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Capítulos do Livro II da obra "Defensio Fidei Catholicae et Apostolicae contra Errores Anglicanae Sectae", de Francisco Suárez

  • Foto do escritor: Jefferson Santos
    Jefferson Santos
  • 15 de jul.
  • 43 min de leitura

Tradução: Jefferson Santos


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Capítulo 1: Sobre a presença do corpo e sangue de Cristo no

sacrossanto sacramento da Eucaristia.


Sumário: 1. Cinco erros do rei da Inglaterra sobre o santíssimo sacramento da Eucaristia. 2. Primeira conclusão. 3. A afirmação é demonstrada a partir dos antigos Padres. 4. Uma evasiva dos hereges é refutada. O que Ambrósio entende pela figura do corpo. 5. Representar é o mesmo que tornar presente novamente. 6. Agostinho é defendido de uma interpretação imprópria. 7. Por significação figurada, Agostinho entende o modo da comunhão sacramental. Lugares em que Agostinho ensina simplesmente a verdade católica. 8. O mesmo é demonstrado a partir dos Padres gregos.


1. O sereníssimo rei da Inglaterra, desejando mostrar que o título de defensor da fé, no qual deseja gloriar-se, é verdadeiro e tem fundamento na própria realidade, apresentou uma confissão de sua fé pela qual se prova evidentemente o quanto ele erra da verdade da Fé Católica. Pois, depois do que havia dito em geral sobre os fundamentos da fé, ele enumera um por um vários artigos da Fé Romana e os rejeita como recentes e novos, ou até mesmo perniciosos. E, tendo revisto várias coisas, às quais retornaremos depois, ele assim acrescenta: “Entre esses artigos, eu enumero as Missas privadas, nas quais o sacerdote que sacrifica assume ao mesmo tempo a pessoa do povo e do sacerdote. Entre esses também está a mutilação do sacramento, pela qual uma metade dele foi tirada dos leigos; a transubstanciação; a elevação para o propósito de adoração; as procissões em que se carrega o sacramento durante as súplicas.” Nestas palavras estão contidos cinco erros, que revisarei em ordem diferente para que possamos começar pelo fundamento.


O primeiro é que na consagração da Eucaristia não ocorre a transubstanciação; o segundo é que a Eucaristia não deve ser adorada e que, portanto, é um costume corrupto elevá-la, por causa da adoração, no sacrifício; o terceiro é que o uso de carregar o sacramento durante as súplicas é um abuso; o quarto é que o costume dos leigos comungarem apenas nas aparências do pão deve ser condenado como contrário ao direito divino; o quinto é que as Missas privadas não devem ser admitidas.


O primeiro desses erros supõe outros dois, um deles de fato o principal neste assunto e o fundamento dos demais. É que Cristo o Senhor não está realmente e substancialmente presente sob as aparências sacramentais da Eucaristia; como razoavelmente creio ser esta a opinião do rei, que se diz professar, em grande parte, a seita de Calvino; mas parece que o rei envergonhou-se da infâmia desse homem e, por isso, ruborizou-se em confessar em palavras expressas um erro já há muito condenado. O segundo erro está incluído na negação da transubstanciação, a saber, que depois da consagração permanece a substância do pão e do vinho; pois se a substância do pão e do vinho permanecesse ali, mesmo que a carne e o sangue de Cristo o Senhor viessem a estar presentes sob as mesmas aparências, a afirmação da transubstanciação seria, sem dúvida alguma, falsa.


2. Para estabelecer, portanto, o primeiro e principal fundamento deste mistério, afirmamos que de acordo com a Fé Católica deve-se crer que o corpo e o sangue de Cristo Senhor estão verdadeira e realmente contidos sob as aparências legitimamente consagradas do pão e do vinho. Esta fé não pode ser dita pelo rei como nova e recente, nem como proveniente apenas da tradição humana ou não escrita; pois está fundamentada nas palavras expressas de Cristo relatadas pelos três Evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, e por Paulo, a saber: “Isto é o meu corpo”, e “Isto é o meu sangue”, ou, o que é o mesmo, “Este é o cálice do meu sangue” ou “no meu sangue”. Nem precisamos deter-nos em relatar e refutar os tropos, figuras e metáforas com que os protestantes tentaram corromper estas palavras tão claras; tanto porque, como eu disse, não assumi a tarefa de refutar estas controvérsias de propósito; como também porque, como advertiu Tertuliano, disputar apenas a partir das palavras e do espírito privado sobre o sentido de alguma Escritura com hereges, que não reverenciam nem a Igreja nem os Padres, é inútil.


