mergulhou na terra antes de retornar à sua órbita normal. Desde 1930, a Igreja Católica reconheceu oficialmente as revelações de Fátima.

55. Rom 7, 5.18.25; 8, 3–9.12–13; 9, 8; 1 Cor 3, 1.3; 15, 50; Gal 3, 3; 5, 13.16–17; 19, 24; 6, 8,12–13; Ef 2, 3; Col 2, 23.

56. O texto em Mt 13, 40 usa o advérbio grego houtos, que significa “da mesma maneira”. Isso significa que as almas dos amaldiçoados queimarão da mesma forma que as ervas daninhas do campo. A única diferença é que as almas amaldiçoadas “queimarão com fogo inextinguível” (Mt 3, 12). No terceiro capítulo deste livro, veremos outra aplicação crítica de houtos encontrada em 1 Cor 3, 15.

57. Jó 24, 19 (DR). Veja também Sl 65, 10.12.

58. Ez 7, 19–20. Veja também Is 27, 7–8; 28, 17.

59. Muitos mantiveram essa posição, incluindo Agostinho, Gregório, Crisóstomo, Beda, Anselmo, Bernardo, Aquino e Belarmino.

60. Cf. Heb 12, 6

61. Por exemplo, Catarina de Gênova disse que Deus sobrecarrega as Almas Santas com tanto amor que as aniquilaria se não fossem imortais. Magdalena de Pazzi, ao testemunhar seu irmão sofrendo no purgatório, também observou sua grande felicidade e satisfação. Stanislaus de Cracóvia aprendeu de uma alma que ressuscitou dos mortos que a alma preferia voltar aos tormentos do purgatório do que arriscar perder a alma permanecendo nesta vida. Catarina de Ricci, a quem Deus permitiu sofrer punições purgatoriais por um certo príncipe, relatou que suportamos os excessos do purgatório com grande paz e amor. Brigida da Suécia e muitos outros santos também revelam que a Virgem Maria e os anjos mitigam os castigos do purgatório.

62. Alguns teólogos se referem a esse período transitório como “aeviternidade”, que é compreendida como a média entre o tempo e a eternidade.

63. 13 de maio de 1917.

64. Cf. Mt 22, 37; Mc 12, 30; Lc 10, 27.


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