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  • Daniel Arthur

Imaculada Conceição em São Tomás de Aquino: Resposta à página SolusVerse



Introdução


Nos idos e vindos pela internet, descobri recentemente que um rapaz apologista protestante (jovem, por sinal) escreveu um artigo no Medium tratando do tema da Imaculada Conceição de Maria (pode ser lido Aqui) no qual objetivaresponder aos católicos que defendem a tese de Lagrange e Rossi – a saber, que São Tomás, embora tenha negado a Imaculada Conceição na Suma, voltou a defende-la no Expositio Salutationis Angelicae. Pois bem, como eu tenho já dois artigos escritos sobre essa questão (Aqui e Aqui), o autor citou um deles almejando refutá-lo, tanto que termina o seu texto dizendo: “Se isto não é refutação suficiente, não sei mais o que é”.

Aqui demonstrarei que nosso autor não sabe mesmo o que seja refutação. Mas acalme-se, hoje aprenderá. De fato, “refutação” é uma palavra vazia de sentido no dicionário da maioria dos apologistas protestante. Coloque-a na balança... nada pesa, eis um verdadeiro flatusvocis...

Bom, vamos logo ao que interessa.


A expressão “nec originale” no opúsculo tomasiano


O nosso autor objeta que a expressão “nec originale” não constaria no original da obra de São Tomás, mas que se trataria de uma interpolação tardia. Vejam o que ele diz (as falas dele virão sempre em vermelho):


Há inúmeras evidências de interpolação textual, podendo ter sido adicionada por copistas posteriores. Segundo algumas fontes, como a da Fraternidade Newman, dos 19 manuscritos, 16 constam esta variante textual. Ora, uma grande parte dos historiadores considera que o termo “Nec Originale” é uma variante textual, o que sugere que a maior quantidade de manuscritos não possui esta interpolação, ao contrário do que os historiadores citados pela Fraternidade Newman (como os historiadores do Comentário da Ave Maria para a versão S. ThomaeAquinatis Expositio salutationisangelicae, Introductio et textus e o famoso historiador Róssio) estão dizendo, sobre os manuscritos.


Ele diz que uma grande parte dos historiadores considera que o termo “nec originale” seja uma interpolação e, para tanto, sugere que “a maior parte dos manuscritos não possui a interpolação (sic)”. Mas só ficou nisso mesmo, na sugestão; pois ele não trouxe um único manuscrito em que a tal “interpolação” estivesse ausente, mas se contentou em citar Richard Gibbings, já citado pelo Bruno Lima em seu debate com o Rafael Rodrigues:


Richard Gibbings é um grande historiador e apologista protestante. Em seu livro acadêmico Forjarias Romanas E Falsificações Ou Um Exame de Adulterações E Recordações Corrompidas: Com Referências Especiais Ao Papado (1849), aborda este tema, da seguinte forma:

A fonte imediata desta interpolação foi provavelmente o Ofício da Imaculada Conceição, elaborado por Leonard Nogaroles, Protonotário Apostólico; [Conf. Waddingi Legado. de conceito. VirgMariae, Seção iii. págs. 328–33. Lovan. 1624.] pois vejo as palavras em questão ali, no fol. ccccxxx., do BreviariumRomanum, Lugd. 1508. Outro Ofício do mesmo tipo, composto por Bernardinus de Busti, e autorizado por uma Lei do Papa Sisto IV., sig. I. Médio. 1492, contém dois extratos professos de Tomás de Aquino. A primeira delas é: “Maria purissima fuit quantum ad omnem culpam; quia nec originale, nec mortale, nec veniale peccatumincurrit”. Essa linguagem era tão forte que despertou minhas suspeitas; e ao me referir à Expositio super salutationeAngelica, descobri que as expressões do escritor eram estas: “Ipsa. n. purissima fuit & quantum ad culpam, quia ipsa Virgo nec mortale, nec veniale peccatumincurrit:” (Opp. Tom, xvii. fol, 76. Venet 1593.) onde percebemos a ausência das palavras mais importantes “omnem” e “nec originale”. Conf. Opção Raynaudi. Tom. viii. pág. 292. Lugd. 1665. — Salmeron cita a passagem corrompida; (Em Rom. Disp. ii, Commentar. Tom, xiii. p. 475. Colon. Agripp. 1604.) mas o Doutor Angelical dificilmente poderia neste lugar ensinar a concepção imaculada, quando ele havia dito anteriormente: (fol. 75) “ChristusexcellitBeatamVirginem in hoc, quod sine originale conceptus&natus est, beata autem Virgo IN ORIGINALI EST CONCEPTA, sed non nata.”

GIBBINGS, Richard. Roman Forgeries And Falsifications Or An Examination Of Counterfeit And Corrupted Records: With Especial Reference To Popery (1849), p. 46, § 2.


Vejam, segundo Gibbings, a fonte mais antiga da expressão, um Ofício feito por Bernardinus de Busti, dataria apenas do ano 1492, e, portanto, o “nec originale” não poderia ser original de São Tomás, pois ele morreu em 1274, mais de 200 anos antes. Ora, como refutar essa alegação? Muito simples, só mostrarmos manuscritos dessa obra do Aquinate anteriores a 1492 em que a expressão aparece. Farei isso no devido tempo (embora isso deveria ser desnecessário, uma vez que já mostrei diversos manuscritos anteriores a essa data no meu primeiro artigo). Mas prossigamos.


Ou seja, o Historiador encontra, na sua análise, uma evidência clara de adulteração dos textos. Em primeiro lugar, os dois extratos supostamente professos por Tomás de Aquino na obra de Bernardinus de Busti são evidentemente errôneas, visto que não são encontradas em outros textos. Podem ter sofrido interpolação de copistas posteriores, pois a ideia de uma Imaculada Conceição já era debate desde esta época, e só não era Dogmatizada ainda. Como Richard Gibbings diz, é muito difícil para o Doutor Angelical (Tomás de Aquino) defender uma concepção imaculada, visto que havia dito anteriormente (traduzindo do Latim):

Cristo excedeu a Virgem Santíssima no fato de que ele foi concebido e nascido sem pecado original. Mas a Santíssima Virgem foi concebida em pecado original, mas não nasceu nele.

GIBBINGS, Richard. Roman Forgeries And Falsifications Or An Examination Of Counterfeit And Corrupted Records: With Especial Reference To Popery (1849), p. 46, § 2. (apud Opp. Tom, xvii. fol. 75. Venet 1593).


Observem o non sequitur do nosso objetor, ele gratuitamente afirma que as expressões contidas no Ofício de Bernardinus de Busti “são evidentemente errôneas, visto que não são encontradas em outros textos”. Ele nem sequer se faz a pergunta se o inverso não seria verdade, i.e, os textos em que a expressão não aparece se tratam de uma adulteração, visto que no Ofício de Bernardinus ela aparece – sim, dois pesos e duas medidas. E outra, em quais manuscritos a expressão não aparece? Nosso autor não indica nenhum, antes, aponta para uma edição da obra datada de 1593 e outra de 1665, mas ambas são posteriores ao Ofício de Bernardinus de Busti (1492)

Mas o mais interessante aqui é que Gibbings argumenta que o “nec originale” não pode ser autêntico porque algumas linhas acima o próprio Tomás afirmara “Mas a Santíssima Virgem foi concebida em pecado original, mas não nasceu nele” (concepta est, sed non nata / concebida, mas não nascida). Acontece que a resposta para isso eu já havia dado largamente no meu primeiro artigo citado pelo autor. Trata-se da distinção entre conceptio e animatio em São Tomás. Mas antes de dar a refutação, vejamos como ele conclui, citando o artigo do Bruno Lima (horrível por sinal, trata-se de outro palpiteiro):


Poucas linhas antes do texto onde é alegado que Tomás defendeu a imaculada conceição, ele a negou. Deixe-me explicitar duas premissas:

(1) Há um trecho da obra em que Tomás afirma que Maria foi concebida em pecadooriginal;

(2) Há outro trecho, em que ele defende a liberdade de Maria do pecado original, sobre o qual há sérias dúvidas de autenticidade mesmo entre os autores católicos.

