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  • Jefferson Santos

Primeira Parte: A Virgem Maria dos Pais Apostólicos até o fim da Era Pré-Nicena




Prólogo 

Este é o período mais diretamente influenciado pela pregação apostólica. Em estilo e conteúdo, assemelha-se de perto ao Novo Testamento. Consequentemente, como as Sagradas Escrituras fazem apenas declarações raras e breves sobre a Mãe de Jesus, o mesmo ocorre nos escritos cristãos deste período. No entanto, alusões à santa Virgem são frequentemente inseridas no contexto de uma profissão de fé, de modo que aparecem como testemunhos claros e explícitos da fé da Igreja e da doutrina tradicional naquele tempo.


Aqui é útil lembrar que a teologia cristã começou a se expressar na Cristologia; mais precisamente, com a preocupação da Igreja primitiva em formular uma definição cérigmática da pessoa do Senhor e de sua missão terrena. Inicialmente, a Igreja concentrou seu ensinamento cristológico no mistério da Ressurreição do Senhor. No entanto, bastante cedo, a Igreja também voltou sua atenção para os eventos do nascimento de Jesus. Embora isso aconteça inicialmente apenas em certa medida, devemos reconhecer que a Igreja estava menos interessada nas modalidades históricas do nascimento de Cristo do que no mistério de sua Encarnação, que foi um dos principais objetivos do cérigma apostólico desde o início. Os cristãos antigos tinham sem dúvida a origem divina da pessoa de Cristo e sua humanidade perfeita; mas também sustentavam que suas ações seriam incompreensíveis se reduzidas a um esquema de categorias puramente humanas.


A primeira preocupação cristológica da Igreja foi a questão das relações entre a natureza humana de Cristo e sua natureza divina, e entre Cristo, como Filho, e seu Pai. Duas tentativas de solução, diametralmente opostas uma à outra, mas ambas negando os dados da revelação, surgiram muito cedo no horizonte do pensamento teológico. A seita dos Ebionitas, originada como um grupo de cristãos judeus, negava tanto a divindade de Jesus quanto seu nascimento virginal, considerando-o o mero filho natural de José e Maria. Os Ebionitas, no entanto, o aceitavam como Messias e aguardavam seu retorno em glória. A solução oposta, a dos Docetas, negava a humanidade de Cristo, reduzindo-a a mera aparência. Os Docetas eram um grupo específico dentro do movimento religioso e cultural conhecido como Gnosticismo. Os Gnósticos ensinavam que Jesus não tinha um corpo real; que era apenas em aparência que ele se mostrava na carne, sofria e morria na cruz. Ele era um ser completamente espiritual e, portanto, seu nascimento de Maria também não era real. Ele passou por ela, sem tirar nada de sua carne.


Essas primeiras heresias cristológicas deram aos primeiros Padres da Igreja a ocasião de afirmar com vigor a verdade sobre Jesus. Em vez de usar argumentos teológicos, eles reapresentam, em um estilo tipicamente evangélico, a mensagem que Cristo anunciou sobre si mesmo. É essa doutrina que constitui o kerygma apostólico primitivo, no qual as seguintes declarações cristológicas podem ser reconhecidas: Jesus nasceu da Virgem Maria pelo poder do Espírito Santo; ele morreu e ressuscitou; ele foi glorificado à direita do Pai; ele voltará no final dos tempos.¹ Observamos, então, como o nascimento virginal de Jesus por Maria fazia parte do kerygma central do cristianismo primitivo. Por outro lado, isso confirma que, nos primeiros séculos, a Igreja não conhecia nenhuma doutrina mariológica separada da doutrina cristológica.² O papel de Maria é apresentado como estritamente ligado à pessoa de seu Filho.


1. OS PAIS APOSTÓLICOS 

No início da tradição da Igreja, encontramos alguns escritores chamados “Pais Apostólicos”. Aparentemente, esses homens estavam pessoalmente familiarizados com os apóstolos. Apenas alguns dos Pais Apostólicos e suas obras nos são conhecidos: Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Clemente de Roma, Papias de Hierápolis, o Pastor de Hermas, a Carta de Barnabé, a Carta a Diogneto e a Didaquê. O período em que esses autores viveram corresponde à disseminação inicial do evangelho no mundo greco-romano. Enquanto a religião cristã demonstrava quão eficaz e poderosa poderia ser, ela também sentia a necessidade urgente de se defender das numerosas correntes religiosas e filosóficas da época, que ameaçavam esvaziar o cristianismo de seu conteúdo e valores transcendentais. Em um ambiente permeado pelo ecletismo e pelo gnosticismo, a necessidade de anunciar o Senhor como verdadeiro Deus e verdadeiro homem levou os pregadores a formular um evangelho centrado no mistério da Encarnação do Filho de Deus.


Nesse contexto, talvez devêssemos esperar encontrar frequentemente o nome da Mãe Virgem; no entanto, se abordarmos o problema puramente em termos de quantidade, nos enganamos: o nome de Maria raramente aparece nos escritos dos Padres Apostólicos. Isso se assemelha à situação das Escrituras, onde a figura de Maria permanece, por vezes, em uma espécie de claro-escuro.¹ No Antigo Testamento, Maria aparece de forma velada, em profecias enigmáticas que significam coisas diferentes simultaneamente. No Novo Testamento, ela está silenciosamente presente nas chamadas “narrativas da infância”; ela se retrai para a obscuridade durante os anos da vida pública de Jesus; ela reaparece brevemente sob a cruz de seu Filho; sua presença na comunidade cristã de Jerusalém é apenas mencionada nos Atos dos Apóstolos; ela acaba se misturando com a figura da Igreja na visão do Apocalipse. Da mesma forma, nos escritos dos Padres Apostólicos, o silêncio sobre a pessoa e a vida de Maria parece ser uma regra constantemente observada. E não é difícil isolar as razões, sendo as mais óbvias de natureza pastoral.


Quase todas as religiões helenísticas daquela época se vangloriavam de alguma divindade feminina que tinha uma influência considerável sobre os fiéis. Dessa forma, podemos entender a disseminação de um culto dedicado a uma espécie de deusa-mãe que recebia diferentes nomes, de acordo com os lugares onde era honrada e as diferentes religiões praticadas lá: para os romanos, era Magna Mater; para os frígios, Cibele; para os palestinos, Astarte; para os egípcios, Ísis; para os efésios, Diana. Outras ainda podiam ser encontradas em religiões fora do mundo greco-romano.


Ao anunciar o evangelho a pessoas cuja mentalidade estava condicionada pela crença em um culto desse tipo de divindade feminina, havia o risco de que enfatizar a figura de Maria poderia provocar interpretações ambíguas ou até mesmo errôneas de sua pessoa e de seu papel em relação a Cristo. Por isso, a Igreja daquele tempo preferiu não torná-la um dos temas habituais de sua pregação evangélica.


Mas talvez esta não seja a única razão. Pode também haver uma explicação de natureza “mística” para o silêncio da Escritura e dos antigos Padres sobre Maria. O silêncio faz parte do mistério de Deus. Inácio de Antioquia afirmava que Cristo mesmo “saiu do silêncio”² e que “até mesmo as coisas que ele fez em silêncio são dignas do Pai”.³ E ele acrescenta: “Quem compreende as palavras de Jesus é capaz de ouvir também o seu silêncio”.⁴ Podemos aplicar essa explicação arcania ao silêncio da Igreja primitiva sobre a santa Virgem. De fato, ao falar do bispo de Filadélfia, Inácio faz a distinção significativa: “Ele realiza mais com seu silêncio do que outros que falam em vão”.⁵


Aparentemente, a Igreja primitiva permaneceu fiel a esse princípio ignaciano. As poucas referências a Maria nos escritos dos primeiros Padres revelam uma capacidade de enfatizar sua misteriosa presença materna na fé e na vida dos primeiros cristãos: uma presença tornada ainda mais intensa e intrigante pelo silêncio.


Inácio de Antioquia 

A tradição apresenta Inácio como um personagem extraordinário, dotado de uma personalidade rica e fascinante e de uma fé avassaladora. Ele era apaixonadamente devoto de Cristo. Segundo sucessor de Pedro na sé episcopal de Antioquia, na Síria, ele foi preso durante uma perseguição iniciada naquela província por volta do final do primeiro século. Foi levado a Roma sob a escolta de dez soldados a quem chamou de “leopardos”, aparentemente devido ao tratamento feroz que reservavam a ele. Durante a longa e dolorosa jornada até a capital, onde seria lançado às chamas na arena, Inácio escreveu sete belas cartas para várias comunidades cristãs. Essas cartas permanecem entre os documentos mais preciosos e fascinantes do cristianismo primitivo.⁶ Sua carta à Igreja de Roma é famosa; suas palavras despertam admiração e emoção ao suplicar aos cristãos que não usem seus bons ofícios para salvá-lo do martírio: 

Estou escrevendo a todas as Igrejas para dizer a todas que morro de bom grado por Deus, contanto que vocês não me impeçam. Suplico que não me mostrem bondade fora de hora. Permitam-me tornar-me alimento das feras selvagens, pois por meio delas alcançarei Deus. Sou trigo de Deus; deixem-me ser moído pelos dentes das feras selvagens, para que eu seja encontrado como o pão puro de Cristo. Melhor ainda, atraiam as feras selvagens para se tornarem meu túmulo e não deixarem nenhuma parte do meu corpo para trás. Então, quando eu estiver morto, não serei mais um fardo para ninguém. Somente então serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo, quando o mundo não verá nem mesmo meu corpo. Roguem a Cristo em meu nome para que, por meio desses instrumentos, eu me torne [sacrifício de Deus].⁷

No que diz respeito a Maria, parece que Inácio foi fiel às suas convicções sobre o valor místico do silêncio. Suas referências a Maria são raras e breves; no entanto, testemunham um fato extremamente significativo: o mistério do nascimento de Jesus da Virgem Maria havia entrado na tradição litúrgica mais antiga da Igreja. De fato, ele transmite algumas das profissões de fé cristãs mais antigas, que sem dúvida eram usadas em celebrações litúrgicas, especialmente durante o rito do batismo, e nas quais há uma menção explícita à Virgem. Nestes textos, breves mas incisivos e cheios de vigor, Maria é apresentada como Mãe de Cristo de acordo com sua natureza humana, assim como o Pai celestial é seu Pai de acordo com sua natureza divina.⁸ A maternidade de Maria torna-se parte do plano de salvação de Deus e é o fruto da intervenção do Espírito Santo.⁹ Para os cristãos de Tralles, Inácio apresenta Maria como a mulher que inseriu Cristo na linhagem dos descendentes de Davi e, assim, como o instrumento para a realização das profecias messiânicas.¹⁰ Em outro trecho, Maria é apontada como a pessoa que garante a realidade da natureza humana do Salvador: ele nasceu dela da mesma forma que todo filho nasce de sua própria mãe.¹¹


A partir das declarações de Inácio, fica claro quão importante os cristãos antigos consideravam expressar sua fé em Deus feito carne mencionando explicitamente seu nascimento da Virgem; e não parece difícil entender sua motivação. Entre as ameaças contra a Igreja, o Docetismo era especialmente perigoso. Negava a realidade da Encarnação: Cristo não era um verdadeiro homem, mas uma espécie de fantasma humano. Inácio parece contestar essa heresia quando insiste que Jesus nasceu verdadeiramente de Maria, testemunhando a fé da Igreja na realidade da Encarnação e, consequentemente, no valor da ação redentora de Cristo. Maria, então, gerou verdadeiramente a carne de Cristo; ela realmente o carregou em seu útero virginal, e seu nascimento é o resultado maravilhoso da ação direta do Espírito Santo. Este é o plano de salvação de Deus, que Inácio chama de “economia”, termo que mais tarde se tornou rotineiro na tradição cristã.


Em sua carta aos Efésios, Inácio destaca três mistérios que, no plano de Deus, precisavam ser mantidos ocultos do príncipe deste mundo, ou seja, do diabo: a virgindade de Maria, o nascimento virginal do Filho de Deus e sua morte na cruz.¹² Mas Inácio não explica por que ou como esses mistérios precisavam permanecer ocultos do diabo. Outros Padres, após Inácio, explicaram que o casamento de Maria com José era o meio de ocultar esses três mistérios do diabo. Deus se abstém de revelá-los solenemente até a gloriosa manifestação do Senhor Jesus em sua Ressurreição.


O testemunho mariano de Inácio de Antioquia, embora extremamente sucinto, tem grande valor. Ele ecoa a mensagem do evangelho; refere-se às profissões de fé mais antigas da Igreja; e vem de um homem que, como bispo, era considerado investido de autoridade docente.


LEITURAS

PROFISSÕES DE FÉ IGNACIANOS

Só há um Médico, tendo tanto carne quanto espírito, nascido e não nascido, Deus feito homem, verdadeira vida na morte, de Maria e de Deus, primeiro passível e depois impassível — Jesus Cristo, nosso Senhor. — Inácio de Antioquia, To the Ephesians 7, 2
Pois nosso Deus Jesus Cristo, de acordo com a economia de Deus, foi concebido por Maria da semente de Davi (cf. João 7:42; Romanos 3:27), mas também pelo Espírito Santo. Ele nasceu e foi batizado, para que por sua Paixão purificasse a água. — Inácio de Antioquia, To the Ephesians 18, 2
Fechem os ouvidos, portanto, quando alguém lhes falar de qualquer coisa que não seja Jesus Cristo, descendente de Davi e filho de Maria, que realmente nasceu, comeu e bebeu; que foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos, verdadeiramente crucificado e morto, à vista de [seres nos] céus, na terra e sob a terra; que também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, seu Pai o ressuscitando — este mesmo Pai que também nos ressuscitará, que cremos nele, por meio de Jesus Cristo, fora de quem não temos verdadeira vida. — Inácio de Antioquia, To the Trallians 9, 1–2
[O Senhor] é verdadeiramente descendente de Davi segundo a carne (Romanos 1:3, 4), e o Filho de Deus pela vontade e poder de Deus; ele foi verdadeiramente nascido de uma virgem e batizado por João para cumprir todos os mandamentos (Mateus 3:15). Sob Pôncio Pilatos e Herodes, o tetrarca, ele foi verdadeira e realmente pregado [na cruz] na carne por nossa causa. — Inácio de Antioquia, To the Smyrnaeans 1, 1

1.2. OS APÓCRIFOS DO NOVO TESTAMENTO 

Em cada era, almas religiosas ansiaram conhecer Jesus e os outros personagens importantes na história de nossa salvação. A Virgem Maria sempre teve um lugar privilegiado nesse tipo de curiosidade compreensível e legítima. O silêncio dos escritos do Novo Testamento e dos Padres Apostólicos sobre sua pessoa deixou uma lacuna de conhecimento que os cristãos têm tentado preencher desde os primeiros séculos. Em resposta a essa necessidade, os chamados apócrifos do Novo Testamento proliferaram — obras que, com suas narrativas às vezes fantásticas e pitorescas, exageraram para compensar a informação extremamente escassa nos livros inspirados da Escritura. 


Alguns desses escritos datam dos primeiros tempos cristãos. Eles não podem ser considerados testemunhas do ensino oficial da Igreja, mas podem pelo menos servir para dar uma certa ideia dos interesses religiosos e da piedade mariana de sua época e das perguntas que os fiéis faziam sobre a Mãe do Senhor. Esses escritos destacam sua presença misteriosa e papel importante na obra divina da salvação, que se perpetua no tempo da Igreja. 


Os autores anônimos dos escritos apócrifos, portanto, não buscam objetivos de caráter dogmático ou apologético, mas oferecem algum alimento à fé e devoção do povo cristão.¹


A lista de apócrifos conhecidos que lidam mais ou menos predominantemente com a santa Virgem é bastante extensa. Alguns são de origem judaico-cristã, como a Ascensão de Isaías, o documento mais antigo que destaca a virgindade de Maria in partu,² e os Odes de Salomão, cujo texto dedicado à Virgem, na décima nona ode, contém algumas declarações muito enigmáticas.³ Outros compõem a categoria dos chamados apócrifos da natividade e infância de Jesus. Outros ainda dão uma narrativa extensa da Paixão e Ressurreição de Jesus, com referências extensas à sua Mãe. Há também a série dos chamados “atos”, geralmente atribuídos a algum apóstolo, e a série de “apocalipses”. Entre os apócrifos escritos em copta, encontramos dois que falam extensamente de Maria: o Evangelho de Filipe⁴ e o Evangelho de Tomé.⁵ Os autores anônimos desses escritos nem sempre distinguem entre fatos históricos reais e exagerações imaginativas ou toques de conto de fadas. Orígenes sugere um critério útil para avaliar esse tipo de literatura: 

Não estamos cientes de que muitos desses escritos secretos foram produzidos por homens maus, famosos por sua iniquidade. . . . Devemos, portanto, ter cautela ao aceitar todos esses escritos secretos que circulam sob o nome dos santos. . . porque alguns deles foram escritos para destruir a verdade de nossa Escritura e impor um ensino falso. Por outro lado, não devemos rejeitar totalmente escritos que possam ser úteis para esclarecer a Escritura. É sinal de um grande homem ouvir e seguir o conselho da Escritura: “Examinai tudo; retende o bem” (1 Ts 5, 21).⁶

Esse critério de senso comum e equilíbrio nos permite recuperar informações preciosas de um corpus literário que, do ponto de vista de seu valor religioso e histórico, é tão copioso e ao mesmo tempo bastante variado. 