Embora pudessem ser convencidos principalmente neste lugar quão vão é o espírito privado pelo qual se deixam guiar ao expor as Escrituras para não contradizer suas próprias opiniões. Pois nestas palavras, consideradas em si mesmas, não há vestígio de linguagem figurada; nem a ocasião de estabelecer a nova aliança, na qual Cristo as pronunciou, permite metáfora; pois os prudentes em ocasiões semelhantes não costumam, especialmente sem suficiente explicação, falar metaforicamente e de modo obscuro. Acrescente-se que Cristo Senhor acrescentou antes palavras suficientemente capazes de excluir a metáfora; pois diz: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós”, e “Isto é o meu sangue, que é derramado por muitos”. Paulo também diz, 1 Coríntios 11,27: “Todo aquele que comer deste pão e beber deste cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor.” E mais adiante, v.29: “[aquele] come e bebe a sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor.” Por fim, a concordância e conformidade destas palavras de Cristo com a promessa que fez, João 6, e com sua pregação e as figuras deste mistério e com outras palavras de Paulo, 1 Coríntios 10, confirmam e ilustram grandemente o mesmo sentido.


3. Mas passando adiante, como disse, a disputa sobre as Escrituras isoladamente, basta nos agora responder ao rei que esta fé não é nova, nem o supracitado sentido das palavras de Cristo foi descoberto após o quingentésimo ano de Cristo, mas foi transmitido por todos os Padres dos primeiros cinco séculos que trataram das palavras de Cristo ou explicaram o mistério. Desta verdade apresentaremos, não todas as testemunhas que poderiam ser aduzidas, mas aquelas que são suficientes; pois quem não as ouve não acreditaria mesmo que mil fossem apresentadas. A primeira testemunha, portanto, é Hilário, no livro 8 De Trinitate, onde primeiro prefacia: “Devemos nas coisas de Deus não falar em sentido humano ou secular, etc.” E depois de aduzir as palavras de Cristo em João 6, conclui: “Sobre a verdade da carne e do sangue não foi deixado lugar para ambiguidade, pois agora, tanto pela profissão do próprio Senhor quanto por nossa fé, é verdadeiramente carne e verdadeiramente sangue, e quando tomados e bebidos fazem-nos estar em Cristo e Cristo estar em nós. Poderá ser que isto não seja a verdade? Que não seja verdade, certamente, para aqueles que negam que Cristo Jesus é verdadeiro Deus.” Calvino, então, para quem isto não é verdade, não menos impiamente do que ignorantemente negou a verdade e consequentemente a divindade de Cristo.


4. Uma segunda testemunha muito grave e rica é Ambrósio, no livro 4 De Sacramentis, cap.4, onde, entre outras coisas, diz: “Este pão é pão antes das palavras dos sacramentos; quando se acrescenta a consagração, do pão passa a ser a carne de Cristo.” E em seguida, para afastar o espanto e dissolver com uma só palavra as raciocinações dos infiéis tiradas da vã filosofia, acrescenta: “Quando chega o momento de realizar o venerável sacramento, o sacerdote não usa agora suas próprias palavras, mas as palavras de Cristo; portanto, a palavra de Cristo realiza o sacramento. Qual palavra de Cristo? Certamente aquela pela qual todas as coisas foram feitas, etc.” E depois, no capítulo 6, explica assim as palavras de Cristo e conclui: “Devemos então duvidar de sua fé e testemunho?” Mas talvez não falte algum herege que tente violentar as palavras muito claras de Ambrósio, porque no início de seu quinto capítulo relata que o sacerdote na Missa diz as seguintes palavras: “Fazei esta oferta consagrada, racional, aceitável, porque é feita em figura do corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.” Pois, porque disse “em figura”, um homem impudente pode converter todas as outras coisas em figura, embora isso esteja em aberto conflito com elas.