A explicação mais plausível é que a ideia da liberdade do pecado original não faz parte da obra original. Nós poderíamos também alegar que Tomás era esquizofrênico a ponto de se contradizer num espaço de poucas linhas, mas acredito que essa é uma hipótese não muito provável. (Respostas Cristãs, Tomás de Aquino e a Imaculada Conceição Novamente. § 7)


Esquece-se o autor, entretanto, que, para São Tomás, concepção e animação não eram a mesma coisa. Para o Doutor Angélico, a criação e infusão da alma não coincidiam com a concepção do corpo, de modo que, nos primeiros meses de gestação, o feto não poderia ser ainda considerado uma pessoa, posto que estaria desprovido de alma racional. Assim, a concepção seria a geração do embrião, ao passo que a animação seria a criação e infusão da alma no corpo.


Vejamos o que Garrigou-Lagrange diz sobre esse tema em sua famosa obra "La Síntesis Tomista”. São Tomás, segundo Lagrange, cria que na animação tardia ou mediata, daí certa ambiguidade para os leitores de hoje, não acostumados com essa terminologia sutil. Diz o Lagrange:


Por lo tanto, si enlas obras de Santo Tomás encontramos laexpresión "B. Maria Virgo concepta est in peccato originali", debemos recordar que en este caso sólo se trata de laconcepción de sucuerpo, que tiene una prioridad de tiempo sobre la animación. (LAGRANGE, 1946, p. 275).

Lagrange está informando-nos de que essa distinção entre a concepção e a animação é de vital importância para o debate em questão, não sendo algo “irrelevante”, como querem alguns. Outro importantíssimo tomista do século XX foi o Pe. Hugon, diz-nos ele:


Em que momento começa a união? Quando o corpo está suficientemente disposto. S. Tomás e os antigos pensavam que tal não seria desde o instante da concepção: o embrião seria primeiro informado por uma alma vegetativa, em seguida por uma alma sensitiva, as quais preparariam o caminho para a alma humana, como servas, à rainha, e esta viria informar um organismo digno dela (HUGON, 1998, p. 136)

Assim se compreende como o Doutor Angélico pode falar que a Virgem Santíssima foi “concebida com pecado original” (conceptio), mas não foi “nascida” nele, isto é, ela foi santificada em algum momento durante a gestação. Logo se vê que a terminologia usada pelo Doutor Angélico é bem diferente da usada por Pio IX na Ineffabilis Deus. E para complementar mais sobre esse tema, vejamos o que diz Lagrange em La Síntesis Tomistanovamente: 


Por último in "Expositione Salutationis angélica" (3-4 de abril de 1273), segúnlaedición crítica hecharecientemente (Piacenza, 1931) por I. F. Rossi, C. M. (Gratia plena), se lee: "TertioexcellúitAngelas quantum ad puritatem, quia B. Virgo non solum fuit pura in se, sed etiamprocuravitpuritatemaliis. Ipsa enim purissima fuit et quantum ad culpam, quia NEC ORIGINALE, nec mortale, nec veniale peccatumincurrit [...]". Es cierto que en este mismo lugar, un poco antes, Santo Tomás dice: "B. M. V. in originali est concepta, sed non nata", pero ya sabemos que para éllaconcepcióndelcuerpotiene una notable prioridad de tiempo sobre la animación, y si se quiere evitar en este escrito una contradiccióninadmisible a pocas líneas de distancia, se debe ver enlaspalabras in originali concepta el debitum contrahendien razón delcuerpo formado por generaciónordinaria y no elpropio pecado original, que sólopuede estar enel alma (LAGRANGE, 1946, pp.277-278). 

O que Lagrange está dizendo é que o “in originali est concepta, sed non nata” (concebida em pecado original, mas não nascida) refere-se ao corpo, não à alma, posto que a alma só passa a existir na animatio, não na conceptio. Desse modo, por crer na animação tardia e por diferenciar "concepção" e "animação", São Tomás negava que o corpo de Maria teria sido gerado sem pecado (concepção do corpo), mas não estava falando ali de sua alma. Assim, São Tomás nunca negou a Imaculada Conceição do modo como foi proclamada por Pio IX na Ineffabilis Deus em 8 de dezembro de 1854!!!


O resultado, pois, de nossa análise é este: nas passagens que relatamos e nas quais Santo Tomás parece negar a Imaculada Conceição da Mãe de Deus, a terminologia da doutrina relativa a este mistério apresenta um sentido completamente diferente daquele que a Igreja adotou mais tarde. Por consequência, toda a divergência está nas palavras e não nas coisas: a Igreja declara que a Concepção da Virgem Maria foi imaculada; e Santo Tomás diz que a Virgem foi concebida no pecado original. Mas estas duas proposições não se contradizem de nenhuma maneira: a primeira afirma que a Santíssima Virgem foi isenta do pecado original considerado formalmente, enquanto é uma mancha na alma, e o coloca na pessoa como em seu sujeito próprio. A proposição de Santo Tomás considera o pecado original como subsistente em sua causa instrumental com a virtualidade única de comunicar uma mancha na alma. Santo Tomás não nega, pois, o que a Igreja afirma, a saber, a isenção de todo pecado, ainda que original, desde o primeiro instante da concepção de Maria. A contradição é aparente, não verdadeira.(MORGOTT, 1899, pp. 140-141)

Pronto, eis resolvido o problema da aparente contradição das passagens. A contradição está nas palavras, não nos conceitos. Mas ele continua:


É costume ver alguns romanistas utilizando do argumento da quantidade dos manuscritos. Segundo algumas citações, como a do historiador Lagrange (pela Fraternidade Newman acima), a expressão Nec Originale estaria em 16 dos 19 manuscritos analisados.

Note que a citação é do estudo conduzido pelo Historiador Católico Rossi e editada num Comentário da Ave Maria. O mais cômico é saber que não há, sequer, uma quantificação real dos manuscritos. De 19 manuscritos analisados, 16 contêm a expressão — Contudo, esqueceram de dizer quantos manuscritos ao todo, temos disponíveis em digitalizações e escritos por copistas. E se houverem 30? 40? 50? 100? E se na maioria deles, não houverem a expressão Nec Original


Especulação pura do nosso autor. Veja, se ele argumenta que é “cômico” não ser apresentada uma quantificação real dos manuscritos, a razão de tal asserção só se justificaria ante a lista de tais manuscritos apresentada por ele. É isso o que temos? Nem perto disso. Mas não se preocupem. Primeiro vamos analisar os manuscritos anteriores à data apontada por Gibbings como sendo a mais antiga da origem da expressão “nec originale”. Em seguida trataremos de saber se, de fato, só existem 19 manuscritos ou 30, 40, 100, etc. Mas, como fito anteriormente, tudo isso poderia ter sido evitado se nosso autor tivesse lido meu primeiro artigo.


De fato, pairaram dúvidas sobre a expressão “nec originale” presente no opúsculo de São Tomás. Alguns autores falam que seria uma interpolação de algum copista favorável à Imaculada Conceição. A expressão está ausente em alguns manuscritos antigos. Todavia, o estudioso da questão Ioannes Felici Rossi, na década de 30, publicou aquela que considero a melhor edição crítica dessa obra do Angélico (ROSSI, Ioannes Felix. S. THOMAE AQUINATE: Expositio Salutationis Angelicae. Divus Thomas, Vol.  34; 1931, pp. 445-479. Disponível em: Aqui).


 Nesta sua edição crítica, Rossi aceita a expressão “nec originale” e justifica sua escolha com um estudo na introdução riquíssimo, além de colocar anexadas ao texto as fotografias dos principais manuscritos. Ademais, o autor nos informa que, dos 19 manuscritos consultados por ele, a expressão “nec originale” consta em 16 deles, sendo estes os melhores e mais antigos. Os quatro mais importantes, todos anteriores a 1492, são os seguintes:


1.      Códice Metensi

2.      Códice Vat. Lat. 807

3.      3. Códice Pommersfeldensi

4.      Códice Cantabrigiensi


Agora iremos analisar brevemente cada um deles (segundo as fotografias disponibilizadas pelo Rafael Rodrigues do site Apologistas Católicos).