O Protoevangelho de Tiago 

Esta obra pertence ao grupo de narrativas da infância e histórias da vida de Maria, desde seu nascimento até o nascimento de Jesus. O título original era “O Nascimento de Maria”, mas o título pelo qual é universalmente conhecido e citado é o Protoevangelho de Tiago, pois é atribuído ao apóstolo Tiago, o Menor. O manuscrito mais antigo está contido no Papiro Bodmer V.7 O bolandista Emile de Strycker, comparando este texto com outros manuscritos gregos, as edições síria e armênia e a antiga edição de Tischendorf,⁸ nos forneceu uma excelente edição crítica.⁹


Provavelmente foi escrito por volta do meio do segundo século. Seu autor deve ter sido um não-judeu ou, no máximo, um judeu que vivia fora da Palestina, pois parece possuir um conhecimento limitado da geografia palestina e dos costumes judaicos. Apesar dos limites e deficiências que uma obra desse gênero apresenta, devemos reconhecer que ela exerceu um encanto inegável sobre a mentalidade cristã dos primeiros séculos e que condicionou profundamente a liturgia cristã, a pregação, a devoção popular e a arte. Possui um valor mínimo do ponto de vista teológico; no entanto, devido ao seu caráter popular e distribuição extraordinariamente ampla, até mesmo os Padres da Igreja se referiam a ela, especialmente ao escreverem e falarem para o povo. Apesar de seu valor teológico mínimo, podemos reconhecer que o Protoevangelho tem grande valor devido à sua antiguidade.¹⁰


A Virgem é apresentada como tendo sido uma criança extraordinária desde o início de sua vida, predestinada a grandes coisas. Isso segue uma estrutura bíblica bem conhecida que, entre outras coisas, tipicamente teria um nascimento ocorrendo dentro de uma série de eventos paranormais, marcados por uma intervenção direta por parte de Deus. É aqui que os nomes dos pais da Virgem são dados pela primeira vez. Eles são chamados Joaquim e Ana, um casal rico, não necessariamente idoso, mas afligido pelo problema da esterilidade, o que os levou a se voltar para o Senhor com súplicas insistentes e angustiadas. Um dia, finalmente, suas orações foram ouvidas. 


Obviamente, a trama é estereotipada, assim como seu propósito, que é preparar o terreno para uma intervenção divina extraordinária. Isso ilustra como o Senhor é receptivo àqueles que rezam com fé e perseverança e à missão excepcional para a qual ele chama sua criatura que nasce em meio a circunstâncias tão extraordinárias. Há até mesmo um anjo do Senhor para anunciar o evento abençoado. Os anjos se apresentam separadamente aos dois cônjuges e trazem-lhes uma proclamação alegre: 

Ana, Ana! O Senhor ouviu sua oração: você conceberá e dará à luz, e sua descendência será mencionada em todo o mundo (4:1). . . . 
Joaquim, Joaquim! O Senhor ouviu sua oração. Desça daqui; eis que sua esposa Ana conceberá (4:2).¹¹

Parece que o nascimento ligeiramente prematuro do bebê (no sétimo mês) também destaca o caráter excepcional de sua vida futura. Ela recebeu o nome de Maria e logo se tornou o objeto de cuidado incomum e atenção por parte de seus dois felizes pais. 


Uma espécie de apresentação oficial do bebê ao povo de Israel aconteceu quando ela completou um ano de idade. Durante um banquete solene, para o qual os sacerdotes, os escribas, os anciãos e todo o povo foram convidados, o sumo sacerdote pronunciou uma bênção portentosa: 

Ó Deus de nossos pais, abençoa esta criança e dá-lhe um nome eternamente renomado entre todas as gerações. . . . Olhe para esta criança e a abençoe com uma bênção suprema que não pode ser superada (6:2).¹²

Ana não sabe como esconder sua alegria e irrompe em um cântico de louvor ao Senhor que ecoa de perto cânticos semelhantes no Antigo Testamento: 

Cantarei louvores ao Senhor meu Deus, 
pois ele me visitou e removeu de mim 
a reprovação dos meus inimigos. 
E o Senhor me deu o fruto de sua justiça, 
único, mas multifacetado diante dele. 
Quem proclamará aos filhos de Rúben 
que Ana amamenta? 
Ouçam, ouçam, vocês doze tribos de Israel: 
Ana amamenta (6:3).¹³

Aos três anos de idade, Maria é apresentada no Templo, cumprindo a promessa feita por seus pais. Uma multidão de jovens a acompanha com lâmpadas acesas; ela é recebida pelo sumo sacerdote, que, depois de abraçá-la, pronuncia sobre ela palavras proféticas: 

O Senhor magnificou seu nome entre todas as gerações; por sua causa, o Senhor, no final dos dias, revelará sua redenção aos filhos de Israel (7:2).¹⁴

Quando Maria completou doze anos, os sacerdotes do Templo se depararam com o problema de encontrar um novo lugar para ela morar, pois o início da puberdade na mulher, com seu consequente fenômeno de menstruação, trazia consigo períodos oficiais de impureza legal, conforme definido nas Escrituras (cf. Lev 15,19 e seguintes). Durante esses tempos, portanto, a presença de Maria no Templo seria inaceitável. Foi o anjo do Senhor quem indicou a solução adequada ao sumo sacerdote Zacarias, futuro pai de João Batista. Maria seria confiada à custódia de um marido. Para isso, Zacarias convocou todos os viúvos de Israel, ordenando que cada um deles trouxesse uma vara; Deus revelaria sua vontade por meio de um sinal. José estava lá entre os viúvos. Zacarias recolheu as varas e entrou no santuário para rezar. Quando voltou, devolveu cada vara ao seu dono. Enquanto nada aconteceu com todas as outras varas, uma pomba voou da vara de José e pousou em sua cabeça. Diante disso, o sumo sacerdote o proclamou o escolhido do Senhor: 

Você foi escolhido por sorteio para receber a Virgem do Senhor como sua pupila (9:1).¹⁵

José quis se desculpar por essa tarefa, pois era idoso e já era pai. Ele temia se tornar motivo de riso para o povo se levasse uma esposa tão jovem para sua casa. No entanto, depois de ter sido severamente admoestado pelo sumo sacerdote Zacarias, resignou-se à vontade de Deus. Primeiro ele levou Maria para sua casa; depois, despediu-se dela: 

Eu te recebi do templo do Senhor e agora te deixo em minha casa e vou embora para construir meus edifícios. Voltarei para você; o Senhor te guardará (9:3).¹⁶

Durante a ausência de José, ocorreu o grande evento. Um dia, Maria estava prestes a sair para buscar água quando ouviu uma voz: 

Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo; bendita és tu entre as mulheres (11:1).¹⁷

Maria olhou ao redor, profundamente surpresa, mas não viu ninguém. Somente quando entrou em sua casa descobriu um anjo, que continuou dizendo: 

Não temas, Maria; pois encontraste graça diante do Senhor de todas as coisas e conceberás por Sua Palavra (11:2).¹⁸ 
A Virgem não entendeu e perguntou: 
Conceberei pelo Senhor, o Deus vivo, e darei à luz como toda mulher dá à luz? (11:2).¹⁹

A reação de Maria é muito humana. O autor anônimo do Protoevangelho não parece inclinado a atribuir a ela um conhecimento claro e total do mistério da salvação no primeiro momento de seu envolvimento. E assim o anjo tem que definir as coisas mais claramente para ela: 

Não será assim, Maria; pois o poder do Senhor te envolverá; por isso, aquele santo que de ti nascer será chamado Filho do Altíssimo. E o chamarás Jesus; pois ele salvará seu povo de seus pecados (11:3).²⁰

Então Maria dá seu consentimento: 

Eis a serva do Senhor diante Dele; faça-se em mim segundo a tua palavra (11:3).²¹

Embora a descrição do anúncio do anjo claramente percorra os passos do relato no Evangelho de Lucas, o autor apócrifo se afasta estranhamente do relato de Lucas sobre a visita de Maria a Isabel. Após Isabel dirigir sua elegia a Maria, o autor afirma que Maria havia esquecido os mistérios sobre os quais o anjo havia falado a ela, de modo que sua reação às palavras de Isabel foi de completa surpresa: 

Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações da terra me considerem abençoada? (12:2).²²

A Virgem ficou com sua prima por três meses; depois, ao ver sua barriga crescendo, decidiu voltar para sua casa, onde se escondeu com medo. Neste ponto, o autor afirma que Maria tinha dezesseis anos; ele parece ter pulado um longo tempo, desde o dia em que ela foi viver com José como sua esposa até o momento em que concebeu o Filho de Deus.


No sexto mês de sua gravidez, José finalmente voltou para casa e descobriu sua condição. O evangelho apócrifo descreve sua reação inicial decididamente histérica (cf. 13:1). Mas ele logo se recupera e interroga sua esposa com um ar de amargo reproche. Maria protesta sua completa inocência, mas não sabe como explicar sua gravidez. O evangelho apócrifo a apresenta como totalmente ignorante do mistério, como se nunca tivesse recebido qualquer mensagem do anjo. Mais uma vez, caberá ao anjo revelar a verdade da situação e libertar José de suas angustiantes dúvidas.


Neste ponto, a visita repentina da escriba Ana complica as coisas. Tendo ouvido falar que Maria estava grávida, ela foi aos sacerdotes denunciar o casal, acusando-os de terem consumado o casamento de maneira clandestina e ilegal. Apesar das protestações de inocência de Maria e José, os dois foram submetidos ao teste das águas amargas, prescrito pela lei para tais casos (cf. Num 5, 11–13). Eles tiveram que beber água misturada com poeira, que, no caso de culpa, teria causado sintomas físicos e levado à punição. Mas como nada aconteceu a Maria e José, foram absolvidos e liberados.


Quando o imperador Augusto promulgou seu édito, José levou seus filhos e sua esposa grávida e partiu para Belém para ser registrado no censo. Durante a jornada, Maria deu à luz seu Filho em uma caverna, em meio a estranhas maravilhas, descritas com abundância de detalhes no texto. Em seguida, segue-se o relato da visita dos Magos, o massacre dos bebês em Belém, o martírio do sumo sacerdote Zacarias e a eleição de seu sucessor, Simeão.


Para entender e avaliar um texto “fabuloso” como o Protoevangelho de Tiago, é necessário ter em mente que seu principal objetivo é demonstrar a concepção virginal de Jesus e a virgindade de Maria antes e durante o parto de Jesus. É nessa perspectiva que certos fatos curiosos introduzidos no relato precisam ser compreendidos. O teste das águas amargas confirma a virgindade de Maria antes do parto. A ausência de dores de parto e os exames às vezes crudamente realistas realizados pela parteira e por uma mulher chamada Salomé, que foi então punida por sua descrença,²³ confirmam a virgindade de Maria no ato de dar à luz. Ao mesmo tempo, o realismo com o qual o nascimento do Senhor é descrito leva a crer que o evangelho apócrifo visa combater o erro do docetismo gnóstico, que considerava o corpo de Cristo como uma mera aparência ou fantasma.


Obviamente, obras como o Protoevangelho não podem reivindicar o selo de inspiração divina. No entanto, de alguma forma, elas ajudaram as primeiras gerações de cristãos a intuir a verdade de certos mistérios cuja formulação dogmática se tornaria cada vez mais clara à luz da revelação divina.


Esses escritos também traçaram um itinerário pelo qual o povo crente procurava se aproximar do insondável mistério de uma mãe virgem. Tal objetivo árduo pode justificar um texto no qual elementos variados e, às vezes, contraditórios são misturados, “onde a busca pela edificação se mistura à poesia; onde o gosto pelo miraculoso se une a uma certa falta de gosto”.²⁴ O autor do Protoevangelho, como um coletor de diferentes histórias e tradições, pode ser considerado uma testemunha muito precoce e bastante válida da fé do povo cristão na completa santidade e virgindade da Mãe do Senhor.²⁵


LEITURA 

O NASCIMENTO VIRGINAL DE ACORDO COM O “PROTOEVANGELHO DE TIAGO” 

(19:1) E eis que uma mulher desceu do monte e me disse: “Homem, para onde você está indo?” E eu disse: “Estou procurando uma parteira hebraica”. E ela me respondeu: “Você é de Israel?” E eu disse a ela: “Sim”. E ela disse: “E quem é aquela que dá à luz na caverna?” E eu disse: “Minha prometida.” E ela me disse: “Ela não é sua esposa?” E eu disse a ela: “Ela é Maria, que foi criada no templo do Senhor, e a recebi por sorte como minha esposa, e ela ainda não é minha esposa, mas concebeu pelo Espírito Santo.” E a parteira disse a ele: “Isso é verdade?” E José disse a ela: “Venha e veja.” E ela foi com ele. 
(19:2) E pararam na entrada da caverna, e eis que uma nuvem brilhante cobriu a caverna. E a parteira disse: “Minha alma é engrandecida hoje, pois meus olhos viram coisas maravilhosas; pois a salvação nasceu para Israel.” E imediatamente a nuvem desapareceu da caverna e uma grande luz apareceu, de modo que nossos olhos não puderam suportar. Pouco tempo depois, essa luz se retirou até que o bebê apareceu, e ele veio e pegou o peito de sua mãe Maria. E a parteira gritou: “Este dia é grande para mim, porque vi esta nova visão.” 
(19:3) E a parteira saiu da caverna, e Salomé a encontrou. E ela disse a ela: “Salomé, Salomé, eu tenho uma nova visão para contar; uma virgem deu à luz, uma coisa que sua condição não permite.” E Salomé disse: “Pela vida do Senhor meu Deus, a menos que eu insira meu dedo e teste sua condição, não acreditarei que uma virgem deu à luz.” 
(20:1) E a parteira entrou e disse a Maria: “Prepare-se, pois há uma grande contenda sobre você.” E Salomé inseriu seu dedo para testar sua condição. E ela gritou, dizendo: “Ai da minha maldade e incredulidade; pois tentei o Deus vivo, e eis que minha mão se afasta de mim, consumida pelo fogo!” 
(20:2) E ela se ajoelhou diante do Senhor, dizendo: “Ó Deus de meus pais, lembra-te de mim; pois sou a descendência de Abraão, Isaque e Jacó; não me faças objeto de zombaria para os filhos de Israel, mas restaura-me aos pobres. Pois tu sabes, Senhor, que em teu nome eu executo minhas funções e de ti recebi meu salário.” (20:3) E eis que um anjo do Senhor apareceu e disse a ela: “Salomé, Salomé, o Senhor Deus ouviu tua oração. Aproxima tua mão da criança e toca-o, e a salvação e a alegria serão tuas.” 
(20:4) E Salomé se aproximou e tocou nele, dizendo: “Eu o adorarei, pois um grande rei nasceu para Israel.” E Salomé foi curada conforme ela havia pedido, e ela saiu da caverna. E eis que um anjo do Senhor clamou: “Salomé, Salomé, não relata as maravilhas que viste, até que a criança tenha chegado a Jerusalém.” — The Protoevangelium of James, in Elliott, Apocryphal New Testament, pp. 64–65

1.3. OS APOLOGISTAS DO SEGUNDO SÉCULO

De maneira geral, as obras dos Padres Apostólicos foram escritas para proclamar ou defender a fé e a moral cristã dentro da comunidade cristã. Os apologistas do segundo século fizeram a primeira tentativa de abertura e alcance ao mundo exterior, especialmente aos mundos pagão e judeu, que haviam adotado uma atitude hostil em relação ao cristianismo. Consequentemente, os escritos desses autores cristãos assumiram um tom apologético e polêmico, mas seu conteúdo geralmente se mostra firmemente fundamentado nas Escrituras. Apesar do caráter improvisado de sua terminologia e método, esses escritos poderiam ser considerados as primeiras tentativas de uma espécie de reflexão teológica. Em sua maioria, seu estilo segue as regras da dialética e retórica grega.¹


Dois desses autores, Aristides e Justino, são geralmente mencionados em relação à Mariologia. 

O filósofo grego e apologista Aristides era provavelmente de Atenas. Ele viveu na primeira metade do segundo século e escreveu uma Apologia, mencionada tanto por Eusébio de Cesareia² quanto por Jerônimo.³ Após a publicação de um fragmento da tradução armênia e da versão síria completa (em 1878 e 1889, respectivamente), Armitage Robinson conseguiu identificar que o texto grego original havia sido parcialmente inserido na Vida de Balaão e Josafá, publicada por Migne entre as obras espúrias de São João Damasceno.⁴ Na versão síria, encontramos um trecho em que Maria é chamada de “virgem hebraica” e “filha do homem”:

Os cristãos calculam o início de sua religião a partir de Jesus Cristo, que é chamado Filho do Deus Altíssimo; tendo descido do céu, ele tomou carne de uma virgem hebraica e se revestiu dela, de modo que o Filho de Deus habitou dentro de uma filha dos homens.

Aristides afirma explicitamente a natureza virginal da maternidade de Maria, enquanto sua maternidade divina aparece como uma consequência implícita da divindade de seu Filho. Neste contexto polêmico, esse trecho tem como objetivo afirmar que o nascimento virginal de Cristo e os outros eventos maravilhosos de sua vida são totalmente diferentes das histórias mitológicas da religião pagã. A figura da Virgem Maria aparece quase como um desafio às numerosas deusas pagãs, criadas pela imaginação humana e imoralidade. Em contraste, o papel desempenhado por Maria foi possibilitado pela intervenção milagrosa do Espírito Santo. O apologista contrasta a fé cristã com as fantasias pagãs.


Justino Mártir

Nascido na Palestina entre 100 e 110, Justino começou a estudar filosofia ainda jovem. Ele seguiu as diferentes escolas filosóficas de seu tempo; primeiro foi estoico, depois peripatético, depois pitagórico e finalmente platônico. Em sua busca apaixonada pela verdade, ele finalmente chegou ao cristianismo e converteu-se. Inicialmente, ele continuou sua carreira como professor itinerante; mais tarde, durante o reinado do imperador Antonino Pio (138–161), ele abriu uma escola em Roma. Entre seus discípulos estava Táciano, que mais tarde se tornou um apologista. Justino foi martirizado por volta de 165, sob Marco Aurélio. Um documento autêntico sobre sua morte sobreviveu: o Martyrium S. Iustini et Sociorum (o Martírio de São Justino e companheiros).⁶


Embora Justino tenha sido um escritor prolífico, apenas três de suas obras (junto com alguns fragmentos) sobreviveram: as duas Apologias e o Diálogo com Trifão. Eles estão contidos em um único manuscrito do século XIV (Paris, gr. 450). Eusébio de Cesareia confirma sua autenticidade.⁷


O mistério da Virgem Mãe é tratado na primeira Apologia e no Diálogo. Na Apologia, dirigida a Antonino Pio e Marco Aurélio, o autor rejeita calúnias anti-cristãs e mostra a verdade da fé cristã e do modo de vida cristão. Sua discussão sobre a economia da salvação está localizada dentro da exposição da doutrina sobre o nascimento virginal de Jesus. Considerado superficialmente, esse mistério pode exibir algumas analogias com certos mitos pagãos; na realidade, não é nada mais do que o cumprimento final de um plano divino preciso. De acordo com este plano, o Filho unigênito do Pai, gerado por ele antes de todas as coisas e existindo desde toda a eternidade, veio a este mundo na época do Império Romano e se fez homem no ventre da Virgem Maria, filha dos antigos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, descendente da tribo de Judá e da casa de Davi. Por ela, Cristo foi concebido, trazido à luz em uma caverna e colocado em uma manjedoura. Por essa razão, ele pôde afirmar, com toda a verdade, ser o Filho do Homem.


Visto que ele nasceu de uma Virgem, não se pode dizer que ele veio ao mundo da mesma maneira que todos os outros homens, ou seja, como resultado de relações matrimoniais. Ele se encarnou por um exercício do poder de Deus. Se não fosse assim, a Virgem não poderia ter permanecido virgem. Por isso, o anjo do Senhor veio trazer-lhe as boas-novas, e o poder de Deus entrou nela, tornando-a mãe sem tirar-lhe a virgindade.


Seu marido, José, pensando que ela havia engravidado como consequência de relações adúlteras, queria deixá-la; no entanto, um anjo o impediu de fazê-lo, revelando-lhe o milagre realizado por Deus.


Ao apresentar o relato do Evangelho, Justino está mais preocupado com seu potencial apologético do que com seu conteúdo teológico. Seu objetivo era estabelecer o caráter histórico e messiânico do texto, especialmente aos olhos dos judeus, que acusavam os cristãos de terem imitado as histórias da mitologia grega. Justino mostra como as profecias do Antigo Testamento servem apenas para confirmar a verdade histórica dos fatos narrados pelos Evangelhos.⁸ Ele insiste particularmente em Isaías 7:14,⁹ e explica por que Deus quis preanunciar os eventos da salvação; a saber, para ajudar os homens a reconhecer e aceitar fatos que pareciam inacreditáveis, cuja realização exigia uma intervenção extraordinária da onipotência divina.


Eva — Maria

Justino foi provavelmente o primeiro autor a usar a paralelo Eva-Maria. O valor teológico dessa doutrina emerge claramente de seu subsequente desenvolvimento na história do pensamento cristão. Na Sagrada Escritura, Eva é chamada de mãe dos viventes (Gn 3, 20), mas, para os Padres, desde muito cedo, parecia haver um forte contraste entre esse título e seu papel em relação ao destino de seus descendentes. Pois é verdade que Eva transmitiu a vida física a seus descendentes, no entanto (por seu pecado), ela também foi a causa de sua ruína e morte. Por esse motivo, a tendência predominante entre os autores cristãos será ver, no título “mãe dos viventes”, atribuído à antiga Eva, o tipo profético de uma nova Eva, que se tornaria a mãe dos viventes em um sentido mais verdadeiro e pleno da palavra. Essa “nova Eva” só poderia ser a Virgem Maria.


Dessa intuição surgiu o famoso paralelo Eva-Maria, que levou à formulação de uma doutrina que representa a primeira tentativa de reflexão teológica sobre a Mãe de Jesus. Por meio dessa comparação, os primeiros Padres alcançaram uma medida importante de clareza sobre a função da Virgem Maria no plano divino para nossa salvação. O paralelo tem um conteúdo propriamente soteriológico e demonstra que a principal preocupação da mais antiga reflexão teológica sobre Maria estava focada menos em sua pessoa do que em seu papel em relação a Cristo. Maria tem um papel em relação a Cristo, o segundo Adão, assim como a primeira Eva teve um papel em relação ao primeiro Adão. A perspectiva soteriológica desperta interesse pela condição pessoal de Maria, para que algumas de suas prerrogativas mais próprias (por exemplo, sua maternidade divina e sua virgindade) possam ser destacadas. De fato, essas são as duas prerrogativas marianas diretamente sugeridas pelo paralelo Eva-Maria, porque ambas as mulheres eram virgens até receberem a proposta divina e, em seguida, ambas se tornaram mães.


O Cardeal John Henry Newman afirma corretamente que a verdade sobre Maria como a nova Eva constitui uma doutrina mariana rudimentar, mas extremamente importante, deixada pela antiguidade cristã. É a primeira meditação sobre ela e sobre sua missão, o perfil mais completo dela, a visão dela que nos foi transmitida nos escritos patrísticos.¹¹


O paralelo Eva-Maria tem sua base nas Escrituras na doutrina paulina do segundo Adão: “Com efeito, se por um homem veio a morte… assim em Cristo todos reviverão.” (1 Coríntios 15, 21–22). Não foi difícil para os Padres perceberem a conexão profunda entre o conceito de Cristo como novo Adão e o conceito de Maria como nova Eva.


Em seu Diálogo com Trifão, Justino propõe essa doutrina, que parece ter estado presente na tradição mais antiga da Igreja. Ele quer mostrar como o Senhor decidiu realizar a salvação do homem seguindo o mesmo procedimento pelo qual o pecado foi cometido e a ruína e morte da raça humana perpetrados.


Justino situa o paralelo dentro do contexto cristológico da dupla geração do Redentor:

[O Filho de Deus] tornou-se homem por meio de uma Virgem, para que a desobediência causada pela serpente fosse destruída da mesma maneira que havia começado. Pois Eva, que era virgem e imaculada, deu à luz a desobediência e à morte após ouvir as palavras da serpente. Mas a Virgem Maria concebeu fé e alegria; pois, quando o anjo Gabriel lhe trouxe as boas novas de que o Espírito Santo viria sobre ela e que o poder do Altíssimo a envolveria, de modo que o Santo nascido dela seria o Filho de Deus, ela respondeu: ‘Faça-se em mim segundo a tua palavra’ (Lc 1, 38). Assim nasceu dela o [Filho] sobre quem muitas Escrituras falam, como mostramos. Por meio dele, Deus esmagou a serpente, junto com aqueles anjos e homens que se tornaram semelhantes à serpente.¹²

Aqui é interessante notar como Justino já apresenta o papel de Maria na salvação como consequência de uma escolha livre e consciente em resposta à mensagem do anjo. No entanto, assim como a ação prejudicial de Eva era subordinada à de Adão, sobre quem recaía a responsabilidade primária pelo pecado, da mesma forma a ação de Maria, na ordem da salvação humana, permanece absolutamente subordinada à ação necessária e essencial de Cristo, o único Redentor.


Apenas algumas décadas separam as cartas de Inácio de Antioquia dos escritos de Justino; no entanto, nesse curto período de tempo, a imagem de Maria adquiriu um perfil mais claro e detalhado. Encontramo-nos diante de uma teologia mariana embrionária. No entanto, se Justino sente a necessidade de dedicar mais energia ao estudo da pessoa da Mãe de Jesus, claramente o faz para lançar mais luz sobre o mistério de seu Filho. Seu testemunho é tanto mais precioso na medida em que é obra de um simples leigo cristão que não se vê oferecendo seu próprio ensino, mas que pretende reforçar o ensino tradicional da Igreja e defendê-lo contra as insinuações caluniosas de pagãos e judeus. Finalmente, o testemunho de Justino pode ser relacionado à fé de toda a Igreja de sua época, uma vez que, como filósofo itinerante, ele estava indubitavelmente familiarizado tanto com o cristianismo do Oriente quanto do Ocidente.


Melito de Sardes 

Ele é considerado um apologista porque, por volta de 170, dirigiu uma apologia em nome dos cristãos ao imperador Marco Aurélio. Conhecemos esse documento apenas a partir de algumas citações nos escritos de Eusébio de Cesareia e no Crônica Pascal. Melito foi bispo de Sardes, na Ásia Menor, e parece ter estado envolvido na controvérsia que surgiu entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente sobre a celebração da Páscoa. Recentemente, foi descoberto o texto completo de uma de suas homilias pascais, na qual ele menciona a Santa Virgem. A homilia foi composta no estilo de uma proclamação pascal; seu conteúdo é predominantemente cristológico.¹³ A obra salvadora de Cristo é apresentada em três fases inseparáveis: Encarnação, Paixão-Morte e glorificação. O mistério da maternidade de Maria encontra sua referência óbvia na Encarnação e no nascimento terreno do Filho de Deus. A virgindade de Maria é parte essencial desse mistério. Melito a chama de “justa ovelha”, por analogia com Jesus, a quem o Evangelho chama de “Cordeiro de Deus” (cf. João 1, 29).


LEITURA 

MELITO DE SARDES, “HOMILIA PASCAL” 

Ele é aquele que veio do céu para a terra 
por causa do homem sofredor; 
ele se revestiu da carne do homem no ventre 
de uma Virgem, de onde saiu como homem 
e assumiu as aflições daquele que sofreu, 
por meio de um corpo capaz de sofrer, 
e destruiu as aflições da carne 
e matou a morte que causa a morte
pelo seu espírito que não pode morrer… 
É ele que se tornou encarnado em uma Virgem, 
que foi pendurado na madeira, 
que foi sepultado na terra, 
que ressuscitou dentre os mortos, 
que foi elevado às alturas do céu. 
Ele é o cordeiro mudo, 
ele é o cordeiro morto, 
ele nasceu de Maria, a justa ovelha, 
ele é retirado do rebanho 
e entregue para imolação 
e morto à tarde 
e sepultado à noite; 
que foi quebrado na madeira, 
não se corrompeu na terra, 
ele ressuscitou dos mortos, 
e elevou o homem das profundezas do túmulo… 
Ele é aquele que fez o céu e a terra, 
que formou o homem no princípio, 
que foi anunciado pela lei e pelos profetas, 
que se tornou encarnado em uma Virgem, 
que foi pendurado na madeira, 
que na terra foi sepultado, 
que ressuscitou dos mortos 
e ascendeu às alturas dos céus. 
— Melito de Sardes, Easter Homily, SC 123

1.4. IRINEU DE LIÃO 

Entre os Pais da Igreja do segundo século, Irineu é certamente o personagem mais proeminente, bem como o primeiro teólogo no sentido próprio da palavra. Ele é justamente considerado o pai da teologia dogmática católica.


Temos um registro muito escasso e não escrito de sua vida. Ele nasceu em Esmirna entre 140 e 160, onde conheceu o bispo Policarpo. Por razões que não conhecemos, ele deixou a Ásia Menor e mudou-se para a Gália. Lá, foi ordenado sacerdote da Igreja de Lião e, como tal, foi convidado para Roma para mediar uma controvérsia sobre o montanismo. Após seu retorno a Lião, sucedeu o bispo Potinus, que havia sido martirizado no intervalo. Mais uma vez, vemos Irineu como mediador na controvérsia entre o Papa Victor I e os bispos asiáticos sobre a celebração da Páscoa, exortando as duas partes a uma compreensão pacífica. Por isso, Eusébio de Cesareia atesta que o bispo de Lião viveu e agiu de acordo com o significado de seu nome, pois, em grego, Irineu significa “homem de paz”.¹ Não sabemos o ano de sua morte, mas provavelmente ocorreu em 202. Gregório de Tours escreveu que Irineu morreu como mártir,² mas essa informação é muito tardia (século VI) para ser plenamente credível. 


O testemunho de Irineu é muito precioso, pois em sua juventude esteve em contato com Policarpo e outros cristãos importantes que conheceram os apóstolos diretamente.³ Por isso, ele deve ter sido bem informado sobre a tradição apostólica, como também é evidente em seus escritos.

Como bispo, Irineu levou suas responsabilidades pastorais muito a sério. Ele considerava um de seus deveres urgentes defender a fé e o conhecimento de seus fiéis dos perigos da heresia gnóstica, que, naquela época, constituía uma séria ameaça à fé cristã. Para esse fim, ele escreveu uma obra monumental, em cinco livros, conhecida pelo título em latim Adversus haereses (Contra as Heresias).⁴ Nela, ele não apenas refuta os erros dos gnósticos, mas contrasta seu ensinamento com a doutrina correta da Igreja, da qual oferece uma síntese clara e persuasiva. Outra obra sua chegou até nós: a Prova da Pregação Apostólica, enquanto outras obras foram perdidas.


No que diz respeito à doutrina mariana, Irineu aborda o tema de Maria considerada como a nova Eva e desenvolve significativamente as ideias do apologista Justino. Finalmente, ela está solidamente fundamentada na doutrina paulina da “recapitulação”, que se torna a base de sua soteriologia.


Recapitulação em Cristo

Segundo São Paulo, o Redentor reuniu ou “recapitulou” em si todas as coisas e eventos que aconteceram desde a primeira criação, reconciliando tudo com Deus. Nesta visão, a salvação do homem aparece como uma segunda criação, que é essencialmente uma espécie de repetição da primeira criação. Através dessa segunda criação, Deus reabilita Seu plano original de salvação, que foi interrompido pela queda de Adão; Ele retoma e reorganiza esse plano na pessoa de Seu Filho, que se torna para nós o segundo Adão. E, se toda a raça humana caiu na perdição por causa do pecado de um homem (cf. Rm 5, 12 ss.), foi necessário que o Filho de Deus se tornasse homem. Ele, como a fonte de uma nova humanidade, poderia então realizar o plano de salvação de Deus ao percorrer, mas de maneira contrastante, o mesmo caminho percorrido pelo primeiro Adão em sua rebelião contra Deus. Irineu escreve:

Quando [o Filho de Deus] tomou carne e se tornou homem, ele recapitulou em si toda a longa história dos homens, obtendo para nós a recompensa da salvação, para que, em Cristo Jesus, possamos recuperar o que perdemos em Adão, a saber, a imagem e semelhança de Deus. Pois, uma vez ferido e quebrado pela desobediência, não era possível para o homem ser remodelado e obter a palma da vitória, e igualmente impossível para ele receber a salvação, pois havia caído sob o poder do pecado. O Filho de Deus realizou ambas essas tarefas. Ele, a Palavra de Deus, desceu do Pai e se tornou carne; ele se humilhou até a morte e trouxe a economia de nossa salvação à sua conclusão.

Assim, fiel ao ensinamento de São Paulo, a doutrina de Irineu sobre a recapitulação destaca claramente os dois grandes objetivos alcançados por Cristo em sua obra redentora. Primeiro, há um resultado negativo: a destruição do pecado e da morte, que são as duas principais consequências da desobediência de Adão. Há também um resultado positivo: a restauração de toda a raça humana à imagem de Deus, que foi destruída pelo pecado original.⁶ O segundo Adão alcançou esses objetivos por meio de Sua completa obediência ao Pai, equilibrando assim a desobediência do primeiro Adão e renovando de maneira vitoriosa o antigo conflito contra Satanás.⁷ Pode-se dizer, então, que todas as coisas se tornaram novas no segundo Adão.⁸


Papel de Maria na Economia da Salvação

É neste contexto da doutrina da recapitulação de todas as coisas em Cristo que Irineu explica o papel da Bem-Aventurada Virgem no plano divino de salvação, referindo-se ao paralelo Eva-Maria. Enquanto Justino, como vimos, havia tocado casualmente nesse tema, Irineu produz uma reflexão teológica mais desenvolvida e profunda:

Mesmo que Eva tivesse Adão como marido, ela ainda era virgem… Desobedecendo, ela se tornou a causa da morte para si mesma e para toda a raça humana. Da mesma forma, Maria, embora também tivesse um marido, ainda era virgem e, ao obedecer, tornou-se a causa da salvação para si mesma e para toda a raça humana. O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria. O que Eva amarrou por meio de sua incredulidade, Maria desfez por meio de sua fé.⁹

Irineu estabelece claramente um paralelo perfeito entre as duas mulheres, em termos de convergência e divergência, assim como o apóstolo Paulo fez com Adão e Cristo. Eva e Maria, embora ambas fossem casadas, ainda eram virgens. Mas enquanto Eva desobedeceu, causando ruína e morte para si mesma e para a raça humana, Maria, ao obedecer, tornou-se a causa da salvação. A desobediência de Eva impôs os grilhões da escravidão espiritual à raça humana; a obediência de Maria quebrou esses grilhões, devolvendo o homem à sua liberdade original. A desobediência de Eva é a consequência de sua incredulidade; a obediência de Maria é o fruto de sua fé. Em outro trecho, onde a comparação Eva-Maria é discutida em paralelo com a comparação paulina entre Adão e Cristo, Irineu atribui à Virgem o título de “advogada de Eva”:

Eva foi seduzida pela palavra do anjo caído e transgrediu a palavra de Deus, fugindo dele. Da mesma forma, [Maria] foi evangelizada pela palavra de um anjo e obedeceu à palavra de Deus, carregando-o [dentro dela]. E enquanto aquela foi seduzida a desobedecer a Deus, esta foi persuadida a obedecer a Deus, para que a Virgem Maria se tornasse a advogada (advocata) da virgem Eva.
E assim como a raça humana estava ligada à morte por causa de uma virgem, também foi libertada da morte por uma Virgem, visto que a desobediência de uma virgem foi equilibrada pela obediência de outra Virgem.
Se, então, o pecado do primeiro homem foi corrigido pelo comportamento correto do primogênito [Filho de Deus], e se a astúcia da serpente foi vencida pela simplicidade da pomba [Maria], e se as correntes que nos mantinham ligados à morte foram quebradas, então os hereges são tolos; eles são ignorantes da economia de Deus e não têm consciência de sua economia para [a salvação] do homem.”¹⁰

Esses textos mostram claramente que Irineu não apenas atribui a Maria um papel dentro da obra de redenção; ele especifica que esse papel está estritamente ligado às ações do Salvador, da mesma maneira que Eva teve um papel, embora negativo, em relação ao primeiro Adão. Finalmente, a Santa Virgem não se limita a desempenhar seu papel em um plano separado, paralelo ao de Eva. Ela faz algo mais: interfere no plano histórico de Eva porque, por sua simplicidade, destrói o orgulho e a astúcia da serpente, o autor do mal que se abateu sobre Eva.