1.      METENSI – BIBL. CIVITATIS 1158 (1282 D.C) FOL. 100 VA



Este primeiro manuscrito é datado de 1282. Para quem não está habituado à paleografia do latim medieval, os termos “nec originale, nec mortale, nec veniale” estão abreviados da seguinte maneira “nec orle , nec Mole , nec Venle”. Assim, temos aqui apenas 8 ou 9 anos após a morte de São Tomás (1274) um códice que contém as palavras “nec originale”.


2.      VAT. LAT 807 (CIRC. NA. 1323) FOL. 229 VB



Outro códice muito importante é o que se encontra na biblioteca do Vaticano, datado de 1323. Desse modo, temos outro manuscrito de apenas 50 anos após a morte de São Tomás que prova que as palavras “nec originale” estavam ali desde o começo.


3.      POMMERSFELDENSI – BIBL. SCHÖNBORN – 90-2656 (SAEC. XII EX.-XIV IN.) FOL. 111 RB



O outro manuscrito é datado do final do século XIII e início do século XIV e nele também é possível facilmente observar que a expressão “nec originale” também consta ali.


4.      CÓDICE CANTABRIGIENSE (CORPUS CHRISTI COLLEGE) IOL. 278



Este é o mais interessante dentre os códices que vimos até agora. Sobre ele citemos o próprio Rossi:


No Codex 35 cantabrigiensem (Corpus Christi College) IOL. 278 se lê assim: “ipsa enim purissima fuit et quantum ad culpam quia nec originale (nec) veniale, nec mortalepeccatumincurrit”, mas a palavra “originale” foi raspada. Certamente um sapientíssimo corretor não um escriba, nem provavelmente algum leitor do século 13 ou 14. Um erro de Escriba suprimindo por raspagem não é encontrado; correções foram feitas por exagero ou um sinal de omissão (na – cat), a estética deixa sobreviventes. (ROSSI, 1931, p. 456)

Observem na fotografia do códice em questão acima. Claramente a palavra “originale” foi apagada, como diz Rossi. Depois de ter apresentado essas evidências, Rossi conclui: “Portanto, não resta nenhuma dúvida sobre a autenticidade do texto “nec originale... incurrit”. Além disso, a partir do que já disse, é claro que no lugar da palavra houve a prática em sucessivas edições – quase todas – em colocar ‘ipsa Virgo’, quando na verdade a repetição do tema (ipsa enim... ipsa Virgo) torna-se inútil, ou melhor, corrompe a elegância da língua latina” (idem, p. 457)


Depois de termos visto como a expressão consta nos manuscritos mais antigos e bem preservados TODOS ANTERIORES À DATA APONTADA PELO GIBBINGS E PELO BRUNO LIMA.

Agora demos voz a uma testemunha do século XIX desde antes da proclamação do dogma da Imaculada, o Dr. Pedro Espinosa, em sua obra Dictamen sobre laInmaculada Concepción de Maria Santíssima (1849). Segundo ele:


Na exposição da Saudação angélica, diz o Santo Doutor: “Purissma ipsa enim fuit purissima et quantum ad culpam, quia ipsa virgo nec originale, nec mortale nec veniale peccatumincurrit”; tampouco este texto escapou de ser adulterado, substituindo-se as palavras “nec originale” por “ipsa Virgo”. Quantos são os antigos e impressos manuscritos que lemos “nec originale” pode ser visto em Alva e Astorga Solis Raios, p. 943. (Dicta. Imma. Mar. Sant., 1849, p. 59)

Portanto, Espinosa e Rossi concordam quanto à adulteração da passagem de São Tomás, mas não no sentido de se ter acrescentado a expressão “nec originale”, mas sim de terem retirado tal expressão e a substituído por “ipsa Virgo”. Inclusive, é o que nos diz Francisco Morgott (op, cit, pp. 125-126, nota 1), isto é, que pelo menos desde o século XVII já se levantavam suspeitas de que algumas das obras de São Tomás haviam sido adulteradas: “El fraile menor, Pedro de Alva (NodusIndissolubilis, etc, p. 501, 699, 716) acusa álos editores romanos de haber falsificado las obras completas de Santo Tomás”.Na passagem citada se lê o seguinte:


Assim, portanto, se deduz a desgraça daqueles que atacam a doutrina do divino Tomás, ou melhor, a verdade, da qual, porém, se fossem amigos, prefeririam amá-la. Mas, o que é muito lamentável, quando não podem suprimi-la, pelos menos tentam distorcê-la. Nestes, como que oponentes perniciosos da doutrina tomista, impostores pervertendo ou adulterando alguma coisa preciosa, clama por crime. (NodusIndissolubilis de Conceptu Mentis & Conceptu Ventris, 1661, p. 716)

Ele acusa os adversários da doutrina tomista (ele, um franciscano) de terem adulterado as obras do Aquinate. Não obstante a isso, De Rubeis, em 1750 (De gestis et scriptis S. Thomae, diss. 8, c. 2.), procurou defender os editores romanos dominicanos das acusações de Pedro de Alva e de outros autores, tais como Sfrondate, em 1645, que chega a afirmar que “não existe nenhum manuscrito antigo em que esta cláusula (nec originale) não esteja” (InnocentiaVindicata; § I. III, p. 4). Muitos outros ainda, como Salmerón (Coment. Epis, ad Romanos d. 51) e São Pedro Canísio (I.C.de B. Virg. cap. 6) poderiam também ser citados como antigos defensores da Imaculada Conceição que recorreram a essa passagem.


Mas todos eles, segundo Gibbings, se valeram de uma versão adulterada do opúsculo de São Tomás, sendo que os manuscritos mais antigos contém a expressão, e um outro do final do século XIV é que apresenta claros sinais de ter sido adulterado, mas no sentido de acrescentar o “nec originale”, mas sim retirando-o e substituindo-o por “ipsa virgo”, justamente a versão utilizada pelo Gibbings (tardia, diga-se de passagem), pois, como lembra Rossi, a repetição do termo (ipsa enim... ipsa Virgo) é inútil e corrompe a elegância do latim de São Tomás (idem, p. 457).


Desse modo, começamos por Rossi (1931), recuamos a Morgott (1899), depois recuamos mais ainda até Espinosa (1849), ainda chegamos a Pedro de Alva (1661), a Sfrondate (1645), a Salmerón (morreu em1585) e São Pedro Canísio (morreu em 1597). Assim, até agora recuamos até o século XVI nos testemunhos favoráveis à autenticidade do “nec originale” e na acusação de os editores romanos terem adulterado não só essa, mas até outras passagens das obras do Angélico. Mas podemos citar mais um autor, Pedro Gual, em sua obra Della definibilità de laconcezioneimmacolata di Maria:


Que as obras de São Tomás, nos lugares em que fala da concepção e santificação de Maria, foram corrompidas, é demonstrado por quase todos os Doutores da Ordem clara do nosso pai São Domingos, assim como por muitos outros, que escreveram a favor da pura Conceição da Virgem. O Bispo Wielmo, Erreo Natali, Riccardo Klapoel, GuglielmoMasselch, Giovanni di Paris, GuglielmoBollionio, NicolaoModense, Durandello e o Arcebispo Hugo reclamaram em geral dos corruptores das obras do Angélico em seus escritos, todos filhos da benemérita Ordem Dominicana. A estes se somam Egídio Romano, fiel discípulo de São Tomás, que poucos anos após a morte do Santo compôs um livro intitulado: Castigatorium in corruptionemlibrorumThomaeAquinatis; e o estudioso Giovanni Nicolai do mesmo Instituto, que no prólogo da edição parisiense das obras do Santo Doutor, feita no ano de 1665, expõe um grande quadro de corrupções, alterações e mutilações que foram introduzidas nos escritos do Angélico. (GUAL, Della Defini. Conce. Imma. Di Maria, 1852, pp. 85-86)