Mas Irineu vai ainda mais longe. Em sua Prova da Pregação Apostólica, ele afirma expressamente que, assim como Adão foi recapitulado em Cristo, também Eva foi recapitulada em Maria:

Adão teve que ser recapitulado em Cristo, para que a morte fosse engolida pela imortalidade, e Eva [teve que ser recapitulada] em Maria, para que a Virgem, tendo se tornado advogada de outra virgem, pudesse destruir e abolir a desobediência de uma virgem pela obediência de outra virgem.¹¹

Citamos esses três textos em ordem cronológica, e é fácil observar um certo desenvolvimento progressivo. O princípio da recapitulação é integrado ao princípio da “recirculação”, que introduz uma nota de história da salvação na teologia de Irineu. Enquanto o princípio da recapitulação afirma que a humanidade (caída por causa de seu primeiro chefe, Adão) deveria ser reconduzida a Deus por outro homem — Cristo — que seria seu segundo chefe, o princípio da recirculação afirma que esse processo de restauração realizado pelo Salvador precisava corresponder passo a passo, mas de maneira oposta, à história da queda. Maria entra nesse processo como a antítese de Eva.


Com essa visão, o bispo de Lião mostra o desejo de considerar a história humana como um fenômeno unificado, no qual o Novo Testamento não é nada mais do que a continuação do Antigo Testamento. A única economia divina, interrompida por Adão, com quem Eva estava associada, é retomada e levada à sua completa perfeição por Cristo, com quem Maria está associada.


Nessa perspectiva, podemos entender por que Irineu chama Maria de causa salutis, precisamente porque ela é a antítese de Eva, que foi causa mortis. Seu papel não se limita ao seu status puramente biológico e negativo como Mãe Virgem; não, sua cooperação inclui motivos morais e espirituais. Por exemplo, sua obediência à palavra de Deus foi consciente e voluntária; seu consentimento ao plano de salvação teve um caráter soteriológico, pois ela sabia que a Encarnação do Filho de Deus estava acontecendo para a redenção humana.


Nos segundo e terceiro textos citados, o autor se refere a Maria pelo título de advocata. Esta é a primeira vez na história da literatura cristã antiga que esse título é usado para Maria. Infelizmente, as versões originais em grego desses textos foram perdidas, então não sabemos ao certo qual termo grego foi traduzido pela palavra latina advocata. A versão armênia parece indicar que a palavra grega original era parákletos (defensor, advogado, intercessor).¹² No entanto, em que sentido Maria pode ser a advogada de Eva? Irineu especifica:

por meio de sua obediência. Ele não parece de forma alguma querer dizer que Maria intercedeu ou ofereceu seus méritos em favor de Eva. Ela simplesmente fez o oposto do que Eva havia feito; ou seja, ela obedeceu e assim removeu as deploráveis consequências da desobediência de Eva. Assim, Eva não é mais condenada por ser responsável pela ruína da raça humana, porque esta ruína foi removida pela obediência de Maria.¹³

O bispo de Lião chama a atenção do leitor pelos termos especialmente fortes com os quais expressa suas próprias convicções teológicas. Ele afirma sem sombra de dúvida a presença ativa e eficaz da Bem-Aventurada Virgem na história da salvação e o faz com notável determinação. A influência de seu ensinamento nas posteriores desenvolvimentos mariológicos é imediatamente aparente. A doutrina contemporânea sobre a colaboração de Maria na redenção do homem e a mediação da graça divina tem suas raízes distantes, mas discerníveis, no ensinamento do grande bispo de Lião.


LEITURA 

O NOVO ADÃO E A NOVA EVA 

O apóstolo Paulo, em sua carta aos Gálatas, afirma claramente que “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4,4). E em sua carta aos Romanos, ele diz: “Seu Filho, nascido da descendência de Davi segundo a carne, constituído Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santidade que o ressuscitou dos mortos, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1,3–4).
Se fosse de outra forma, sua descida a Maria teria sido superflua. Pois por que ele teria descido dentro dela, se não precisasse tirar algo dela? Além disso, se ele não tivesse tirado nada de Maria, ele não teria se habituado a comer comida terrena… nem, após jejuar quarenta dias, como Moisés e Elias, teria sentido fome (cf. Mt 4,2), e se seu corpo não sentisse a necessidade de alimentação, João, seu discípulo, não teria escrito sobre ele: “Jesus, cansado da viagem, sentou-se” (Jo 4,6). Nem Davi teria profetizado sobre ele: “Eles acrescentaram tristeza às minhas feridas” (Sl 69,27). Nem [Jesus] teria chorado por Lázaro (cf. Jo 11,35) ou suado gotas de sangue (cf. Lc 22,44) ou dito: “Minha alma está excessivamente triste” (Mt 26,38), nem sangue e água teriam fluído de seu lado perfurado (cf. Jo 19,34). Todos esses são sinais de que ele tomou carne da terra, recapitulando esta carne nele mesmo para salvar sua própria criação.
Por essa razão, Lucas apresenta uma genealogia que vai do nascimento do Senhor de volta a Adão, compreendendo setenta e duas gerações (cf. Lc 3,23–38). Assim, ele une o fim ao começo e mostra [Jesus] como Aquele que recapitulou em si mesmo todos os povos dispersos desde o tempo de Adão e todas as línguas e gerações humanas, incluindo Adão. Portanto, Paulo chamou esse mesmo Adão de “tipo daquele que estava por vir” (Rm 5,14), porque a Palavra, o Artesão de todas as coisas, já havia formado, em Adão, a economia relacionada à humanidade na qual o Filho de Deus se revestiria. Inicialmente, Deus fez o homem como animal [=físico], aparentemente para que pudesse ser salvo pelo Homem espiritual (cf. 1 Cor 15,46). Uma vez que o Salvador era preexistente, [sua criatura] que precisava de salvação também precisava vir à existência, para que o Salvador não existisse em vão.
De acordo com esse plano, a Virgem Maria foi encontrada obediente quando disse: “Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Mas Eva desobedeceu, e ela o fez ainda sendo virgem.
Mesmo que Eva tivesse Adão como marido, ela ainda era virgem. Pois “ambos estavam nus” no paraíso “e não se envergonhavam” (Gn 2,25), pois haviam sido criados pouco tempo antes e não tinham ideia sobre a geração de filhos; na verdade, eles primeiro precisavam se tornar adultos, e só então começaram a se multiplicar. Ao desobedecer, Eva tornou-se a causa da morte para si mesma e para toda a raça humana. Da mesma forma, Maria, embora também tivesse um marido, ainda era virgem, e ao obedecer, ela tornou-se a causa da salvação para si mesma e para toda a raça humana.
Por essa razão, a lei chama uma mulher noiva de um homem de sua esposa, mesmo que ela ainda seja virgem; isso indica a paralelo (recirculação) entre Maria e Eva. Assim como, uma vez que algo foi amarrado, não pode ser solto senão desfazendo o nó na ordem inversa, da mesma forma, os primeiros nós foram desfeitos pelos [desfazimentos] segundos e, inversamente, esses últimos libertam os primeiros. Funciona que o primeiro nó é desfeito pelo segundo, e o segundo causa o desfazimento do primeiro.
Essa é a razão pela qual o Senhor declarou que o primeiro seria o último e o último seria o primeiro (cf. Mt 19,30). E o profeta afirma a mesma coisa quando diz: “Nascem filhos para ti em lugar de teus pais” (Sl 45,16). O Senhor, tendo se tornado “o primogênito dentre os mortos” (cf. Col 1,18) e tendo recebido os antigos pais em seu seio, os regenerou na vida de Deus, tornando-se ele mesmo o primeiro dos vivos (cf. Col 1,18), assim como Adão se tornou o primeiro dos mortos. É por isso que Lucas começou sua genealogia a partir do Senhor e depois retrocedeu a Adão: para mostrar que não foram os pais que regeneraram o Filho, mas sim o Filho que os regenerou no evangelho da vida. E assim o nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria. O que Eva amarrou por meio de sua incredulidade, Maria desatou por meio de sua fé. Irineu de Lião, Adversus haereses 3:22

1.5 INÍCIOS DA DOUTRINA MARIANA NA IGREJA LATINA: TERTULIANO 

O Cristianismo se espalhou muito cedo no Ocidente, graças à unidade do Império Romano, que criou uma situação geográfica e política favorável à disseminação do evangelho. No entanto, nos escritos cristãos em latim, a doutrina mariana aparece relativamente tarde em comparação com o Oriente. De Roma, a mensagem cristã alcançou todas as regiões do Império, difundindo a boa nova do Deus Salvador que se tornara homem, nascido de uma Virgem. Assim como no Oriente, a figura da Mãe Virgem inicialmente permanece na sombra de seu Filho. Pelo menos até o Concílio de Niceia (325), não é fácil entender quando os crentes da época tomaram consciência do significado e importância do papel desempenhado pela Mãe de Jesus na economia da salvação. É ainda mais difícil dizer se, e em que medida, existia um culto mariano nesses primeiros séculos. As informações históricas a esse respeito são bastante escassas. 


O Norte da África, região que produziu Tertuliano, o primeiro autor cristão de língua latina, incluía um vasto território no setor norte do continente, da Líbia ao Marrocos. Parece que o Cristianismo se espalhou por esta parte do Império Romano muito cedo; mas os fatores que poderiam explicar o fenômeno permanecem obscuros. Um certo vínculo de reverência que a Igreja no norte da África procurava manter com a Igreja de Roma¹ leva a pensar que a primeira foi evangelizada pela segunda e bastante cedo. De fato, numerosos mártires africanos morreram já em 180,² e quando, em 225, o Sínodo de Cartago foi convocado, os bispos daquela província proconsular e da Numídia já eram setenta.³


Além de Tertuliano, podemos lembrar outros autores do norte da África que, em tempos relativamente antigos, contribuíram para a literatura e teologia cristãs na língua latina: Cipriano, bispo de Cartago e mártir (m. 258), e dois teólogos leigos: Arnóbio (m. ca. 327) e Lactâncio (m. ca. 330). No entanto, em comparação com Tertuliano, esses autores escreveram pouco sobre Maria. 


Personalidade de Tertuliano 

Sabemos pouco sobre a vida de Quinto Sétimo Florente Tertuliano. Ele nasceu em Cartago por volta de 155, em uma família romana de religião pagã, e seu pai era centurião da coorte procônsular. Depois de estudar jurisprudência, Tertuliano praticou como advogado em Roma, ganhando uma reputação significativa. Convertendo-se ao Cristianismo por volta de 193, voltou a Cartago e colocou seus talentos excepcionais a serviço da fé cristã. Não há dúvida de que seus talentos devem ser reconhecidos, mesmo que, em certo momento de sua vida, tenha se deixado levar pela heresia dos montanistas, que professavam princípios moralmente rigorosos. Tertuliano morreu em algum momento após 200.


Seus inúmeros escritos exerceram uma influência determinante na formulação e desenvolvimento da doutrina cristã no Ocidente, especialmente na teologia trinitária e cristologia. Lembramos, por exemplo, que Tertuliano foi o primeiro escritor a usar a palavra “Trindade” e a atribuir o termo “pessoa” ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Na pessoa de Cristo, ele vê claramente a presença de duas naturezas, humana e divina, sem confusão, para que cada uma das duas naturezas preserve completamente suas próprias propriedades. A divindade realiza as funções próprias, como realizar milagres e toda outra ação sobrenatural. A humanidade se expressa nas operações e reações próprias; por exemplo, Jesus sofre de fome no deserto; ele é tentado pelo diabo; ele sente sede perto do poço de Jacó quando encontra a mulher samaritana; ele chora no túmulo de Lázaro; ele experimenta a agonia mortal no Jardim do Getsêmani; ele morre na cruz. A cristologia de Tertuliano antecipa as declarações do Concílio de Calcedônia (451) em dois séculos e meio.


Deus Encarnado 

Tertuliano foi um forte defensor da humanidade de Cristo, que alguns hereges de sua época negavam, condicionados por uma concepção pessimista da matéria e de tudo que tinha a ver com a matéria neste mundo. Esses hereges pensavam que, como a matéria é radicalmente má e é a origem e causa do mal que existe no mundo, então o Filho de Deus não poderia ter assumido um corpo humano. Por esse motivo, alguns deles, chamados Docetistas, negavam a Jesus um corpo material igual ao dos outros homens. Eles sustentavam que seu corpo era apenas aparentemente real, como uma espécie de fantasma, desprovido de qualquer existência real.


Contra esses erros, Tertuliano afirma vigorosamente a realidade da natureza humana de Jesus Cristo. Em uma polêmica contra o herege Marcion, ele escreve:

O Filho de Deus nasceu: não me envergonho disso, porque é vergonhoso. O Filho de Deus morreu: e isso é crível, porque é absurdo. Ele foi sepultado e ressuscitou: isso é certo, porque é impossível. Mas como essas afirmações poderiam ser verdadeiras no caso de Cristo se ele mesmo não existisse verdadeiramente e não tivesse verdadeiramente o que precisava para ser crucificado, morrer, ser sepultado e ressuscitar; ou seja, um corpo cheio de sangue, estruturado com ossos, entrelaçado com nervos, atravessado por veias, capaz de experimentar nascimento e morte? Sem dúvida, então, Cristo tinha um corpo humano, porque nasceu de um ser humano. E assim esta carne é mortal em Cristo, porque Cristo é homem e Filho do homem.⁴

A insistência de Tertuliano na realidade da carne do Filho de Deus feito homem chega ao ponto do exagero quando ele atribui feiura e deformidade a Cristo:

Seu corpo não possuía beleza terrena; ainda menos possuía esplendor celestial. Mesmo que os profetas entre nós não tivessem dado nenhum relato de sua aparência ignóbil, os próprios sofrimentos e insultos que ele suportou falam disso. Os sofrimentos atestam a realidade de sua carne humana; os insultos provam sua feiura.⁵

Esses poucos exemplos são suficientes para nos fazer entender como Tertuliano poderia ter sido tão rico em genialidade quanto às vezes carente de senso de equilíbrio. No entanto, a bondade de suas intenções está além de dúvidas. Ele fez essas afirmações gratuitas enquanto estava envolvido no calor do debate. Sua principal preocupação era defender a verdadeira natureza humana do Senhor Jesus, que, por meio de sua natureza humana, completou a obra de nossa salvação.


Severidade de Tertuliano para com Maria 

Não parece que nosso autor esteja diretamente preocupado com, ou simpático à Virgem como pessoa. Pelo contrário, deve-se reconhecer que era característico dele emitir um dos julgamentos mais severos e precipitados da santa Virgem conhecidos na literatura patrística. Ele interpretou mal os trechos do Evangelho que mencionam os irmãos de Jesus (cf. Mt 12,46–50; Mc 3,31–35; Lc 8,19–21). Segundo ele, o Senhor estava repreendendo sua Mãe juntamente com seus irmãos. Sabe-se que a palavra “irmão” é usada no Evangelho para indicar parentes em geral, mas Tertuliano, como veremos, entende que se refere a filhos dos mesmos pais. O texto que nos interessa é o seguinte:

[Jesus] estava justamente indignado que pessoas tão próximas a ele ficassem do lado de fora enquanto estranhos estavam dentro com ele, pendurados em suas palavras. Ele estava indignado, sobretudo, porque estavam tentando tirá-lo de sua tarefa solene. Ele não os ignorou, mas os renegou. Por isso, em resposta à pergunta ‘Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’ ele respondeu: ‘Ninguém, exceto aqueles que ouvem minhas palavras e as praticam’. Ele transferiu os termos que indicam relação de sangue para outros a quem considerava mais próximos dele por causa de sua fé.⁶

Neste texto também, Tertuliano não apenas se mostra confiante e peremptório em seus julgamentos, mas revela sua falta de senso de proporção. Para enfatizar e exaltar a pessoa de Jesus, ele não hesita em criticar seus parentes próximos quando necessário.


Maria Garante a Humanidade de Cristo 

Embora Tertuliano não demonstre uma simpatia particular pela pessoa da Mãe de Jesus, ele sem dúvida exibe um interesse extremo na função de Maria no mistério do Deus encarnado. Ele insiste na realidade da maternidade de Maria, a fim de eliminar qualquer sombra de dúvida sobre a humanidade real e autêntica de seu Filho. Contra os gnósticos, ele escreve:

Você diz que ele nasceu de uma virgem, não dela; que ele habitou em seu útero, mas não foi do útero dela, porque o anjo disse a José em um sonho: ‘Pois o que nela é gerado é do Espírito Santo’ (Mt 1). Não diz ‘dela’. O fato é que o anjo, mesmo que tenha querido dizer ‘nascido dela’, teve que dizer ‘nascido nela’, porque aquilo que foi gerado por ela já estava dentro dela. As duas expressões, então, são equivalentes.⁷

Segundo nosso autor, Maria garante especialmente as verdadeiras raízes humanas do corpo do Filho de Deus, pois através dela Jesus está conectado às gerações precedentes:

Ele é a flor do broto surgido da raiz de Jessé. Mas assim como a raiz de Jessé é a família de Davi, e o broto surgido da raiz é Maria, descendente de Davi, e a flor do broto é o Filho de Maria, chamado Jesus Cristo, ele não é o fruto?… Por conseguinte, é agora um fato bem conhecido que a carne de Cristo é inseparável, não apenas de Maria, mas também de Davi por meio de Maria, e de Jessé por meio de Davi.⁸

A palavra “fruto”, neste trecho, é uma alusão às palavras que Isabel disse a Maria: “Bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,42).


Maria Concebeu Cristo como Virgem Embora a concepção de Cristo no útero de Maria tenha sido uma verdadeira concepção, não ocorreu de acordo com as leis da natureza. Tertuliano enfatiza seu caráter virginal:

Aquele que já era o Filho de Deus, gerado pelo Espírito de Deus Pai, querendo também tornar-se Filho do homem, decidiu assumir carne da carne do homem, mas sem a semente do homem. Aquele que tinha a semente de Deus não precisava da semente do homem. Assim como, antes de seu nascimento da Virgem, ele tinha Deus como Pai, sem ter uma mãe humana, da mesma forma, depois de nascer da Virgem, ele tinha uma mulher como mãe sem ter um pai humano. Em resumo: ele é um homem que possui divindade, uma vez que é carne humana que possui o Espírito de Deus. Sua carne foi produzida de um humano, sem semente humana; seu espírito vem da semente de Deus.⁹

A nervosidade e incisividade do estilo de Tertuliano são impressionantes. Parece que ele quer bloquear as objeções de seus adversários antes que eles possam proferir palavras, não lhes deixando nenhuma possibilidade de resposta. Ele está tão convencido da verdade da fé que não é capaz de cultivar qualquer tolerância para as incertezas dos outros, muito menos para suas divergências da verdade. Sua tese não é uma questão de debate: Jesus é Deus porque possui o Espírito de Deus, e ele é homem porque recebeu um corpo real de Maria, de uma maneira absolutamente extraordinária. Para Tertuliano, então, não há hesitação sobre os termos exatos com os quais afirmar o mistério da Encarnação. Cristo assumiu a carne de uma criatura humana, que se tornou sua Mãe e o concebeu virginalmente. 


Nenhum outro escritor cristão antigo enfatizou tão fortemente a identidade entre a carne de Cristo e a carne de Maria. Mas essa ideia ficou tão fixa em sua mente que ele perdeu uma visão correta de outros aspectos do mistério da Encarnação.


Tertuliano Nega a Virgindade Perpétua de Maria 

Para demonstrar melhor a realidade da carne de Cristo, nosso autor chega ao ponto de negar que sua mãe poderia ter permanecido virgem ao dar à luz. Vamos ler alguns comentários realistas sobre o nascimento de Jesus por Maria:

Virgem porque se absteve de homem; não virgem porque deu à luz… Virgem quando concebeu, tornou-se esposa quando deu à luz… Quem realmente abriu seu útero materno, senão aquele que abriu o útero que havia sido fechado [em sua concepção]? Normalmente, relações conjugais abrem o útero. Por isso [o útero de Maria] foi tanto mais aberto, pois estava mais fechado. Consequentemente, é mais preciso chamá-la de não virgem do que virgem.¹⁰

O caso de Tertuliano ensina que a reivindicação de clareza a qualquer custo sobre os mistérios da fé, especialmente quando acompanhada de um espírito polêmico, é uma atitude perigosa. É impossível entender apenas pela razão como um corpo real, como o corpo de Jesus, poderia ter nascido sem destruir a virgindade física da mãe. A fé deve saber suportar o teste da obscuridade.


Com base em uma suposta necessidade de dar um exemplo moral, Tertuliano também nega a virgindade de Maria após o parto:

Ela era uma virgem que deu à luz a Cristo, mas após o seu nascimento ela se casou com um homem, para que ambos os ideais de santidade [ou seja, o ideal virginal e o ideal matrimonial] pudessem ser exemplificados na descendência de Cristo, na pessoa de uma mãe que era ao mesmo tempo virgem e casada com um marido apenas.¹¹

Dado esse entendimento, Tertuliano não tem problema, como vimos antes, em ver os irmãos de Jesus mencionados no Evangelho como filhos normais que Maria e José teriam tido em sua vida conjugal, após a concepção virginal de Jesus.


Pode parecer estranho que um autor cristão tenha sido capaz de escrever tais coisas sobre a Mãe do Senhor sem reações de seus contemporâneos. A explicação pode vir da mentalidade incerta dos cristãos nos primeiros séculos. Suas ideias sobre o Deus uno e trino, sobre Jesus Cristo e sobre sua Mãe ainda tinham um longo caminho a percorrer antes de alcançar a clareza que resultaria da disputa teológica, das controvérsias com hereges e da reflexão dogmática dos séculos seguintes. Devido às suas ideias equivocadas sobre a virgindade e santidade da Mãe do Senhor, os textos marianos de Tertuliano permaneceram em grande parte desconhecidos. No entanto, alguns deles têm valor teológico real, como o trecho de De carne Christi em que ele explica o paralelo Eva-Maria:

Eva acreditou na serpente; Maria acreditou em Gabriel. A culpa que Eva introduziu ao acreditar, Maria, ao acreditar, apagou. Mas [poderiam objetar] pela palavra do diabo, Eva não concebeu em seu ventre. Ao contrário, ela concebeu; pois a partir desse momento a palavra do diabo tornou-se nela uma semente pela qual ela concebeu como uma excluída e deu à luz com tristeza. Finalmente, ela deu à luz a um demônio fratricida [Caim]. Maria, por outro lado, deu à luz aquele que um dia traria a salvação a Israel, seu irmão na carne e seu algoz. Deus, então, enviou sua Palavra para o ventre [de Maria], para que ele, o Bom Irmão, pudesse apagar o registro de seu irmão malvado.¹²

Este é um testemunho extremamente valioso. Confirma que o paralelo Eva-Maria era conhecido no Ocidente durante os primeiros séculos cristãos e que o mistério da Mãe de Deus começava a se tornar objeto de reflexão teológica em toda a Igreja.


LEITURAS 

MARIA A TERRA VIRGEM 

Em primeiro lugar, precisamos mostrar a razão pela qual o Filho de Deus precisava nascer de uma Virgem. O iniciador de um novo nascimento precisava nascer de uma maneira nova, e Isaías havia previsto que o Senhor daria um sinal disso. Qual é esse sinal? “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7:14). Portanto, a Virgem concebeu e deu à luz Emmanuel, Deus conosco.
E este é o novo nascimento: o homem nasce em Deus quando Deus nasce no homem, tendo assumido a carne da semente antiga, mas sem usar esta semente, a fim de reformar a carne por meio de uma nova semente, uma semente espiritual, e purificar a carne depois de ter eliminado todas as suas manchas antigas. Mas, como aconteceu, toda essa nova maneira de nascer foi prefigurada no antigo design sábio que dependia de uma virgem. Quando o homem foi criado pela ação de Deus, a terra ainda era virgem, ainda não pressionada pelo trabalho do homem, ainda não semeada. Sabemos que, a partir desta terra virgem, Deus criou o homem como uma alma viva.
Se, então, o primeiro Adão foi introduzido dessa maneira, com mais razão o segundo Adão, como disse o apóstolo, teve que surgir de uma terra virgem, ou seja, de um corpo ainda não violado pela geração, pela ação de Deus, para que ele pudesse se tornar o espírito que dá vida. No entanto, para que minha introdução do nome de Adão não pareça sem sentido, por que o apóstolo chamou Cristo de “Adão” (cf. 1 Cor 15:45), se sua humanidade não tinha uma origem terrena? Mas aqui, também, a razão nos socorre: através de uma operação contrária, Deus recuperou sua imagem e semelhança, que haviam sido roubadas pelo diabo.
Assim como a palavra do diabo, que causa morte, havia penetrado em Eva, que ainda era virgem, analogamente, a Palavra de Deus, que constrói a vida, teve que entrar em uma Virgem, para que aquele que havia caído na perdição por causa de uma mulher pudesse ser levado de volta à salvação pelo mesmo sexo. Eva acreditou na serpente; Maria acreditou em Gabriel. A culpa que Eva introduziu ao acreditar, Maria, ao acreditar, apagou. — Tertuliano, De carne Christi 17, 1–5; PL 2, 827–28

EM QUE SENTIDO MARIA É CHAMADA “MULHER” 

Vamos agora ver se o apóstolo restringe o termo ao mesmo significado que tem em Gênesis, aplicando-o ao sexo feminino (cf. Gen 2:23), quando chama a Virgem Maria de “mulher” (cf. Gl 4:4), da mesma forma que Gênesis chamou Eva de “mulher”. Escrevendo aos Gálatas, ele diz: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher”, o que estabelece que ela é virgem, mesmo que Ebion se oponha a essa interpretação. 
Reconheço também que o anjo Gabriel é enviado à Virgem e, ao declará-la abençoada, a situa entre as mulheres e não entre as virgens: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1:42). O anjo também sabia que uma virgem também pode ser chamada de mulher. 
Alguém pensa que deu uma explicação inteligente desses dois trechos ao dizer que, porque Maria era casada, é por isso que tanto o anjo quanto o apóstolo a chamam de “mulher”. Pois alguém que é casado também é, de certa forma, nupta [ou seja, casado, não mais virgem]. No entanto, entre ser “de certa forma” nupta e ser verdadeiramente nupta, há uma diferença que se aplica neste caso. Em outros casos, casado e nupta andam juntos. Em vez disso, eles [São Paulo e Gabriel] chamaram Maria de “mulher”, não como se ela já fosse nupta, mas simplesmente porque é do sexo feminino, embora ainda seja virgem, e este é o sentido original em que a palavra “mulher” foi usada (cf. Gen 2:23). — Tertuliano, De virginibus velandis 6, 1; PL 2, 945–46

1.6 DOIS GRANDES MESTRES DA ESCOLA DE ALEXANDRIA: CLEMENTE DE ALEXANDRIA E ORÍGENES 

O Egito era outra região do Império Romano em que a fé cristã estava disseminada nos primeiros tempos. Já no primeiro século (na era apostólica), havia comunidades cristãs no Egito que, segundo as evidências sobreviventes e a documentação histórica, devem ter possuído um fervor e dinamismo notáveis. A doutrina e devoção marianas parecem ter se desenvolvido muito cedo nesse ambiente favorável, mostrando sinais de vitalidade particular.¹


Foi no Egito que foi composta a primeira oração mariana conhecida por nós, no terceiro século. O texto grego do Sub tuum praesidium foi descoberto em um fragmento de papiro na John Rylands Library em Manchester, Inglaterra.² Esta oração, ao longo dos séculos, tornou-se amplamente conhecida: entrou em muitas liturgias orientais e ocidentais e contribuiu muito para o reavivamento da atenção e interesse na doutrina da maternidade divina de Maria. No papiro da Rylands Library, o termo Theotokos é facilmente discernível; além disso, a oração expressa a fé dos cristãos no poder de intercessão da Virgem, dirigindo-se a ela com o termo rhŷsai (livrar), que, no Pai Nosso, é dirigido a Deus. 


O nascimento e a disseminação da doutrina mariana no Egito estão ligados aos nomes de grandes autores cristãos como Clemente, Orígenes e, um pouco mais tarde, Atanásio e Cirilo. Os dois primeiros foram entre os primeiros grandes mestres da famosa escola de Alexandria, o mais antigo centro de aprendizado cristão e ciências sagradas na história do cristianismo. 


Clemente de Alexandria (m. ca. de 213) 

Clemente é conhecido por ter tentado recuperar a teologia gnóstica em favor do cristianismo. Naquela época, o gnosticismo já estava difundido e se proliferara em várias correntes de pensamento. Ele ensinava que a salvação do homem vinha mais do conhecimento dos mistérios divinos do que da forma como ele vivia sua vida. Clemente queria mostrar que os verdadeiros gnósticos são cristãos, porque, neles, a fé se torna a luz do conhecimento autêntico dos mistérios e traz a união com Deus. O verdadeiro cristão carrega dentro de si Cristo, a Palavra eterna, a imagem perfeita de Deus.


Quanto a Maria, Clemente a chama Mãe do Senhor, porque a Palavra de Deus foi verdadeiramente concebida em seu ventre.³ Ele também testemunha a fé da Igreja no mistério da virgindade perpétua de Maria: 

Parece que ainda hoje muitos afirmam que Maria, após o nascimento de seu Filho, foi encontrada no estado de uma mulher que deu à luz, enquanto na verdade não foi assim. Pois alguns dizem que, após dar à luz, ela foi examinada por uma parteira, que a encontrou virgem.⁴ Essas coisas são atestadas pelas Escrituras do Senhor, que também dão à luz a verdade e permanecem virginais, no ocultismo dos mistérios da verdade. “Ela deu à luz e não deu à luz”, diz a Escritura,⁵ pois ela concebeu por si mesma, não como resultado da união com um homem.⁶

O mistério da Mãe Virgem o faz lembrar do mistério da Igreja, que também é mãe e virgem: 

O Senhor Jesus, fruto da Virgem, não proclamou abençoados os seios das mulheres, nem as escolheu para dar nutrição. Mas quando o Pai, cheio de bondade e amor pelos homens, derramou sua Palavra sobre a terra, essa mesma Palavra se tornou o alimento espiritual para os homens virtuosos. Ó maravilha misteriosa! 
Há um Pai de todos, há uma Palavra de todos, e o Espírito Santo é um e o mesmo em todos os lugares. Há também uma Mãe Virgem, a quem amo chamar de Igreja. Sozinha, esta mãe não tinha leite, porque sozinha não se tornou mulher. Ela é virgem e mãe simultaneamente; uma virgem imaculada e uma mãe cheia de amor. 
Ela atrai seus filhos para si e os alimenta com leite sagrado, ou seja, a Palavra para os bebês. Ela não tinha leite porque o leite era este filho, belo e familiar: o corpo de Cristo.⁷

O mistério de Maria, virgem e mãe, rapidamente começa a se tornar o modelo arquetípico do mistério da Igreja. Pois a Igreja também, ao pregar a palavra, dá à luz seus próprios filhos como mãe, mantendo intacta a virgindade de sua fé no Senhor. 


Orígenes (m. 253) 

Pensador formidável e autor de inúmeras obras, muitas das quais infelizmente foram perdidas, Orígenes é justamente considerado o “Pai da teologia oriental”. O historiador Eusébio de Cesareia nos transmitiu abundantes informações sobre a vida, atividade e escritos de Orígenes.

Nascido em uma família profundamente cristã por volta de 185, Orígenes recebeu uma educação seculare religiosa de primeira qualidade. Com apenas dezoito anos, o bispo Demétrio o convocou para substituir Clemente como diretor da escola catequética de Alexandria, da qual ele se tornou o expoente mais conhecido e que, graças ao seu ensino e orientação, alcançou um nível de prestígio sem precedentes.


O exemplo de sua vida cristã também se tornou um ponto de referência para seus numerosos discípulos, muitos dos quais ainda eram pagãos e pertenciam a seitas heréticas. Durante seus trinta anos de atividade na escola de Alexandria, Orígenes teve a oportunidade de fazer várias viagens que o colocaram em contato com outras comunidades eclesiais, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Ele passou algum tempo em Roma, durante o pontificado de Zefirino, por volta de 212.


Em 232, devido a conflitos que surgiram entre ele e o bispo de Alexandria, Orígenes mudou-se definitivamente para Cesareia, na Palestina, onde o bispo local lhe confiou a tarefa de fundar outra escola catequética. Em Cesareia, Orígenes continuou a ensinar por mais vinte anos, até sua morte em 253, após os maus-tratos e torturas que ele suportou durante a perseguição de Décio.

As controvérsias que cercam Orígenes e seus ensinamentos, tanto durante sua vida quanto após sua morte, não conseguem obscurecer sua grandeza; ele deixou uma marca indelével na história da teologia, exegese bíblica e espiritualidade. Além disso, pela integridade de sua conduta cristã, ele testemunhou o evangelho até o ponto do heroísmo. A tradição o conta entre os maiores místicos da Igreja. O único obstáculo à sua canonização é apresentado por algumas de suas interpretações errôneas da doutrina cristã, as quais, no entanto, ele nunca manteve ou defendeu de má-fé.


Orígenes foi um dos autores que argumentou com grande eficácia contra a seita gnóstica dos docetistas, que reduziam a humanidade de Cristo a mera aparência. Ele isolou a causa de seu erro na incapacidade de admitir que Jesus, que possuía uma natureza divina, poderia ter nascido de uma criatura humana. Ele os acusou de não saberem ler corretamente as palavras do Evangelho, que claramente atestam o evento do nascimento de Jesus. Posteriormente, Orígenes reprovou Marcião por ter ido tão longe a ponto de excluir do texto sagrado o relato do nascimento de Cristo, pois ele era incapaz de compreendê-lo.⁸ Orígenes defende a realidade histórica do evento de maneira inequívoca, embora sua formulação tenha sido posteriormente rejeitada pelo ensino oficial da Igreja sobre a Encarnação. Nosso autor sustentava a preexistência da alma de Cristo. Influenciado pela filosofia platônica, ele pensava que as almas existiam antes de sua união com o corpo e que a alma de Cristo estava unida à Pessoa Divina da Palavra mesmo antes da Encarnação, quando ela foi unida ao corpo concebido virginalmente pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria.


a. Maria, Mãe de Deus 

A principal preocupação de Orígenes era demonstrar que a maternidade de Maria é real e normal, acima de tudo no nível da realidade natural. Vamos investigar alguns de seus textos.