Pedro Gual, escrevendo em 1852, cita diversos autores anteriores que já denunciavam as adulterações nas obras de São Tomás. Dentre os mencionados por ele, dois merecem destaque: Giovanni Nicolai, por conta de ter escrito o prólogo da edição parisiense das obras do Santo Doutor em 1665 e ter relatado diversos erros, corrupções, etc; e, o mais impressionante de todos, sem dúvida nenhuma, é o Egídio Romano que em sua obra Castigatorium in corruptionemlibrorumThomaeAquinatis, escrita poucos anos  a morte de São Tomás, já denunciava o expediente dos falsificadores dos livros do seu mestre. Todavia, por conta de dois fatores esse testemunho de Egídio Romano tem grande valor para nós: 1) Egídio foi discípulo direto de São Tomás, seu contemporâneo, conviveu com ele; 2) o próprio Egídio não era favorável à tese de que São Tomás tenha de algum modo defendido a Imaculada Conceição (In II Sent., d. 31 e 32; III Sent, d. 3, q. 1, a. 3)(Cfr.  SOLA, p. 650)


Do visto até aqui, poderíamos já concluir a favor da tese de Lagrange e Rossi de que, de fato, São Tomás voltou atrás de sua opinião a respeito da Imaculada Conceição e muito provavelmente morreu crendo nela. Todavia, não faltaram críticas à obra de Rossi. Para contextualizar: entre 1954 e 1955, ocorreu um Congresso Mariológico Internacional em Roma. Sobreeleinforma-nos Carlo Basic OFM (The Mediaeval Controversy over the Immaculate Conception. In: O’CONNOR, Edward D. (edit.). The Dogma of the Immaculate Conception: History and Significance. [Notre Dame, Ind.], UniversityofNotre Dame Press, 1958, pp. 194-196)que vinte erudito teólogos da Ordem dos Pregadores entregaram documentos sobre a doutrina de São Tomás a respeito da Imaculada Conceição (dentre os trabalhos de maior destaque, sem dúvida alguma, se encontra o artigo do Pe. Manuel Cuervo já citado). Estes foram publicados no volume VI (De Immaculata Conceptione in ordine S. Dominici, 1955) das Atas do Congresso (Virgo Immaculata, Romae, Academia Mariana Internationalis).


Alguns desses teólogos sustentam a tese a tese negativa, ou seja, que o Doutor Angélico nunca ensinou o privilégio mariano, porque distinguiu claramente entre a concepção no pecado original e a santificação posterior no ventre de sua mãe; outros defenderam uma tese alternativa, a saber, que o Doutor Angélico primeiro ensinou explicitamente o privilégio mariano, depois o negou e, no final de sua vida, voltou à opinião afirmativa (Lagrange); outros sustentaram que São Tomás expôs claramente os princípios nos quais a doutrina está contida; e alguns até sustentaram que o Doutor Angélico ensinou explicitamente que a Santíssima Virgem não tinha pecado original (Rossi).


E os outros manuscritos?


De fato, o argumento de que Rossi não teria analisado todos os manuscritos do Expositio Salutationis Angelicae já é bem antigo, além de outras críticas feitas a ele. Para citar apenas alguns: Fr. Pelster, S, J,(Cfr. TheologischeRevue, 1932, coll. 327-329)Destrez (Cfr. Bulletin Thomiste, 1932, pp. 563-576), Synave, O. P, (Le Commentaire de St. Thomas sur l’Ave Maria et la doctrine de l’Immaculé Conception II, Bulletin Thomiste, 9. 1932, pp. 576-584)Mandonnet, O. P (Cfr. Bulletin Thomiste, 1932, pp. 155-167) e De Blic (Saint Thomas et l’Immaculé Conception. In: RevueApologétique, Vol. 57, 1933, pp. 25-36) teceram diversas críticas ao trabalho de Rossi.

Entretanto, como era de se esperar, não ficaram sem respostas. Foi então que no ano de 1933, apenas dois anos após a publicação de sua edição crítica do opúsculo tomasiano, Rossi anunciou que haveria uma terceira edição com um estudo mais vasto na introdução, além de ter escrito um breve, mas fulminante artigo intitulado “La ‘Expositio Salutationis Angelicae’ di San Tommaso d’Aquino”(Disponível Aqui.), no qual responde de maneira magistral a todas as críticas injustas que lhe haviam feito.


Dentre esses críticos, os três que levantaram objeções mais fortes foram o Destrez, Synave e o De Blic (embora De Blic, na verdade, quase apenas repeta os argumentos do Synave). Em um opúsculo que escrevi sobre essa questão que sairá como apêndice do meu livro (Introdução Geral à Filosofia Tomista), faço uma análise dos argumentos deles e das respostas dadas por Rossi.

Todavia, podemos ver que Rossi saiu vitorioso dessa, haja vista as críticas não foram convincentes o suficiente para o Lagrange, por exemplo, que afirma: “Este texto [o “nec originale”], apesar das objeções feitas pelo Pe. P. Synave, parece bem ser autêntico” (LAGRANGE, 2017, p. 52).

De Blic, de sua lavra, apresenta o seguinte argumento contra a autenticidade da expressão:


Mas, além disso, do ponto de vista da crítica externa, não é certo que, na passagem que nos interessa, a lição “nec originale” seja autêntica. O relatório erudito e completo consagrado por R. P. Synave ao livro do P. Rossi deixa na mente, a esse respeito, uma forte impressão de dor. Os manuscritos em que se encontram os códices originais (10 dos 14 utilizados pelo editor) seriam, apesar de seu número, exemplos menos bons do que os do outro grupo. De qualquer forma, é muito cedo para tirar uma conclusão firme da tradição manuscrita. [...]. mas M. Destrez faz uma lista de 44 manuscritos, e a eles, ele pensa, se poderão acrescentar outros. Enquanto não trouxermos e compararmos os dados desse material, seria arriscado fazer um julgamento sobre o estado do texto. (Idem, pp. 26-27)

Vejam, de fato, não existiam apenas 19 manuscritos do opúsculo de São Tomás. Destrez e De Blic mencionam 44! Será isso um problema para o Rossi? Vejamos , De Blic recorre à lista de 44 manuscritos que o Destrez diz ter reunido. Ora, Rossi questiona o porquê Destrez não trazer mais informações sobre tais manuscritos e, quando fornece, são citações truncadas e cheias de erros. Rossi chega a fazer uma lista de citações erradas para que Destrez as corrija (ROSSI, 1933, p. 282). Vejam que De Blic admitiu ser cedo para se tirar uma conclusão firme, isso em 1933. Faltava a Destrez, em quem De Blic se apoiava, a destreza para lidar com as fontes históricas e referenciá-las (perdoem-me pelo trocadilho).


Pois bem, ocorre que, em 1955,  Rossi escreveu um outro trabalho sobre a temática da Imaculada Conceição em São Tomás, trata-se da Quid senserit S. Thomas Aquinas de Immaculata Virginis Conceptione (Cfr. Divus Thomas, Vol. 57; 1954, pp. 33-394. DisponívelAqui). Nesta sua outra obra Rossi defende com maestria e usando os novos manuscritos e atualizando as suas antigas posições.

Portanto, se, à época de De Blic e Synave, era muito cedo para se tirara conclusões pois faltavam estudos com os novos manuscritos, à época em que Rossi escreveu o seu Quid Senserit a situação já havia mudado.Quanto a essa obra do Rossi, um interessante Review dela foi feito pelo Clemens Vaanteekinsten (Angelicum, Vol. 34, no. 2; 1957, pp. 221-223. Disponível Aqui) na qual ele conclui a sua análise da obra com as seguintes palavras:


Textos claros, que não sofrem contradição, excluem o pecado original: todos outros textos podem ser facilmente explicados no mesmo sentido, de acordo com a terminologia tomista – ao contrário, se partirmos do conceito oposto, textos que não são – diretamente – claros podem ser explicados contra a doutrina da Imaculada Conceição, mas com terminologia mais moderna; e então os textos evidentes não podem ser explicados (usar mudanças de pensamento é um método de fantasia). (VAANTEENKISTE, 1957, p. 222)

Basicamente, ele conclui duas coisas:


  • Existem textos claros em que São Tomás defende a Imaculada Conceição;

  • Existem textos obscuros onde ele aparenta ser contrário à Imaculada Conceição, mas que podem ser explicados pela terminologia tomista.