Aqueles que creem em Jesus, que foi crucificado na Judeia sob Pôncio Pilatos, mas não creem que ele nasceu da Virgem Maria, creem e não creem na mesma Pessoa.⁹

Ele adverte os fiéis a lerem as Escrituras com atenção e com espírito de fé, e a não se deixarem enganar por falsos mestres:

Por isso é sábio aceitar o significado das Escrituras e não prestar atenção àqueles que dizem que [Jesus] nasceu por meio de Maria, não dela. O apóstolo previdente disse: “Mas, quando se completou o tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a lei, para resgatar aqueles que estavam sob a lei” (Gl 4:4). Observe que ele não disse: “nascido através de uma mulher”, mas sim, “nascido de uma mulher”.¹²

No entanto, Orígenes insiste que, para ser Mãe de Deus, Maria deve, acima de tudo, ser uma Mãe real e legítima daquele Filho que o Evangelho testifica ter nascido dela. Quanto ao caráter divino de sua maternidade, o historiador da Igreja Sócrates nos fornece uma informação interessante sobre as convicções de Orígenes. Ele escreve que Orígenes, em seu comentário sobre a carta aos Romanos (um fragmento perdido), expõe as razões pelas quais é correto atribuir a Maria o título de “Mãe de Deus”. Sócrates, ao rastrear a história do nestorianismo, tenta demonstrar que Nestório estava errado em rejeitar o termo Theotokos, porque em Jesus Cristo “não há dois seres, mas um único ser”, e ele continua:

Raciocinando dessa forma, os antigos não hesitaram em chamar Maria de Theotokos… Orígenes, também, no primeiro volume de seu comentário sobre a carta do apóstolo aos Romanos, dá uma explicação completa do porquê Maria é chamada Theotokos.¹¹

É preciso ter em mente que o título mariano Theotokos, muito provavelmente, teve origem no Egito, terra natal de Orígenes, e que ele não apenas o usou para indicar a função de Maria, mas que ele, segundo o testemunho de Sócrates, estava particularmente convencido de sua correção e se esforçou para explicar seu significado e os motivos que o justificavam.


b. Maria, Mãe Virgem 

Orígenes considera a virgindade como o aspecto mais misterioso e maravilhoso da maternidade de Maria. Ele deixa claro que, acima de tudo, isso é uma questão de fé:

Se alguém acredita que aquele que foi crucificado sob Pôncio Pilatos era uma pessoa santa, que veio trazer salvação ao mundo, mas não acredita em seu nascimento da Virgem Maria e do Espírito Santo, pensando, em vez disso, que ele nasceu de José e Maria, então essa pessoa carece de uma condição indispensável para possuir a fé completa.¹²

Pelo contrário, Jesus nasceu exclusivamente da Virgem Maria, de quem ele assumiu sua própria carne humana. Orígenes formula a pergunta exatamente nos termos em que ela precisava ser expressa para a mentalidade de sua época. De acordo com a biologia daquele tempo, a concepção de um bebê era causada apenas pelo sêmen masculino, enquanto o útero da mãe era considerado apenas o receptáculo no qual ele se desenvolvia. Nessa perspectiva, as palavras de Orígenes parecem claras quando ele observa que o nascimento de Cristo representa um caso completamente diferente de todos os outros seres humanos, que nascem de um homem por meio de uma mulher:

No caso de qualquer homem, é apropriado dizer que ele nasceu “por meio de uma mulher”, porque antes de nascer de uma mulher, ele teve sua origem de um homem. Mas Cristo, cuja carne não teve sua origem na semente de um homem, é corretamente dito ter nascido “de uma mulher”.¹³

Além disso, a concepção virginal de Jesus ocorreu sem nenhuma das paixões que normalmente acompanham as relações conjugais e, portanto, mancham a alma da criatura humana desde o nascimento. Em vez disso, a concepção virginal aconteceu de tal maneira que a natureza humana de Cristo estava livre de concupiscência e paixões descontroladas. Por isso, observa Orígenes, o apóstolo Paulo diz que Jesus foi enviado em um corpo semelhante à carne pecaminosa (cf. Rom 8:3), mas que, na realidade, não é carne pecaminosa. Assim, a alma de Cristo, livre de concupiscência, pôde alcançar prontamente uma união perfeita entre a carne e a Palavra divina, que assimilou essa carne humana como o fogo assimila o ferro.¹⁴ Nessa visão, Orígenes está convencido de que a concepção virginal de Jesus não foi uma espécie de privilégio para sua Mãe, mas, sim, um serviço que ela devia ao mistério da Palavra feita carne.


c. Maria, Sempre Virgem 

Quando se trata do mistério da virgindade perpétua de Maria, Orígenes não apenas não tem dúvidas, mas parece sugerir diretamente que esta é uma verdade já reconhecida como parte integrante do depósito da fé. Parece que uma de suas declarações deve ser interpretada nesse sentido:

Não há filho de Maria, exceto Jesus, de acordo com a opinião daqueles que pensam corretamente sobre ela.¹⁵

A expressão “pensar corretamente” provavelmente significa pensar de acordo com a doutrina da fé revelada.


Ele elogia a intenção daqueles que, para defender a virgindade perpétua de Maria, aceitam a explicação dos apócrifos sobre os chamados irmãos do Senhor. Estes seriam filhos gerados por José durante um casamento anterior. Então ele continua:

Aqueles que falam assim querem preservar a dignidade de Maria na virgindade que ela conservou até o fim, para que aquele corpo escolhido para servir a Palavra, que disse: “O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá” (Lc 1,35), não teve relações com um homem, após o ponto em que o Espírito Santo desceu sobre ela e o poder do Altíssimo a cobriu.
Considero conforme a razão que, no que diz respeito à pureza que consiste na castidade, Jesus foi o primeiro entre os homens, enquanto Maria foi a primeira entre as mulheres. É um ato de um homem perverso atribuir o primeiro lugar em virgindade a qualquer outra pessoa.¹⁶

Em seus escritos, Orígenes frequentemente expressa seu próprio respeito e admiração pela prática cristã da virgindade. Isso permite que alguém se conforme à Mãe do Senhor, a quem ele vê como um modelo destacado do verdadeiro cristão, do homem espiritual, do discípulo perfeito de Cristo. Além disso, através da vida virginal, os fiéis podem compartilhar da função maternal de Maria:

Toda alma incorruptível e virginal, havendo concebido pelo Espírito Santo para dar à luz a vontade do Pai, é mãe de Jesus.¹⁷

Assim, fazer a vontade do Pai significa, segundo nosso autor, dar à luz a Palavra divina, que é, em si mesma, a vontade do Pai.


No contexto do mistério da virgindade perpétua de Maria, surge o problema do casamento que ela contraiu com José. Orígenes é o primeiro autor cristão a oferecer explicações bem desenvolvidas sobre esse fato:

Eu me pergunto por que Deus, depois de decidir que o Senhor nasceria de uma virgem, não escolheu uma jovem sem noivo, mas em vez disso escolheu [Maria], que já estava comprometida. Se eu não me engano, a razão é esta: o Senhor tinha que nascer de uma virgem que não apenas estava comprometida, mas também, como Mateus escreve, já estava confiada aos cuidados de um homem (que ainda não a conhecera, no entanto), para evitar qualquer desgraça para a virgem, caso ela fosse vista com o ventre inchado. 
Sobre esse assunto, encontrei uma observação interessante em uma carta do mártir Inácio, segundo bispo de Antioquia após Pedro,¹⁸ que lutou com as feras durante uma perseguição em Roma. A virgindade de Maria foi ocultada ao príncipe deste mundo, ocultada graças a José e seu casamento com ela. Sua virgindade foi mantida em segredo porque pensavam que ela estava casada.¹⁹

Essa dupla razão apresentada por Orígenes será totalmente explorada por autores posteriores, alguns dos quais chegarão ao ponto de dizer que Deus queria usar o casamento entre Maria e José para enganar o diabo, enquanto Orígenes se limita a dizer que Deus simplesmente manteve oculto o mistério da virgindade de Maria.


d. Santidade de Maria 

Para indicar a elevada santidade da Mãe do Senhor, a Igreja Oriental usou o termo panaghia (toda-santa), que se tornou comum na linguagem teológica e litúrgica. É possível que este título tenha começado a ser atribuído a Maria na Igreja de Alexandria. No que diz respeito a Orígenes, encontramos o título mais de uma vez em seus escritos,²⁰ e, embora alguns estudiosos considerem isso uma interpolação,²¹ outros não veem motivo plausível para compartilhar dessa suspeita.²²


De acordo com o conceito dinâmico de Orígenes da perfeição cristã, entendida como uma jornada ou progresso contínuo em direção a formas mais elevadas de vida espiritual, Maria não poderia ter sido totalmente santa desde o início dessa jornada. Por esse motivo, ele prontamente admite a presença de algumas imperfeições ou defeitos nela. Por exemplo, ele afirma que a espada anunciada por Simeão não era outra senão a dúvida e o escândalo que surgiram nela durante a Paixão de seu Filho:

O que deveríamos pensar? Que, enquanto os apóstolos ficaram escandalizados, a Mãe do Senhor estava imune ao escândalo? Se ela não tivesse experimentado escândalo durante a Paixão do Senhor, Jesus não teria morrido por seus pecados. Mas se “todos pecaram e carecem da glória de Deus” e se todos “são justificados e salvos pela graça” (Rm 3,23), então Maria também foi escandalizada naquele momento. Isso é o que Simeão está profetizando: Sua alma será trespassada pela espada da incredulidade e será ferida pela ponta da dúvida.²³

Deste texto também emerge a intenção de apoiar tal conclusão recorrendo a uma razão dogmática: o valor universal da redenção realizada por Cristo.


No entanto, Orígenes, geralmente fiel à tradição mais antiga de Alexandria, tende a enfatizar a santidade e virtudes da Virgem, sempre no contexto de sua condição de progresso contínuo. Ele a considera assídua na leitura e meditação das Escrituras, aberta à influência do Espírito Santo, que derrama sobre ela a luz da profecia no momento em que ela pronuncia o Magnificat; ele a chama de humilde e pobre, mas rica em fé, perseverante no conhecimento espiritual. Em tempos de provação, ele a vê capaz de superar dificuldades, aceitando obedientemente a revelação de mistérios. Entre as pessoas santas do Antigo e Novo Testamentos, ele atribui um lugar de honra à Mãe do Senhor, única entre todas as mulheres.


A resposta de Orígenes àqueles que afirmavam que Maria havia sido rejeitada por seu Filho porque, após o nascimento, ela teve relações conjugais com José, realmente faz refletir:

Se Maria é proclamada abençoada pelo Espírito Santo [pela boca de Isabel], como o Senhor poderia tê-la rejeitado?²⁴
Parece que toda a admiração de Orígenes pela Mãe do Senhor é expressa nesta afirmação: Maria foi proclamada abençoada pelo próprio Espírito Santo.

LEITURAS 

“SUB TUUM PRAESIDIUM” 


Sob a tua misericórdia buscamos refúgio, Ó Mãe de Deus. Não rejeites nossas súplicas em necessidade, mas livra-nos do perigo, [Tu] única pura e única abençoada. — do papiro da Biblioteca Rylands, texto reconstruído por Gabriele Giamberardini

“A MINHA ALMA ENGRANDECE O SENHOR” 

Duas faculdades, a alma e o espírito, expressam um louvor duplo. A alma celebra o Senhor, enquanto o espírito louva a Deus; não que louvar o Senhor seja diferente de louvar a Deus, já que Aquele que é Deus também é o Senhor, e Aquele que é o Senhor também é Deus.
Perguntamo-nos como a alma poderia engrandecer o Senhor. Pois se o Senhor não pode estar sujeito a crescimento ou diminuição, sendo quem Ele é, por que Maria diz agora: “A minha alma engrandece o Senhor”?
Se considerar que o Senhor e Salvador é “a imagem do Deus invisível” (Col 1:15), e se ver que minha alma é feita “à imagem do Criador” (Gen 1:27), para ser a imagem da imagem (já que minha alma não é, propriamente falando, a imagem de Deus, mas foi formada à semelhança da imagem original), então poderei compreender o assunto colocando-o nestes termos: Assim como os pintores de imagens, após escolherem (por exemplo) o rosto de um rei, aplicam sua habilidade artística para copiar um modelo único, da mesma forma cada um de nós, transformando nossa própria alma na imagem de Cristo, reproduz uma imagem dele, menor ou maior, às vezes escondida e suja, mas às vezes brilhante e luminosa e correspondente ao modelo original.
Por isso, quando eu tenho ampliado a imagem da imagem, isto é, minha alma, e a tenho engrandecido em minhas ações, pensamentos e palavras, então a imagem de Deus torna-se maior, e o próprio Senhor, cuja imagem é minha alma, é engrandecido nela. E assim como o Senhor cresce em nossa imagem, assim, se somos pecadores, ele diminui e diminui.
Falando precisamente, o Senhor não diminui nem diminui. Somos nós que, em vez de assumirmos a imagem do Salvador, nos vestimos com outras imagens. Em lugar da imagem da Palavra, da sabedoria, da justiça e de todas as outras virtudes, colocamos a semelhança do diabo, a ponto de podermos ser chamados de “serpentes, prole de víboras” (Mt 23:33). Também vestimos a vestimenta de leões, dragões e lobos quando nos tornamos cruéis, venenosos, astutos; e até assumimos a semelhança de uma cabra ou porco quando somos muito inclinados aos prazeres sensuais.
Lembro-me de ter dito um dia, ao explicar o trecho de Deuteronômio onde está escrito: “Não façam imagem alguma de homem ou mulher, nem imagem de qualquer ser vivo” (Dt 4:16–17), que, de acordo com “a lei espiritual” (Rm 7:14), alguns se formam à imagem de um homem, outros à de uma mulher, outros se assemelham a pássaros, répteis e serpentes; ainda outros se assemelham a Deus. Se você ler esta explicação, entenderá como essas palavras devem ser compreendidas.
Agora, primeiro a alma de Maria engrandece o Senhor e, depois, seu espírito se alegra em Deus. A menos que acreditemos primeiro, não poderemos nos alegrar. — Orígenes, Homilies on Luke 8, 1–4; PG 13, 1820–21

O APÓSTOLO JOÃO RECEBE MARIA COMO SUA MÃE 

Assim, devemos ser audazes e dizer que, enquanto os Evangelhos são as primícias de toda a Escritura, as primícias dos Evangelhos são o Evangelho de João, cujo significado profundo não pode ser percebido senão por aquele que repousou sua cabeça no peito de Jesus e que recebeu Maria como sua mãe também. Aquele que deseja ser outro João deve tornar-se assim para ser apontado por Jesus como outro João, isto é, outro Jesus. Embora Maria não tenha outro filho senão Jesus, como parece para aqueles que pensam corretamente sobre ela, Jesus disse a sua Mãe: “Eis o teu filho” (Jo 19:26), e não, “Eis que este homem também é teu filho.” Em outras palavras, ele disse a ela: “Este homem é Jesus, a quem você deu à luz.” Na verdade, quando alguém é perfeito, não é mais ele que vive, mas Cristo vive nele (cf. Gl 2:20); Por isso quando ele fala sobre si mesmo para Maria, ele diz: “Eis o teu filho”, isto é, Jesus Cristo. — Orígenes, Commentary on John 1:6; PG 14, 32

MARIA, HUMILDE E SIMPLES 

Não considero que valha a pena contestar acusações oferecidas sem seriedade e como uma piada [por Celso]: “A mãe de Jesus era bonita, talvez, e foi por causa de sua beleza que Deus, que por natureza não pode se apaixonar por um corpo incorruptível, a abraçou? Não era menos adequado que Deus se apaixonasse por uma mulher que não era rica nem de sangue real, já que nenhum homem a conhecia, nem mesmo seus vizinhos?” Ele também afirma, brincando, que “quando o carpinteiro começou a odiá-la e a descartou, nem o poder de Deus nem suas declarações de fidelidade puderam salvá-la. Não” — ele conclui — “tudo isso não tem nada a ver com o reino de Deus.” De que maneira isso difere das vilanias que alguns preferem falar nas ruas, cujas palavras não merecem atenção séria? — Orígenes, Against Celsus 1, 39; PG 11, 733

1.7 MARIA NA IGREJA PRIMITIVA EM ROMA 

Embora a Igreja de Roma desfrutasse de uma posição de primazia como a sede do sucessor de Pedro, ela não estava na vanguarda dos debates teológicos e desenvolvimentos dos primeiros séculos. Isso não significa que tenha sido ignorada ou desvalorizada por outras comunidades cristãs. A história parece testemunhar exatamente o oposto. Por exemplo, existem as declarações eloquentes e impressionantes do bispo Inácio de Antioquia, que morreu em Roma como mártir por volta do final do primeiro século. Ele usou palavras de extraordinário louvor e admiração pela Igreja Romana, em uma carta dirigida aos cristãos dessa comunidade:

A igreja que preside no lugar da região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de bem-aventurança, digna de louvor, digna de ser casta, que preside com caridade, é marcada com o nome de Cristo e com o nome do Pai.¹

Também sabemos que, por volta do final do primeiro século, sob o pontificado de Clemente I, a Igreja de Roma interveio energeticamente e com autoridade em ocasião de certos eventos lamentáveis na comunidade cristã de Corinto.²


Sua ausência nos debates teológicos desse período é provavelmente explicada pelo fato de que os problemas doutrinários que tão apaixonadamente dividiam o cristianismo oriental não haviam se estabelecido no Ocidente. Também deve-se levar em consideração a mentalidade romano-ocidental diferente, que se inclinava mais para questões práticas do que para especulações teológicas. No entanto, é precisamente em Roma antiga que observamos um fenômeno de interesse extremo do ponto de vista da história da religião: ou seja, a presença da figura da Mãe Virgem na iconografia.


Maria na Arte das Catacumbas 

Nas antigas catacumbas de Roma, encontramos uma abundância de evidências artísticas importantes para entender a fé e a vida cristã da época. Isso se manifesta em numerosos afrescos, que podem ser admirados até hoje, em condições mais ou menos boas, e que geralmente retratam cenas e personagens do Antigo e do Novo Testamento.


Para os cristãos daquela época, essas imagens constituíam uma forma de catequese fácil, destinada especialmente a pessoas simples e analfabetas, que talvez não se beneficiassem de uma abordagem que utilizasse documentos escritos de revelação e doutrina da Igreja. No entanto, certamente eram expressões da fé e piedade do povo cristão como um todo, que via as ideias e imagens que nutriam sua fé retratadas nesses quadros iconográficos.


Deve-se observar que a Mãe Virgem está presente desde o início nesses afrescos, que combinam catequese e devoção cristã. Enquanto em alguns exemplos sua presença é de importância secundária, em outros ela aparece como a figura central, representada como uma verdadeira protagonista. As cenas bíblicas em que Maria é retratada são aquelas do anúncio profético de sua maternidade, a Anunciação pelo anjo e a adoração dos Magos. Há uma referência constante ao mistério da Encarnação, no qual a relação entre Cristo e sua Mãe fica evidente. “Essas pinturas”, diz Wilpert, “melhor do que qualquer documento escrito do período das perseguições, caracterizam a posição de Maria na Igreja dos primeiros quatro séculos e mostram que, em termos de substância, ela era a mesma pessoa naquela época que se tornaria mais tarde.”³


A Virgem com o Profeta é o tema de um famoso afresco que ainda é admirado hoje nas catacumbas de Priscila, na via Salaria. Embora a parte inferior esteja deteriorada, o grupo pictórico pode ser considerado completo, pois não falta nenhum personagem essencial. A Virgem, vestida com uma estola e véu curto, está sentada em uma atitude de meditação, com a cabeça inclinada ligeiramente para frente, em direção ao ombro direito. Com ambas as mãos, ela segura no colo o bebê Jesus, nu, cuja cabeça está virada, como se alguém o tivesse chamado. No lado esquerdo da cena está a figura ereta de um profeta, segurando o rolo das Escrituras em sua mão esquerda e apontando para a Virgem com o indicador direito.


A figura desse profeta foi interpretada de várias maneiras por especialistas. Alguns, apontando para a estrela de oito raios sobre a cabeça de Maria, afirmam que é o profeta Balaão, que profetizou: “Uma estrela surgirá de Jacó, e um cetro se levantará de Israel” (Nm 24, 17). Outros consideram mais provável que seja Isaías, o profeta por excelência do Messias: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel” (Is 7, 14). Parece mais normal pensar em Isaías, quando se considera a figura do profeta apontando o dedo para Maria. Quanto ao simbolismo da estrela, é verdade que Isaías não a menciona ao falar da vinda do Messias, mas ele descreve, em poesia inspirada, a plenitude de luz que surgirá no nascimento do Messias-Redentor: “Levanta-te, resplandece, porque a tua luz chegou, e a glória do Senhor se levanta sobre ti” (Is 60, 1).


Indiscutivelmente, esta é a representação pictórica mais antiga e bela da Mãe Virgem que sobreviveu do cristianismo romano do início do segundo século.


Uma representação posterior da Virgem na postura orante e com o filho em seu colo foi descoberta no chamado Grande Cemitério (Cimitero Maggiore), na via Nomentana. Este afresco data de meados do quarto século.


O relato do Evangelho da Anunciação tornou-se parte da arte das catacumbas bastante cedo. Encontramos isso em um afresco nas catacumbas de Priscila, do final do segundo século, e em uma cripta das catacumbas de São Pedro e Marcelino, onde o afresco parece datar do terceiro século.

Esses dois afrescos têm um significado e importância particulares não apenas para a arte paleocristã, mas também para a história da teologia e devoção. Enquanto em outras cenas do Evangelho o personagem principal é Cristo, e Maria aparece como uma figura secundária, na Anunciação não há dúvida de que ela é a protagonista principal.


Os criadores desses afrescos devem ter desejado interpretar os sentimentos especiais dos primeiros cristãos de Roma pela Mãe do Senhor, em particular o respeito e a admiração por ela. O anjo, vestido nas mesmas roupas observadas nas imagens dos santos, é retratado em pé na frente da figura da Virgem, com a mão direita erguida, como se estivesse prestes a falar. Maria, ao contrário, recebe a mensagem divina enquanto está sentada em uma cadeira. Sem dúvida, esse detalhe pretende indicar sua superioridade sobre o anjo. 


O afresco nas catacumbas de Priscila merece consideração especial. Não é apresentado como um painel de uma série de representações dos mistérios da vida do Senhor. Se fosse assim, a cena teria que ser interpretada como um momento dentro de uma sequência pictórica. Em vez disso, a Anunciação é um único afresco, completamente isolado, a única cena em uma parede inteira. Isso mostra que, neste caso, o artista estava diretamente preocupado com a figura de Maria e o mistério da Mãe Virgem.


A Adoração dos Magos é a pintura nas catacumbas em que Maria é mais frequentemente retratada. Ela é sempre representada sentada em uma cadeira, com o jovem Jesus em seus braços, enquanto os Magos são mostrados se aproximando para adorar a criança e oferecer seus presentes. Jesus é claramente o centro em torno do qual todos os elementos do afresco convergem. É a ele que os Magos se dirigem, e é ele que está sendo apresentado por sua Mãe. Sua posição sentada mostra que ela era considerada pelo artista como alguém que merecia atenção e respeito especiais.

Nesses elementos pictóricos, sóbrios como são, vemos certas pistas do lugar importante que a Virgem Maria começou a ter, muito cedo, na fé e devoção do povo cristão nos primeiros séculos. A arte é uma testemunha muito eloquente, pois não fala aos ouvidos, mas diretamente à alma, por meio de suas linhas e cores.


Um Testemunho da Tradição Apostólica: Hipólito de Roma (m. 235)

 Entre o final do segundo século e as primeiras décadas do terceiro século, viveu em Roma um autor que continua a despertar notável interesse devido às suas informações valiosas sobre a constituição e vida da Igreja nos primeiros três séculos. Este foi o sacerdote e mártir Hipólito. Ele quase certamente não era de origem latina, mas, tendo se tornado sacerdote da Igreja Romana, exerceu seu ministério e produziu seus escritos prolíficos na capital imperial. Tanto austero quanto ambicioso, ele se opôs ao Papa Calisto, a quem acusou de laxismo no tratamento de cristãos que haviam caído em pecado grave. Seus seguidores o elegeram bispo de Roma, em oposição a Calisto, tornando-se assim o primeiro antipapa da história da Igreja. Preso pelas autoridades imperiais e deportado para a Sardenha junto com o Papa Ponciano, Hipólito foi reconciliado com a Igreja antes de sua morte em 235.


Seu corpo foi levado de volta a Roma e enterrado pelo Papa Fabiano no cemitério da via Tiburtina, hoje chamado de cemitério de São Hipólito. Ele logo foi venerado e invocado como mártir, conforme atesta um grafito perto da entrada do cemitério: Ippolito, in mente habeas Petrum peccatorem (Ó Hipólito, lembra-te de Pedro, um pecador).


Em suas obras, há inúmeras alusões e referências à Virgem Maria, que estão estritamente ligadas a um contexto cristológico. Hipólito está ciente de que as heresias que alteram a doutrina correta sobre Jesus Cristo afetam inevitavelmente sua Mãe também. Ela desempenha um papel essencial no mistério da Encarnação, de modo que, se a natureza de sua relação com o Filho de Deus feito homem não for exatamente definida, a pureza da fé no mistério da Palavra encarnada fica ameaçada.

Hipólito acusa os hereges de oferecerem uma imagem deformada de Cristo ou de afirmarem abertamente a existência de mais de um Cristo. Isso aconteceu no caso extremo de certos gnósticos que descobriram nada menos que três Cristos: o primeiro sendo a Palavra trinitária; o segundo, uma espécie de demiurgo (ou seja, um ser intermediário entre Deus e a criação); e o terceiro sendo o homem Cristo, nascido de Maria para se tornar nosso Salvador.


Para dizer a verdade, Hipólito ele mesmo caiu em afirmações errôneas sobre o mistério da geração eterna do Filho do Pai dentro do mistério trinitário. Mas suas reflexões sobre a Encarnação estão formuladas de maneira perfeitamente conforme ao ensinamento da fé. Ele explica mais de uma vez como o Filho de Deus teve que assumir nossa carne da Virgem Maria para nos salvar:

Estando fora da carne, a Palavra de Deus assumiu a santa carne da santa Virgem; como um noivo, ele preparou para si mesmo aquela vestimenta que ele teceria junto com seus sofrimentos na cruz… Dessa forma, ele pretendia obter a salvação para o homem, que estava perecendo.⁴

Em outra obra, Hipólito oferece uma síntese clara e completa da fé da Igreja no mistério da Encarnação:

Acreditemos, irmãos abençoados, de acordo com a tradição dos apóstolos, que Deus, a Palavra, desceu do céu e entrou na santa Virgem Maria. Assim, recebendo sua carne dela e assumindo uma alma humana (ou seja, racional) e tornando-se tudo o que o homem é, exceto o pecado, ele poderia salvar o homem caído e conferir imortalidade a todos os homens que creem em seu nome.⁵

Impressionado com as profundezas ocultas desse evento, Hipólito é instintivamente movido a perguntar à Virgem se ela pode lançar alguma luz sobre esse mistério:

Diga-me, ó abençoada Maria, quem você concebeu em seu ventre virginal? Sim, mesmo a Palavra primogênita de Deus, que desceu do céu para você e foi formada, o primogênito do homem, em seu ventre, para que a Palavra primogênita de Deus pudesse aparecer unida ao primogênito do homem.⁶

Nosso autor destaca a superioridade de Cristo sobre todas as coisas criadas, insistindo em dar a ele os títulos de “primogênito do Pai” e “primogênito da Virgem”, inspirados, respectivamente, em São Paulo e no evangelista Lucas. Reproduzimos um texto significativo:

O Filho é o primogênito de tudo: primogênito de Deus, para que fique claro que ele é o Filho de Deus e o segundo após o Pai; primogênito antes dos anjos, para que fique claro que ele é Senhor dos anjos; primogênito da Virgem, para que seja evidente que ele recria em si mesmo o primeiro Adão formado; primogênito dentre os mortos, sendo ele mesmo as primícias de nossa ressurreição.⁷

O título “primogênito da Virgem” será atribuído comumente a Jesus em uma era posterior, quando será invocado como uma das bases bíblico-patrísticas da doutrina da maternidade espiritual de Maria em relação a todos os homens. Pois, se Jesus é o primogênito de Maria, ela deve ter outros filhos; ou seja, todos os homens salvos pelo sacrifício do Redentor. Mas, no tempo de Hipólito, ainda era cedo para uma reflexão desse tipo.


Hipólito atribui a João, o Precursor, o papel de primeiro arauto das boas novas da concepção do Salvador no ventre da Virgem pelo Espírito Santo. Ele afirma que esse grande anúncio de salvação foi direcionado às crianças renascidas do ventre da Igreja. Por isso, as boas novas foram proclamadas por uma criança ainda oculta no ventre de sua mãe.


Podemos certamente fazer um julgamento positivo da doutrina mariana de Hipólito. Ele foi um dos primeiros escritores cristãos a apreciar a importância do papel de Maria no mistério da Encarnação e da salvação humana.


Novaciano, um Herege que Defende a Maternidade de Maria 

Novaciano também era um sacerdote da Igreja Romana e contemporâneo de Hipólito. A reputação com a qual ele passou para a história não é nada lisonjeira e, para dizer a verdade, vários erros são encontrados em seus escritos. Entre outras coisas, ele nega que a morte de Cristo tenha qualquer eficácia expiatória, o que a reduziria a uma mera prova de sua natureza humana. Além disso, ele enfatiza exageradamente a fé e a moralidade que um cristão é chamado a praticar nesta vida, desvalorizando a eficácia da obra de Deus pela graça e pelos sacramentos. Além disso, ele se apega a ideais utópicos sobre a constituição de uma Igreja totalmente pura e santa, chegando ao ponto de provocar um cisma quando o Papa Cornélio foi eleito em 251.


No entanto, Novaciano era um homem de estatura intelectual considerável e nos deixou uma obra sobre a teologia trinitária que, considerada como um todo, constitui uma etapa fundamental no desenvolvimento doutrinário da Igreja Latina.⁸ Provavelmente, ele morreu como mártir. Se isso for verdade, pelo supremo ato de martírio, Novaciano pode ter salvo sua própria vida, que, do ponto de vista cristão, dificilmente era edificante.


No entanto, devemos reconhecer que, não obstante os erros encontrados em seus ensinamentos, Novaciano se expressou corretamente e com respeito ao falar da Bem-Aventurada Virgem. Ele defendeu sua maternidade contra aqueles hereges que a negavam de qualquer maneira. Ele disputou com eles de forma bastante enfática:

Nós não reconhecemos o Cristo dos hereges que [eles dizem] era apenas uma aparência e não real… nem aquele Cristo que não tem um corpo como o nosso porque, afirmam, ele não tomou nada de Maria.⁹

Pelo contrário, Novaciano defende a realidade do corpo de Cristo, nascido da Virgem Maria. Ele reconhece plenamente que negar isso seria equivalente a negar a realidade da salvação, que ele entende como a resposta da fé ao ensino do Filho de Deus tornado Filho do Homem.

Infelizmente, seu conceito da maternidade divina de Maria permanece sutilmente manchado pela mentalidade subordinacionista com a qual trata o problema da relação entre o Pai e o Filho dentro do mistério trinitário.


Concluindo esta breve análise da situação da Igreja Romana nos primeiros séculos, podemos reconhecer que, mesmo em Roma, não faltava a preocupação com o perigo de alguma heresia se infiltrar nos fiéis. No geral, no entanto, a situação doutrinária parece bastante tranquila. A fé e devoção dos cristãos romanos em relação à Mãe do Senhor poderiam ser caracterizadas como tranquilas e recompensadoras, se pudermos tirar conclusões dos afrescos das catacumbas mencionados anteriormente. A Mãe que segura o Filho de Deus em seus braços deve ter infundido coragem e força para perseverar nos cristãos desta Igreja, que em seus primeiros séculos podia contar inúmeros mártires entre seus fiéis.


LEITURAS

CRISTO, FLOR VIRGINAL

Ao chamá-lo de “filhote de leão” aquele que descendeu de Judá e Davi, o profeta [Jacó] indicou o Filho de Deus tornado homem; e ao dizer: “De um broto, meu filho, você subiu” (Gn 49:9), ele previu o fruto que floresceu da santa Virgem, não gerado pela semente de Davi, mas concebido pela obra do Espírito Santo, brotado da terra como de um botão. Pois Isaías diz: “Um broto brotará do toco de Jessé, e um ramo florescerá de suas raízes” (Is 11:1). Aquele a quem Isaías chama de ramo, Jacó chama de broto; pois a Palavra primeiro brotou [no ventre], depois floresceu no mundo. — Hipólito, Christ and Antichrist 8; PG 10, 733–36

GERADO PELO PAI SEGUNDO O ESPÍRITO, POR SUA MÃE SEGUNDO A CARNE

Pois a Escritura diz: “Jacó o amou [José] porque era o filho de sua velhice” (Gn 37:3). Assim, em um mundo que envelhecera e estava totalmente perdido, o Filho de Deus, que havia sido manifestado e nascido da Virgem, apareceu aos olhos do Pai como “o filho da velhice”. Mesmo antes de todas as eras, desde a eternidade, ele está com Deus.
“Pela bênção dos seios e do ventre de seu pai e de sua mãe” (Gn 49:25–26, Septuaginta). Bênção dos seios: ou melhor, dos dois Testamentos, dos quais emanou a pregação que anunciava a futura aparição da Palavra no mundo; seios com os quais ele nos amamenta e alimenta, nos apresentando a Deus como filhos. Ou ele designa com essas palavras os seios de Maria, dos quais ele mamou, seios que foram abençoados e dos quais uma mulher, clamando, disse: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os seios que mamaste!” (Lc 11:27).
Ao dizer além disso, “E da bênção do ventre de seu pai e de sua mãe”, o profeta está predizendo um mistério espiritual. Pois ele poderia ter dito: “E da bênção do ventre de sua mãe”, para indicar, com esta expressão, Maria, em cujo ventre a Palavra foi carregada por nove meses. No entanto, ele não disse isso; em vez disso, ele diz: “e da bênção do ventre de seu pai e de sua mãe”. Unindo as duas ideias dessa maneira, ele as tornou uma única realidade, para que fosse claramente entendido que tanto aquilo que existe segundo o espírito quanto aquilo que é segundo a carne pertencem a esta única Pessoa. Pois a Palavra procedeu de um coração do Pai e do ventre santo [de Maria], nascendo de um ventre do Pai, como ele diz pela boca do profeta: “Meu coração fala uma boa Palavra” (Sl 45:1).
No entanto, nos últimos dias, Ele veio, segundo a carne, de um ventre virginal, depois de ter sido carregado por nove meses, para que, depois de ter nascido uma segunda vez do ventre de Sua Mãe, pudesse se manifestar visivelmente. Por isso, Ele diz, também através do profeta: “Assim diz o Senhor, que me formou no ventre [de minha Mãe] para ser seu servo” (Is 49:5). — Hipólito, On the Blessings of the Patriarchs 1; PO 27, 108–12

1.8 O FIM DA ERA PRÉ-NICENSIANA 

O período da segunda metade do terceiro século até o Concílio de Niceia (325) foi um tempo de considerável importância histórica. Mudanças radicais na relação do Império Romano com a Igreja Cristã ocorreram durante este período. Depois de ter sido proscrita e perseguida, a Igreja alcançou um status legítimo. Isso significava que a atitude de reserva, suspeita e hostilidade da sociedade civil em relação à Igreja poderia começar a desaparecer. 


Embora as políticas dos imperadores romanos, a partir do édito de Constantino, favorecessem a substituição progressiva da religião pagã pelo cristianismo, elas também levaram ao fenômeno prejudicial do Cesaropapismo. Isso frequentemente representava um problema sério, não apenas para o governo pastoral da Igreja, mas também para o funcionamento do Magistério. 


No final deste período, a atividade teológica permaneceu em um período de estase. Como resultado, encontramos relativamente poucas evidências literárias de qualquer desenvolvimento significativo na doutrina mariana. Com o surgimento da heresia ariana, o cristianismo foi envolvido em uma grave crise doutrinária que questionava o dogma da Trindade e suas implicações cristológicas. Consequentemente, os líderes cristãos dedicaram toda a sua reflexão teológica e trabalho apologético para defender a ortodoxia contra as desvios heréticos de Ário e seus seguidores, cuja influência se espalhou virtualmente por toda parte entre a população do Império Romano, infectando até mesmo os povos bárbaros. 