Portanto, a posição de Rossi ao invés de ser enfraquecida com a utilização dos novos manuscritos usados por Destrez e outros, vem, na verdade, ser fortalecida. Mas mais do isso, no Quid Senserit Rossi vai mais além do que havia ido em seu estudo da edição crítica do Salutationis, pois além de defender que São Tomás nesse seu opúsculo defendeu a Imaculada Conceição, defendeu que a contrariedade que São Tomás apresenta à Imaculada em outras obras seria apenas aparente, podendo ser explicada pela terminologia tomasiana.


Essa conclusão é corroborada pelos textos do já citado Vol. VI da Acta congressus mariologi mariani (Romae, 1955). Pe. Ciappi declara: “principia D. Thomaeperfecteconsonare cum assertiabEcclesiaeMagisterio” (trad: “Os princípios de São Tomás estão em perfeita harmonia com os afirmados pelo Magistério da Igreja”) (p. 3). Pe. Manuel Cuervo: “Desde o princípio estabelecido por S. Tomás... a concepção de Maria foi imaculada, é totalmente inevitável” (p. 37). Pe. Verardo: “Certocertiusexprincipiis ipsis a S. Thomatraditiseruipotest” (trad: “Certamente pode ser extraído dos próprios princípios transmitidos por São Tomás”) (p. 91).


E o Juniper Carol?


Nosso autor também cita o Carol:


Segundo Juniper Carol, um dos maiores teólogos referenciados sobre Mariologia do século XX (também utilizado como Fonte Acadêmica por apologistas católicos), diz o seguinte:

São Tomás de Aquino (1225–1274) tratou a questão da Imaculada Conceição apenas incidentalmente, como cognato à sua consideração da impecabilidade de Cristo. Ele seguiu o ensino de St. Bernardo, e assim possivelmente se pode considerar que sua relutância em admitir a imunidade de Maria do pecado desde o primeiro momento da sua concepção foi devido ao fracasso dos escolásticos em desenvolver uma noção precisa do momento da concepção e animação. Alguns expoentes de St. Tomás têm se esforçado para estabelecer que o Doutor Angélico virtualmente ensinou a Imaculada Conceição, e certamente eles têm sustentando que a “concepção” tinha sido tratada de forma completamente por ele. Mas a maioria dos estudantes de St. Tomás estão bastante preparados para admitir que o Doutor Angélico simplesmente negou a liberdade de Maria do pecado original.


Estou convencido de que todos os protestantes que ousam palpitar nesse tema não leem as obras que citam. Já é o terceiro que cai nesse mesmo erro de citar o Carol. Primeiro foi o próprio Bruno Lima no Respostas Cristãs, depois o Gabriel Brasileiro no História Reformada e agora o nosso autor. Já havia respondido a isso na parte 2 do meu artigo (link acima). Basicamente: a frase não é do Carol. Sim, a obra citada foi organizada pelo Carol, mas o texto em questão tem outros dois autores: Aidan Carr e Germain Williams (Cfr. CARR, Aidan; WILLIAMS, Germains. Mary’s Immaculate Conception. IN: CAROL, Juniper (org.). Mariology, Vol.1, Bruce, 1961, pp. 328-394. DisponívelAqui).

Ademais, esse único parágrafo foi absolutamente tudo o que os dois autores escreveram sobre a Imaculada Conceição em São Tomás (p. 366). Literalmente apenas um parágrafo. Bruno Lima, que foi quem primeiro começou com essa gafe, tenta usar dois argumentos com essa citação: argumento de autoridade e argumento do silêncio. Mas, para tais argumentos  serem válidos, a obra tem que cumprir certos critérios: a) ser referência no assunto e b) tem que tratar longamente da Imaculada Conceição em São Tomás para que se possa esperar que ele mencione ou não sua possível mudança de opinião ao fim da vida


Aí que está o problema, ela não cumpre.


O primeiro: a obra não é referência alguma em mariologia tomista (os autores do texto são franciscanos inclusive), mas antes citar o "Mariología Tomística" do Francisco Morgott que cito nos meus artigos. Aqui falha o argumento de autoridade.


O segundo: o espaço dedicado a São Tomás é literalmente um parágrafo. Como esperar que os autores tratassem de um tema tão vasto em tão pouco espaço? Claramente eles trataram de São Tomás somente de passagem. Como não foi um trabalho exaustivo sobre o tema, aqui cai o argumento do silêncio.


E o Cardeal Caetano?


Para arrematar a questão, nosso jovem autor recorre ao Cardeal Caetano:


O Cardeal Caetano, famoso e considerado “príncipe dos Tomistas” por seus comentários extensivos à Suma Teológica, não acreditava que Tomás de Aquino mudou de opinião ao longo do tempo, ou no fim de sua vida. Na verdade, as evidências mostram o contrário: Se até mesmo os primeiros estudiosos do Tomismo descredibilizavam este argumento, o que nós, hoje, poderíamos fazer para tentar credibilizá-lo?


Ora, mas isso não é segredo para ninguém, além de ser um argumento de autoridade, e, como ensina São Tomás, esse é o mais fraco dos argumentos. Entretanto, aqui vale uma exposição de Caetano interessante para o nosso tema.


Para uma verdadeira redenção pessoal, é suficiente incorrer pessoalmente na dívida do pecado original ou na necessidade de tê-lo.


Além de tudo o que já vimos, outra questão terminológica pode ser acrescentada: a da distinção entre débito do pecado e mancha do pecado. O débito do pecado refere à dívida contraída por toda a humanidade em Adão, de modo que todo descendente de Adão por via seminal, isto é, por via de geração natural, deve necessariamente herdar o pecado de Adão, ou seja, o pecado original. A mancha do pecado, por sua vez, refere-se ao próprio pecado já contraído e não a ser contraído ainda. Para ilustrar essa distinção a partir de uma autoridade tomista contemporânea, cito Prof. Leandro Bezerra:


Cristo foi livre do pecado original (i.e., mancha) e também da necessidade de tê-lo (i.e., débito). Nós, homens, recebemos uma natureza pecaminosa como algo devido, pois é necessário que todo aquele que nasça como descendente de Adão por via seminal tenha uma natureza pecaminosa, em razão da nossa participação no pacto divino com Adão, o que foi nosso cabeça físico-moral. Mas Cristo foi gerado na Virgem por obra e graça do Espírito Santo, sem concurso de varão, e é assim que foi livre não só da mancha do pecado, mas também do débito, i.e., da necessidade de tê-lo, com efeito, sem necessidade de qualquer redenção. (Do Verbo Encarnado, Seção II, cap. 13, p. 290, nota 74)

O Prof. Leandro resume muito bem a diferença aí entre débito e mancha. A macha é o pecado em si, ao passo que o débito seria a necessidade de contrair a mancha. Tal necessidade seria advinda do pacto da humanidade com Deus através de seu cabeça físico-moral, Adão. Todos que descendem de Adão por via de geração natural devem (débito) herdar o pecado original (mancha). Ora, como Cristo foi gerado na Virgem por ação do Espírito Santo, Jesus foi verdadeiro descendente de Davi, mas não por via natural, já que sua concepção e nascimento foram milagrosos. Desse modo, Cristo não tinha a necessidade de contrair o pecado original, e, consequentemente de nenhuma redenção, pois quem não tem o débito do pecado não precisa ser redimido. Eis a explicação.