O tema dominante no debate teológico naquela época era a consubstancialidade eterna da Palavra de Deus com o Pai. Comparada ao mistério central da Santíssima Trindade, a doutrina mariana permaneceu um tanto à sombra. Poucos indícios disso são encontrados em obras deste período. Em Roma, na África, Cipriano, bispo de Cartago e mártir (m. 258), foi o primeiro autor a ver uma conexão recíproca entre o texto de Gênesis 3,15 e Isaías 7,14: 

Está escrito no profeta Isaías: “E o Senhor falou novamente a Acaz, dizendo: ‘Peça um sinal ao Senhor, seu Deus… Portanto, o Senhor mesmo lhes dará um sinal: Eis que uma virgem conceberá no ventre e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel. Ele comerá coalhada e mel; antes que ele saiba ou traga para fora o mal, ele o trocará pelo bem’” (Is 7:10–15). Deus havia previsto que a semente destinada a esmagar a cabeça do diabo sairia de uma mulher. Em Gênesis, está escrito: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e a dela. Ele esmagará a sua cabeça, e você ferirá o seu calcanhar” (Gn 3:15).¹

Por volta de 330, o poeta latino Juvencus, de origem espanhola, compôs uma obra poética intitulada Evangeliorum Libri, uma espécie de paráfrase em verso dos quatro Evangelhos. Nela, o autor apresenta uma imagem sóbria, delicada e encantadora da Bem-Aventurada Virgem. Quando Juvencus apresenta os episódios do Evangelho que mencionam Maria, ele a retrata como uma verdadeira protagonista ao lado de seu Filho.²


No Oriente, aparece o famoso Gregório, o Taumaturgo (m. ca. 270), que estudou sob Orígenes por cinco anos na escola de Cesareia, na Palestina. A tradição erroneamente atribui numerosas homilias pseudo-epigráficas sobre Maria a Gregório, o Taumaturgo. Gregório de Níssa escreveu sua biografia, na qual encontramos o Taumaturgo retratado como o destinatário da primeira aparição mariana relatada na história da Igreja.


LEITURA 

MARIA APARECE AO JOVEM GREGÓRIO, O TAUMATURGO 

Enquanto [Gregório] passava uma noite sem dormir por causa dessas preocupações, alguém apareceu a ele em forma humana, de aparência idosa, vestido com roupas que denotavam uma dignidade sagrada, com um rosto caracterizado por uma sensação de graça e virtude. Gregório, assustado, levantou-se da cama e perguntou quem ele era e por que havia vindo. 
O outro, com voz suave, depois de acalmar sua angústia, disse a Gregório que ele havia aparecido por vontade divina, por causa das perguntas que Gregório achava ambíguas e confusas, para revelar a ele a verdade da fé piedosa. Depois de ouvir estas palavras, Gregório recuperou sua serenidade e começou a observar o outro homem com uma certa alegria e admiração. 
O outro então levantou a mão, como se quisesse apontar, com o dedo indicador, algo que havia aparecido diante dele. Gregório, virando o olhar na direção indicada pela mão do outro homem, viu diante dele outra figura, que havia aparecido não muito tempo antes. Esta figura tinha a aparência de uma mulher, cujo aspecto nobre ultrapassava em muito a beleza humana normal. Gregório ficou novamente perturbado. Virando o rosto, desviou o olhar e ficou perplexo; ele não sabia o que pensar dessa aparição, que não conseguia suportar olhar com os olhos. Pois o caráter extraordinário da visão residia nisso: embora fosse uma noite escura, uma luz estava brilhando, assim como a figura que havia aparecido a ele, como se uma lâmpada acesa tivesse sido colocada ali. 
Embora não conseguisse olhar para a aparição, Gregório ouviu o discurso daqueles que haviam aparecido, enquanto discutiam os problemas que o afligiam. A partir de suas palavras, Gregório não apenas obteve uma compreensão exata da doutrina da fé, mas também pôde descobrir os nomes das duas pessoas que haviam aparecido a ele, pois eles se chamavam pelo nome. 
Diz-se que ele ouviu aquele que havia aparecido em forma feminina exortando João Evangelista a explicar ao jovem o mistério da verdadeira [fé]. João, por sua vez, declarou que estava completamente disposto a agradar a Mãe do Senhor até mesmo nesse assunto e que isso era a coisa mais próxima de seu coração. E assim, encerrando a discussão, e depois de torná-la bastante clara e precisa para ele, os dois desapareceram de sua vista. — Gregório de Nissa, Life of St. Gregory the Wonderworker, PG 46, 909–12

Gambero, L. Mary and the Fathers of the Church: The Blessed Virgin Mary in Patristic Thought (1ª parte, pp. 22-73). Ignatius Press.



 

Notas:


Prológio

1 Adolf von Harnack, History of Dogma, trans. from the 3d German ed.by Neil Buchanan (New York: Dover Publications, 1961), vol. 2.2 Walter Delius, Geschichte der Marienverehrung (Munich: E. Reinhardt,1963), p. 35.

1. OS PAIS APOSTÓLICOS

1 Cf. Hilda Graef, Mary in Doctrine and Devotion, 2 vols. (Nova York: Sheed and Ward, 1964). 

2 To the Magnesians 8, 2. 

3 To the Ephesians 15, 1. 

4 Ibid., 15, 2. 

5 To the Philadelphians 1, 1. 

6 Três edições das cartas de Inácio foram compiladas: uma longa, uma curta e uma de comprimento médio. Em geral, os estudiosos modernos excluem as duas primeiras como não autênticas e aceitam a autenticidade da versão de comprimento médio, que compreende sete cartas: Efésios, Magnésios, Tralianos, Romanos, Filadélfios, Esmirneus e Policarpo. Joseph Barber Lightfoot, em The Apostolic Fathers (Londres, Nova York, 1889–1890), vol. 1, pt. 2, encerrou a controvérsia demonstrando a autenticidade dessas sete cartas. Uma publicação recente de Josep Rius-Camps, The Four Authentic Letters of Ignatius, the Martyr, Orientalia Christiana Analecta, 213 (Roma: Pontificium Institutum Orientale, 1980), não parece desacreditar as conclusões de Lightfoot. 

7 To the Romans 4, 1–2. 

8 To the Ephesians 7, 2. 

9 Ibid., 18, 2. 

10 To the Trallians 9, 1. 

11 To the Smyrnaeans 1, 1. 

12 To the Ephesians 19, 1.

1.2 OS APÓCRIFOS DO NOVO TESTAMENTO

1 Para uma tradução em inglês dos apócrifos do Novo Testamento, consulte James Keith Elliott, The Apocryphal New Testament (Oxford: Clarendon Press, 1993). 

2 “E enquanto estavam sozinhos, Maria olhou para cima e viu uma criança pequena, e ela ficou assustada. E naquele mesmo momento, seu útero foi encontrado como havia sido antes de ela conceber” (Robert Henry Charles, trad., rev. por J. N. T. Barton em H. F. D. Sparks, ed., The Apocryphal Old Testament [Oxford: Clarendon Press, 1984], pp. 809–10). Este texto apócrifo, que mostra fortes influências gnósticas, data do final do primeiro século ou início do segundo século. 

3 Tradução para o inglês em Sparks, Apocryphal Old Testament. Este foi escrito na primeira metade do segundo século. 

4 Tradução para o inglês por R. M. Wilson, The Gospel of Philip (Londres: A. R. Mowbray, 1962). 

5 Elliott, Apocryphal New Testament, pp. 123–47. 

6 Em Matth. 28; PG 13, 1637. 

7 Michel Testuz, Papyrus Bodmer V: Nativité de Marie (Colônia-Genebra: Bibliotheca Bodmeriana, 1958). 

8 Constantin von Tischendorf, Evangelia Apocrypha (Leipzig: H. Mendelssohn, 1876), pp. 1–49. 

9 Emile de Strycker, La Forme la plus ancienne du Protévangile de Jacques, Subsidia Hagiographica, 33 (Bruxelas: Societe des Bollandistes, 1961). 

10 Veja Elliott, Apocryphal New Testament, pp. 48–49. 

11 Ibid., p. 58. 

12 Ibid., p. 59. 

13 Ibid. 

14 Ibid., p. 60. 

15 Ibid., pp. 60–61. 

16 Ibid., p. 61. 

17 Ibid. 

18 Ibid. 

19 Ibid. 

20 Ibid. 

21 Ibid., p. 62. 

22 Ibid., p. 62 .Aqui nosso texto está evidentemente recontando o relato do Evangelho da incredulidade do apóstolo Tomé (cf. Jo 20:24–29).

23 Aqui nosso texto está evidentemente recontando o relato do Evangelho da incredulidade do apóstolo Tomé (cf. Jo 20:24–29).

24 Theodore Koehler, S.M., Maria nei primi secoli, Fons signatus, 10 (Vercelli: Centro Mariano Chaminade, 1971), p. 21.

25 Cf. Licinio M. Peretto, La Mariologia del Protovangelo di Giacomo (Roma, 1955); idem, “La ‘Natività di Maria’”, Marianum 22 (1960): 176–96; idem, “Recenti ricerche sul Protovangelo di Giacomo”, Marianum 24 (1962): 129–57; Iidouard Cothenet, “Marie dans les Apocryphes”, in Maria, ed. Hubert Du Manoir, vol. 6 (Paris: Beauchesne, 1961), pp. 73–156.

1.3 OS APOLOGISTAS DO SEGUNDO SÉCULO

1 A primeira edição crítica das obras desses escritores é de J. C. Otto, Corpus Apologetaarum Christianorum saeculi secundi, 9 vols. (Jena, 1847–1872). 

2 Hist. Eccl. 4, 3. 

3 De viris illustribus 20; Epist. 70, 4. 

4 PG 96, 1108–24. 

5 Ibid. 

6 Tradução para o inglês em Alexander Roberts e James Donaldson, eds., The Ante-Nicene Fathers, vol. 1 (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1926), pp. 305–6. 

7 Hist. Eccl. 4, 18. 

8 Apologia I, 12; PG 6, 345. 

9 Ibid., 33; PG 6, 380. 

10 Ibid. 

11 John Henry Newman, A Letter to the Rev. E. B. Pusey on His Recent Eirenicon (Londres: Longmans, Green, Reader, and Dyer, 1866). 

12 Dialogue with Trypho 100; PG 6, 709–12. 

13 Uma edição crítica desta homilia e de fragmentos de outras escritas de Melito é de Othmar Perler, Méliton de Sardes: Sur la Pâque et fragments, SC 123 (Paris: Editions du Cerf, 1966).

1.4 IRINEU DE LIÃO

1 Hist. Eccl. 5, 24. 

2 Historia Francorum 1, 27. 

3 Irineu mesmo enfatiza isso: “Como ouvi de certo presbítero, que ouviu de homens que viram os apóstolos, e de outros que os ouviram” (Adv. haer. 4, 27; PG 7, 1056). 

4 Infelizmente, não possuímos o texto grego original do Adversus haereses em sua totalidade. No entanto, temos uma versão completa em latim, que, devido à sua antiguidade, possui grande valor. Parece ter sido conhecida por Santo Cipriano, então pode ser datada por volta de 250. Migne, em PG 7, tem o texto em latim e as perícopes gregas que sobreviveram. A melhor edição crítica é Sources Chrétiennes 263–64 (livro 1), 293–94 (livro 2), 210–11 (livro 3), 100 (livro 4), 152–53 (livro 5). 

5 Adv. haer. 3, 18; PG 7, 932. 

6 Ibid. 

7 Ibid., 5, 21; PG 7, 1171. 

8 Ibid., 4, 34; PG 7, 1083–84. 

9 Ibid., 3, 22; PG 7, 959–60. 

10 Ibid., 5, 19; PG 7, 1175–76. 

11 Proof of the Apostolic Preaching 33, SC 62, pp. 83–86. Esse parágrafo pode ser visto como uma expressão do cerne do pensamento de Irineu. Ele retorna a esse tema repetidamente. 

12 Na verdade, em outro texto, Irineu aplica o termo parákletos ao Espírito Santo, em oposição ao termo acusador, significando o diabo: “Para que onde temos um acusador, possamos também ter um advogado” (Adv. haer. 3, 17; PG 7, 930). 

13 Cf. Eberhard Neubert, Marie dans l’Eglise anteniceenne (Paris: J. Gabalda, 1908), p. 264.

1.5 INÍCIOS DA DOUTRINA MARIANA NA IGREJA LATINA: TERTULIANO

1 É suficiente recordar o exemplo de Santo Cipriano, que, embora não reconhecesse nenhuma primazia jurisdicional do bispo de Roma (cf. De unitate Ecclesiae 4; Epist. 71, 3), sempre manifestou uma veneração profunda e sincera pela Igreja Romana, à qual atribui um papel primordial na tarefa de garantir a fé e a unidade da Igreja universal (cf. Epist. 59, 14). 

2 Estes são os mártires de Scillium, na Numídia, mortos em Cartago em 17 de julho de 180 (cf. “Os Atos dos Mártires de Scillitan”, em Herbert Musurillo, trad., Os Atos dos Mártires Cristãos [Oxford: Clarendon Press, 1972], pp. 86–89). Também perto de Cartago, por volta de 203, ocorreu o martírio de Perpétua, Felicidade e companheiros (cf. “O Martírio das Santas Perpétua e Felicidade”, em Musurillo, Mártires Cristãos). 

3 Temos o testemunho de Santo Cipriano (Epist. 70, 1; 71, 4; 73, 3) e de Santo Agostinho (De unico baptismo contra Petilianum 13, 22; De baptismo contra Donatistas 3, 12, 17). Cf. Hefele-Leclerq, Histoire des Conciles, vol. 1, pt. 1 (Paris, 1907), pp. 154–56. 

4 De carne Christi 5, 4–5; PL 2, 806. 

5 Ibid., 9, 2; PL 2, 817. 

6 Adversus Marcionem 4, 19, 11; PL 2, 435. 

7 De carne Christi 20, 1; PL 2, 830–31. 

8 Ibid., 21, 5; PL 2, 833–34. 

9 Ibid., 18, 1–3; PL 2, 828. 

10 Ibid., 23, 1–5 passim; PL 2, 835–36. 

11 De monogamia 8, 2; PL 2, 989. 

12 De carne Christi 17, 5; PL 2, 828.

1.6 DOIS GRANDES MESTRES DA ESCOLA DE ALEXANDRIA: CLEMENTE DE ALEXANDRIA E ORÍGENES

1 A história da tradição mariana no Egito, desde seus primórdios até os dias atuais, foi traçada com competência magistral por Gabriele Giamberardini, Il culto mariano in Egitto, 3 vols. (Jerusalém: Franciscan Printing Press, 1974–1978).

2 M. C. H. Roberts e E. G. Turner, eds., Catalogue of the Greek and Latin Papyri in the John Rylands Library, Manchester (Manchester: Manchester Univ. Press, 1938), 3:46; F. Mercenier, “L’Antienne mariale grecque la plus ancienne”, Le Museon 52 (1939): 229–33; O. Stegmüller, “Sub tuum praesidium: Bemerkungen zur ältesten Ueberlieferung”, Zeitschrift für katholische Theologie 74 (1952): 76–82.

3 Stromata 6, 15; PG 9, 349; GCS 15, 496.

4 Uma referência ao Protoevangelho de Tiago 19:1–20, 1; ver James Keith Elliott, The Apocryphal New Testament (Oxford: Clarendon Press, 1993).

5 Na verdade, isso vem do apócrifo Pseudo-Ezequiel, que outros autores cristãos antigos também citam como canônico. Cf. Tertuliano, De carne Christi 23; PL 2, 790.

6 Stromata 7, 16; PG 9, 529–30; GCS 17, 66.

7 Paedagogus 1, 6; PG 8, 300–301; GCS 12, 115.

8 Comentário sobre João 10, 6; PG 14, 316; SC 157, 396–98.

9 Ibid. 20, 30; PG 14, 641–44; GCS 10, 367.

10 Comentário sobre a Carta aos Gálatas, PG 14, 1298.

11 História da Igreja 7, 32; PG 67, 812.

12 Comentário sobre João 32, 16; PG 14, 784; GCS 10, 452.

13 Comentário sobre a Carta aos Romanos 3, 10; PG 14, 956–57.

14 Tratado sobre os Primeiros Princípios (Peri Archon) 2, 6, 5–6; PG 11, 214; SC 252, 318–20.

15 Comentário sobre João 1, 4; PG 14, 32; GCS 10, 8–9.

16 Comentário sobre Mateus 10, 17; PG 13, 876–77; GCS 40, 21–22.

17 Fragmentos sobre Mateus 281; GCS 41/1, 126.

18 Aos Efésios 19, 1.

19 Homilias sobre Lucas 6, 3–4; PG 13, 1814–15; SC 87, 144–46.

20 Cf. Giamberardini, Culto mariano, 1:126, n. 192.

21 Cf. Cipriano Vagaggini, Maria nelle opere di Origene, Orientalia Christiana Analecta, 131 (Roma: Pontificium Institutum Orientale, 1942), p. 158, n. 91. Este é um dos melhores estudos sobre o pensamento mariológico de Orígenes, juntamente com o de Henri Crouzel, “La Theologie mariale d’Origene”, em Origene: Homelies sur St. Luc, intro., SC 87.

22 Cf. Giamberardini, Culto mariano, 1:126–27.

23 Homilia sobre Lucas 17, 6–7; PG 13, 1845; SC 87, 256–58.

24 Ibid. 7, 4; PG 13, 1818; SC 87, 158.

1.7 MARIA NA IGREJA PRIMITIVA EM ROMA

1 Carta aos Romanos 1. 

2 Carta aos Coríntios. 

3 J. Wilpert, Die Malereien der Katakomben Roms, vol. 1 (Freiburg im Breisgau: Herdersche Verlagshandlung, 1903), p. 197. 

4 Christ and Antichrist 4; PG 10, 732; GCS 1, 2, 6–7

5 Against Noetus 17; PG 10, 826–27

6 Eranistes, Dial. 1; PG 83, 88

7 Comentário sobre Daniel 4, 11; GCS 1, 1, 212–14

8 Cf. R. J. De Simone, The Treatise of Novatian, the Roman Presbyter on the Trinity, Studia ephemeridis Augustinianum, 4 (Roma: Institutum patristicum, 1970). 

9 On the Trinity 10; PL 3, 929.

1.8 O Fim da Era Pré-Niceniana

1 Book of Testimonies 2, 9; PL 4, 704; CSEL 3, 1, 73.2 Ibid., 1, 52–79; CSEL 24, pp. 6–7; 1, 296–306, pp. 18–19; 2, 135–38, p.47; 2, 725–32, p. 74.

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