Todavia, Maria não foi concebida do mesmo modo que Jesus, significa que ela é descendente de Adão por via seminal, devendo, assim, incorrer na mancha do pecado. E é aí que entra a bula Ineffabilis Deus, pois esta diz que Maria foi preservada imune da MANCHA do pecado, não do débito, porque, como dito, quem não tem débito não tem necessidade de ser redimido, mas como Cristo é Redentor universal, Maria também foi redimida por Ele. Mas para ser redimida ela precisaria incorrer ao menos no débito. Portanto, Maria incorreu no débito do pecado.


Esta explicação consegue reunir em si a superação das dificuldades que atormentou os teólogos por séculos: como Maria poderia ter sido imaculada desde a sua concepção e ainda assim ter sido redimida por Cristo? Marie-Joseph Nicolas diz o seguinte:


O instinto cristão pressentiu que a pureza de Maria teria sido menor e sua graça menos perfeita se ela tivesse sido concebida no pecado original. Também sentiu que ela não poderia ter sido menos dependente de Cristo e de seu sacrifício redentor do que outros seres humanos – não apenas pela honra de Cristo, mas também pela da própria Maria. Se alguém conseguisse conciliar essas duas exigências da tradição viva da Igreja, como poderia hesitar? (NICOLAS, 1958, p. 335).

De um lado a Fé exige que Maria tenha a maior pureza que uma criatura pode ter(Cfr. S. ANSELMO. De conceptu virginal et originali peccato, 18, PL 158, p. 451) – o que inclui,ser pura desde a concepção –, do outro a mesma Fé exige que Cristo seja o Redentor universal. Pois bem, Rene Laurentin, comentando sobre a Ineffabilis Deus, diz:


As duas grandes exigências tradicionais são aqui satisfeitas com toda a desejável clareza: desde o primeiro momento, Maria está absolutamente isenta de toda mancha de pecado original. No entanto, esta filha de Adão foi salva por Jesus Cristo. A grande dificuldade de conciliar essas duas exigências está na ordem do tempo: como foi possível que Maria, concebida de modo comum, não tivesse incorrido nem por um instante no pecado da raça a que pertencia? E como ela poderia ter sido salva antes de Cristo ter redimido o mundo? Esta dificuldade se resolve em duas palavras: preservação, previsão: a Santíssima Virgem foi preservada do pecado original, na previsão dos méritos de Jesus Cristo. (LEURENTIN, 1958, p. 312)

A Imaculada Conceição significa, portanto, que Maria foi redimida por Cristo por Redenção Preservadora. Ela foi verdadeiramente redimida porque caso a graça não a preservasse ela contrairia o pecado, e tal redenção foi verdadeiramente preservadora porque foi desde o primeiro instante de sua concepção. Ora, preservação envolve débito, porque pressupõe que sem essa intervenção preservativa necessariamente se incorrerá em algo, e débito é justamente essa necessidade de incorrer em algo. A negação da dívida (débito) do pecado na Virgem leva logicamente a negar que ela tenha sido redimida.


Pois bem, e o que São Tomás pensava sobre tudo isso? Vimos que ao escrever a Suma Teológica São Tomás ao menos aparentemente nega a Imaculada Conceição ao dizer: “Se a Bem-aventurada Virgem tivesse sido santificada antes da animação, ela jamais teria incorrido na mancha do pecado original e não teria necessidade de ser resgatada por Cristo. Ora, isto é um inconveniente, pois Cristo é o Salvador de todos os homens” (ST III, q. 27, a. 2, ad 2). Na mesma passagem ele diz com todas as letras “contraiu o pecado original” (idem, ad 2)


Entretanto, deve-se ter em vista que São Tomás conhecia essa distinção do pecado entre aquilo que ele chamava de actus e debitum do pecado, afinal, foi ele quem a estabeleceu pela primeira vez, e mais, ele mesmo estabeleceu com suficiente clareza que para a redenção bastava o débito pessoal do pecado, sem a incursão atual no mesmo (In IV Sent., c. 1, a. 4 ad 3)


Porque redenciónentrañalaidea de liberación de una servidumbre, que Iomismopuede ser lasujeción actual a un mal ya existente, que a Ia necesidad de tenerlo, a Ia cual está sometido elsujeto. Y así, encuanto al efecto formal de redención, de igual modo es redimido de Ia cárcelel que, encontrándoseenellaactualmente, es liberado de cumplireltiempo de condena que Iefaltaba, como el que, estando obligado a recluirseenprisión, se ve libre de ella por concesión graciosa de Ia autoridad competente. (SOLA, 1954, p. 660)

Toda essa longa exposição para finalmente chegarmos aos textos de São Tomás e às exposições feitas pelo Cardeal Caetano sobre eles:


Deve-se dizer que é errado afirmar que alguém é concebido sem pecado original, exceto Cristo: porque aquele que fosse concebido sem pecado original não necessitaria da redenção realizada por Cristo; e assim Cristo não seria o redentor de todos os homens.... Ser libertado do mal ou absolvido da dívida não pode acontecer, a menos que alguém tenha incorrido na dívida ou sido lançado no mal; e assim, todos não poderiam receber os frutos da redenção do Senhor em si mesmos, a menos que todos nascessem devedores e sujeitos ao mal; portanto, a remissão das dívidas e a libertação do mal não podem ser entendidas a menos que alguém nasça com dívida ou imune ao mal, mas que, nascendo com dívida, possa ser libertado pela graça de Cristo. (IV Sent., dist. 43, q. 1, a. 4, sol. 1, ad 3).

Na Suma ele acrescenta:


Se isso é verdade, como dizem alguns, que não morrerão, deve-se dizer ao argumento que, embora não morram, ainda têm em si a culpa da morte; mas a pena é removida por Deus, que também pode perdoar as penas dos pecados atuais. (I-II, q. 81, a. 3, ad 3).

Sobre essas palavras claras e abertas do Doutor Angélico, deve-se ler o comentário do Eminentíssimo Cardeal Caetano:


No artigo 3, q. 81, ele observa duas coisas sobre a universalidade do pecado original, e de igual modo sobre a sua purificação pela redenção. A primeira é que pertence à fé católica que todos, exceto Cristo, contraiam o pecado original. O que é dito não deve ser entendido de outra forma senão como a morte, que é a pena do pecado original; de modo que, assim como todos incorrem na morte, isto é, na necessidade de morrer, assim todos incorrem no pecado original, isto é, na necessidade de ter o pecado original. E assim como não pertence à fé se todos morrem realmente, ou se pela disposição divina alguém não morre: assim não pertence à fé (naquela época) se alguém, por uma prerrogativa especial da graça, não incorrer realmente no pecado original. Pois o Apóstolo diz em Romanos 5, ‘Por um homem o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a morte’. Portanto, é necessário segundo a fé católica acreditar que todo ser humano de ambos os sexos, descendente de Adão segundo a razão seminal, pela própria geração, está sujeito ao pecado original.... Só em Jesus Cristo é verdade que, pela própria geração, ele não está sujeito a nenhum pecado.... E segundo esse sentido, a razão do autor é que, de outra forma, não necessitaria da redenção realizada por Jesus Cristo. Pois, se alguém não incorrer no pecado original, seja em ato ou na necessidade de tê-lo, não precisaria de redenção: o que seria herético dizer. Mas se todos são sujeitos ao pecado original, isso é suficiente para a necessidade da redenção; pois não só o cativo atual precisa da redenção, mas também aquele que está sujeito ao cativeiro. E você, tomista, deve notar bem isso, para que, com zelo excessivo, não inflamado pelo conhecimento, não diga erros que não são ortodoxos, quando discute ou prega sobre a Concepção da Bem-aventurada Virgem Maria. (CAETANO, Comment, in I-II, q. 81, a. 3)

Em outra obra ele diz:


Diz-se cativo, não só aquele que é totalmente levado ao cativeiro, mas aquele que começou a ser levado em alguma parte para o cativeiro e é, portanto, sujeito ao cativeiro. E da mesma forma, diz-se morte do pecado, não só a própria morte física; mas a dívida e o início de tê-la na própria pessoa. E da mesma forma, diz-se purificado do pecado original não só aquele que foi purificado da mancha contraída atual, mas aquele que foi purificado da mancha em dívida e início na própria pessoa.... E não pense ninguém que isso é uma fantasia minha; mas veja São Tomás I-II, q. 81, a. 3 (onde, entre outras coisas, é tratado em Romanos 5: ‘Por um homem o pecado entrou em todos, e pelo pecado a morte’), sustentando que por morte se entende suficientemente a dívida ou a culpa, na própria pessoa, da morte, embora nunca realmente morresse. Daí se conclui que, quando o Apóstolo diz duas coisas ao mesmo tempo (a saber, que em todos chegou o pecado e a morte), assim como a segunda, a saber, a morte, é suficientemente salvaguardada ao explicar a morte tanto em ato como em dívida na própria pessoa: assim também a primeira, a saber, o pecado, é salvaguardada ao explicar o pecado tanto em ato como em dívida na própria pessoa. Ele disse tantas vezes na própria pessoa; porque se a dívida ou o início do pecado original não é considerado próprio daquele que é concebido, mas comum, então não se salvaria que essa pessoa fosse morta, redimida, reconciliada. (CAETANO, Concept. Beata Virg. c. 3).

Essas observações sábias, feitas três séculos antes da definição dogmática da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem, pelo principal dos comentadores da doutrina tomista, mostraram de forma excelente e verdadeira a mente do Doutor Angélico, que ele mesmo havia deixado clara nos locais citados.Portanto, Caetano, que muitas vezes é acusado de ter inventado a distinção entre débito e mancha do pecado, defende-se apontando que é das obras do Angélico de onde ele tira tal distinção. Assim, ao invés de ter negado pura e simplesmente a Imaculada Conceição de Maria, São Tomás, na verdade, estabeleceu seus fundamentos e afirmou-a ao menos virtualmente.

A grande contribuição de Caetano foi ter deixado claro o pensamento de São Tomás a esse respeito.


Cf. G. M. Roschini, O.S.M., La Mariologia di S. Tommaso (Roma, 1950), pp. 236–237. É extremamente difícil conciliar o parecer do St. Tomás em n S. Th., III, q. 27, a. 2 ad 2um, com a imunidade de Maria do pecado original: “… si nunquam anima B. Virginis fuisset contagio originalis peccati inquinata, hoc derogaretdignitati Christi, secundum quam est universalisomniumSalvator.” Cf. Dominicus Palmieri, S. J., op. cit., p. 291; ArmandusPlessis, S.M.M., ManualeMariologiaeDogmaticae (Pont-Chateau, 1942), p. 60; Emile Campana, Marie dansleDogmeCatholique (Montrejeau, 1913), Vol. 2, p. 200.

Faço as palavras do ‘Respostas Cristãs’ as minhas:

“Só nessa nota, Carol cita quatro tomistas: G. M. Roschini, Dominicus Palmieri, ArmandusPlessis e Emile Campana.”


Bruno Lima acha o máximo que Carol cite quatro tomistas favoráveis à posição dele. Pois bem, aqui cito alguns para “igualar o jogo”.


Os que defendem a Imaculada em São Tomás:


  • SerafinCapponi de Porrecta (In III., q. 27, a, 2)

  • João de Santo Tomás (Cursustheol., t. 1. Approbatiodoctrinae D. Thomae, disp. 2, a. 2)

  • Natal Alejandro (Hist. Eccles., saec. II, dissert. 1, schoe. 4; Theol. Dogmatico-moraus. 1. 3, tract. 1; De peccatis, c. 1, n. 11)

  • Mariano Spada (Esame critico sulladotrinadell’AngelicoDottor S. Tommaso de Aquino cicail peccato originale relativamente ala BeatissimaVirgine Maria – Animadversiones in opus Illtmi. Ac Revdmi)

  • D. J. B. Malou (Eoisc. Brugensis, De DogmateImm, Concept. B.M, V: Animadversiones, V, p. 84)

  • Perrone (De Immaculato B. V. Mariae Conceptu disquisitiootheologica, p. 2, c. 5)

  • Palmieri (Tratactus de Deo Crentes et Elevante, p. 666-754)

  • Hurte (Theol. Dogmática, t. II, Mariologia,thesis 157, n. 470)

  • Cornoldi (SententiaSanctiThomaeAquinatis de immunitate B. Virginis Dei Parentis a peccati originalis)

  • Henno (Theol. Dogmática, t. II. De praecipius vitae Christi mysterus, art. 1)

  • Reiser (Ein Beachtenswertrh Brief von Joannes a S. Thoma, en “ArohiviumPratrumPreadicatorum”, 1932, 1, p. 402)

  • Sfrondate. (InnocentiaVindicata; § I. III, p. 4)

  • Velasquez (De Maria emasculaste concepta. Diss. 1, ann. 5. Ludgduni 1653. P. 40)

  • Frassen (Scotus avad. Siv. Doct. Subt. Theol. Dogmata. Ven. 1774, 1. 3)

  • Lambroschini (Sull1immacolato concepimento di Maria dissert. Polemica. Venesia 1884, n. 3, p. 82)

  • Pedro Gual. (Della definibilitá de la conzecione immacolata di Maria. Dissert. Teolog. Volgarizzamentodallospugnuelodel Marc, da Civezza. Roma, 1852, p. 85ss)

  • Gaude (De immac. Deipare conceptu ejusquedogmaticadefinitione. Romae, 1854, pp. 116ss)

  • Schaetzier (El dogma de laEncarnación, pp. 324ss)

  • Salazar (Defensio pro immac. Deipare Vir. Conceptione, cap. 42, p. 389ss)

  • Perrone (Disquisitiotheologica de immac. Virg. Conceptu. Taur. 1847)


Os que dizem que São Tomás negou formas errôneas da Imaculada Conceição e não se pronuncio sobre a forma correta:


  • Diekamp (TheologiaeDogmaticaeManuale, t. 2, pp. 402-408)

  • Lumbreras (Saint Thomas and the Immaculate Conception. Notre Dame, Indiana, 1923)

  • Friethoff (Quomodo caro B. V. Maria in originali concepta fuit. “Angelicum”, 1923, pp. 321-326)

  • Castagnoli (Contributo ala storiadel dogma dell’ImmaculatoConceptimento di Maria Santissima, em “Divus Thomas” Placv., 1932, p. 367)

  • Norberto Del Prado (Divus Thomas et BullaDogmatica “Ineffabilis Deus”)


Creio ser o suficiente, não? Mas ele continua:


O fato de Richard Gibbings analisar, em outros escritos, que esta variante textual não existe; somado ao fato da Crítica Textual recusar este texto, até mesmo órgãos grandes como a própria Fundação Tomás de Aquino da Universidade de Navarra; ainda adicionado aos Tomistas primitivos que nunca mencionaram tal passagem, e os que mencionaram, não a reconheciam legítima, é suficiente para evidenciar que todos os indícios apontam à uma interpolação textual posterior a morte de São Tomás de Aquino. Quem dirá, ainda, que Aquino, em seu leito de morte, já envelhecido, teria renunciado ou alterado uma posição tão secundária assim sobre Maria, por algum motivo desconhecido.


Quem chegou até aqui na leitura facilmente identificará uma série de erros nesses dois parágrafos. Muitos tomistas, de fato, não defendem a tese da mudança como Lagrange e Rossi, mas porque defendem que São Tomás sequer negou a Imaculada antes para voltar a defende-la e, portanto, a expressão “nec originale” no seu Expositio não é determinante para eles. A posição deles independe da expressão. Um exemplo disso é dado pelo próprio autor que menciona o “Esame Critico” de Spada, e argumenta que ele (em 1839) não usou o argumento do “nec originale”. Mais um exemplo do argumento do silêncio. Agora vejamos a resposta para essa questão da ausência dos argumentos do “nec originale” em autores antigos:


Tertius excdediAngelosquatum ad puritatem: quia Beata Virgo non solum erat pura in se, sed etiamprocuravitpuritatemaliis. Ipsa enim puríssima fuit ad quantum ad culpam, quia ipsa Virgo nec mortale nec veniale peccatumincurrit.”. Exp. In Salut. Ang. (Ed. Vivés, vol. 27). Tal é o texto do Doutor Angélico em todas as novas edições de suas obras. O que se ressalta dessas palavras é afirmação da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem. Esta doutrina foi, portanto, formulada por Santo Tomás em termos claros, segundo a recente revisão dos textos devido ao zelo infatigável do Abade Ucelli. Esses diversos manuscritos, dentre os melhores e os mais antigos (alguns remontam ao século XIII), colecionados por esse sábio, reproduzem a passagem que citamos com a seguinte variante: “Ipsa enim puríssima fuit ad quantum ad culpam, quia nec originale, nec mortale, nec veniale peccatumincurrit.” (D. ThomaeAqu. Doc. Ang. in salutationemangelicamseil.


Ave Maria expositivo; publicada pela primeira vez no Amígo de lareligíon , 1856, e muito recentemente em uma dissertação muito notável, na revista “I Gigli a Maria”, 7 de março de 1874). Já os antigos defensores da Imaculada Conceição, como São Leonardo de Porto Maurício, Bernardino de Bustos, Pedro Canísio, Salmerón, Sfrondate (Inoc. Vind. § I. III, p. 4) e outros, invocam este texto; o frade menor Pedro de Alva (Nodusindissolubilis, etc. p. 501, 699, 716) acusa aos editores romanos de haverem falsificado as obras completas de Santo Tomás (Cf. Ucceli: Dissertstorico-crit., n. V, p. 68ss; e Exp. P. 106, nota), de Rubeis (De gestis et scriptis S. Thomae, diss. 8, c. 2.) procura justificar-se dessa acusação. Seja lá o que se deva pensar sobre essa controvérsia, a passagem que citamos se encontra textualmente nos manuscritos; e, segundo as provas aduzidas pelo sábio Ucceli, não se pode duvidar de sua autenticidade. (MORGOTT, 1899, p. 125-126, nota 1)


Aí está a resposta. A primeira edição crítica da obra só veio a ser publicada em 1856, portanto, depois de Spada ter escrito o seu “Esame Critico”. Tudo isso se deve ao trabalho gigantesco do famoso Abade Ucelli do século XIX. Se há três nomes de estudiosos que devem figurar como os maiores especialistas nos manuscritos de Tomás, são eles Ucelli, Rossi e Mandonnet. Destes, dois aceitam como autêntico o “nec originale”, ao passo que as críticas de Mandonnet foram respondidas por Rossi.


Um católico poderia argumentar, dizendo: “É justamente pela santificação que Maria precisou de salvador, pois, se Deus a santificou para ser concebida sem o pecado original, é nítido que esta foi a Salvação dela” — E assim, você reduz a Obra Salvífica de Cristo na Cruz por nós, desde que Jesus não morreu por todos — Pois Maria, não sendo contaminada pelo Pecado Original, não cometeu pecados e foi completamente Santa, e isto reduz o sacrifício de Cristo, que não teria morrido por Maria. Ou seja, ela foge do espaço amostral e isto vai diretamente contra os versículos escriturísticos de João 3:16–17, João 1:29 e 1 João 2:2 que ressaltam o Sacrifício de Jesus na Cruz pelo valor expressivo de “todos” e “mundo”, ou seja, que Cristo morreu por absolutamente todos.


Bom, isso já foi largamente respondido acima, só o leitor voltar à parte em que trato do débito e da mancha do pecado. E com isso creio ter respondido satisfatoriamente a todos os principais argumentos de nosso objetor a questão da Imaculada Conceição em São Tomás de Aquino. Enquanto isso continuarei os meus estudos da questão futuramente tratarei do tema em outros artigos.


De resto, “Se isto não é refutação suficiente, não sei mais o que é”.

Salve Maria e Viva Cristo Rei!!!

 

BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA


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FABRO, Cornélio. Breve Introdução ao Tomismo. Tradução: Rafael Sampaio. Revisão técnica: Carlos Nougué. 1a. ed. Edições Cristo Rei, 2020.


FRIETHOFF, C. QuomodoCro B. V. M. in Originali CconceptaFuerit. Angelicum, 10, no. 3; 1933, pp. 321-334. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/44624813.


PEDRO ESPINOSA. Dictamen sobre laInmaculada Concepción de María Santíssima. Diocese de Guadalajara. – México; Comisión sobre laInmaculada Concepción de María, 1849.


HUGON, Édouard, Os Princípios da Filosofia de São Tomás de Aquino: as 24 teses fundamentais. Trad. D. Odilão Moura. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.


LAGRANGE, RéginauldGarrigou. La Síntesis Tomista. Traducción de Eugenio S. Meló. Buenos Aires: Ediciones Desclée, de Brouwer, 1946.

______________. A Mãe do Salvador e Nossa Vida Interior. Tradução: José Eduardo Câmara de Barros Carneiro. 1ª. Ed. – Campinas-SP: Ecclessiae, 2017.


MORGOTT, Francisco. La Mariología Tomística. Trad. D. Galbino Chavez; San Juan del Rio: Tip. De “La MiaericordiaChristiana”, 1899.


ROSSI, Ioannes Felix. Quid Senserit AngelicusDoctor S. Thomas de Immaculata Virginis Conceptione. Divus Thomas, Vol. 57; 1954, pp. 33-394. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/45076478.

____________. S. THOMAE AQUINATE: Expositio Salutationis Angelicae. Divus Thomas, Vol.  34; 1931, 445-479. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/45080968.

____________. “LA ‘EXPOSITIO SALUTATIONIS ANGELICAE’ DI SAN TOMMASO D’AQUINO”.


Divus Thomas, vol. 36, 1933, pp. 290-288. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/45081500.

SOLA, Manuel Cuervo. Por Qué Santo Tomás nó Afirmóla Imaculada Concepción?In:

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SYNAVE, P. Le Commentaire de St. Thomas sur l’Ave Maria et la doctrine de l’Immaculé Conception II, Bulletin Thomiste, 9. 1932, pp. 576-584.


NICOLAS, Marie-Joseph. The Meaning of the Immaculate Conception in the Perspectives of Saint Thomas. In: O’CONNOR, Edward (edit,). The Dogma of the Immaculate Conception: History and Significance. [Notre Dame, ind], University of Notre Dame Press, 1958, pp. 327-346.


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LAURENTIN, Rene. The Role of the Papal Magisterium in the Development of the Dogma of the Immaculate Conception. In: O’CONNOR, Edward (edit.) The Dogma of the Immaculate Conception: History and Significance. [Notre Dame, ind], UniversityofNotre Dame Press, 1958, pp. 271-325.

 

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR RECOMENDADA


LUMBRERAS, Peter. St. Thomas and the Immaculate Conception. In: Homiletic Pastoral Review, Vol. XXIV, n. 3, 1924, pp. 253-263.


ROSSI, Ioannes Felix. GliOpuscoli di Tommaso D’Aquino: Criteri Per ConoscereL’Autenticitá. Divus Thomas, vol. 56; 1953, pp. 211-236. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/45077509.

____________. GliOpuscoli di Tommaso D’Aquino (Continuazione e Fine).Divus Thomas, Vol. 56; 1953, pp. 362-390. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/45075542.

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BALIC, Carlo. The Mediaeval Controversy over the Immaculate Conception. In: O’CONNOR, Edward D. (edit.). The Dogma of the Immaculate Conception: History and Significance. [Notre Dame, Ind.], University of Notre Dame Press, 1958, pp. 161-211.


BEZERRA, Leandro L. Do Verbo Encarnado: cristologia segundo o tomismo escolástico. 1ª ed. – Brasília, DF: Ed. Do Autor, 2023.


BERTOLA, Ermenegildo. Review of Antiche e nueoveedizionedegliopuscoli di San Tommaso d’Aquino e il problema dela loro autenticità, by G. F. Rossi. Rivista Di Filosofia Neo-Scolastica, vol. 48, n. 2; 1956, p. 171. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/43067516.

 

 

 

 

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