Mas o sentido verdadeiro e claro é que, pela consagração, o corpo de Cristo é verdadeiramente feito estar sob as aparências, pelas quais também as aparências são feitas como sinal do corpo e sangue que contêm sob si, e isso Ambrósio chamou de ser feito em figura, isto é, em sacramento do corpo e sangue que ali se escondem, mas existem verdadeira e realmente. E este fato deve ser notado a propósito para explicar as palavras antes obscuras, se às vezes aparecem, dos Padres, palavras que devem ser explicadas a partir de lugares seus que são claros e contêm a doutrina plena, e não, ao contrário, a doutrina plena satisfatoriamente explicada em outro lugar ser ofuscada por causa de uma palavra obscura. E o mesmo sentido e toda a verdade do mistério são explicados pelo mesmo Ambrósio em seu livro De Initiandis, capítulo 9. Mas a Igreja Católica, para evitar a calúnia, não usa esse modo de falar no cânon da Missa, “feito em figura etc.”, mas diz: “para que se torne para nós o corpo e sangue de vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.”


5. Seja a terceira testemunha Jerônimo, explicando as palavras de Cristo em Mateus 26, onde assim fala: “Depois que a Páscoa em tipo foi completada e ele havia comido a carne do cordeiro com seus discípulos, tomou o pão, que fortalece o coração do homem, e passou ao verdadeiro sacramento da Páscoa, para que, assim como em sua figura Melquisedeque, o sacerdote do Deus Altíssimo, havia feito uma oferta de pão e vinho, ele mesmo também pudesse representar a verdade de seu corpo e sangue.” Onde talvez também surgirá algum herege para interpretar a palavra “representar” como alguma ficção ou metáfora. Mas a força da palavra e a mente de Jerônimo são claras; pois representar é o mesmo que tornar uma coisa presente, especialmente uma coisa que antes foi prometida ou predita como futura ou desejada. Este fato podemos explicar a partir das palavras de Sêneca, epístola 95 no início: “Buscas de mim que, o que eu havia dito que devia fazer no teu dia, eu represente e te escreva etc.”, isto é, que eu cumpra escrevendo etc. Bastante adequadas à coisa são também as palavras de Cícero, Filípica 5: “Eu de bom grado teria oferecido meu corpo se a liberdade pudesse, pela minha morte, ser representada à cidade”, isto é, restaurada ou tornada presente.


Desta maneira, então, Jerônimo disse que Cristo, ao representar, isto é, ao tornar presente, a verdade de seu corpo e sangue e ao oferecê-lo assim presente ao Pai, havia cumprido o que, na oferta de pão e vinho por Melquisedeque e na imolação do cordeiro pascal, havia sido prefigurado. E este sentido verdadeiro é mais explicado pelo mesmo Jerônimo, na epístola 150 a Hedíbia questão 2, dizendo: “Ouçamos que o pão, que o Senhor partiu e deu a seus discípulos, é o corpo do Senhor, pois ele mesmo lhes diz: ‘Tomai e comei, isto é o meu corpo.’” E depois: “Moisés não nos deu o verdadeiro pão, mas o Senhor Jesus o fez, ele mesmo o hóspede e o banquete, ele mesmo comendo e aquele que é comido; bebemos seu sangue e sem ele não podemos beber, e todos os dias em seus sacrifícios pisamos o vinho tinto do fruto da verdadeira videira.” “Das quais palavras”, diz Marianus Victor, “nada mais lúcido e mais claro poderia ser dito sobre a verdade do corpo e sangue de Cristo.” Mas é ainda mais confirmado pelo mesmo Jerônimo quando diz em outros lugares que os sacerdotes fazem o corpo de Cristo com sua boca santa, epístola 1 a Heliodoro, epístola 85 a Evágrio, e quase o mesmo em Malaquias 1, e em Gálatas 5 diz: “Sei, além disso, que o vinho é consagrado no sangue de Cristo.” E melhor ainda sobre as palavras de Tito 1,8: “Mas amigo da hospitalidade etc.”, diz: “Há tanta diferença entre o pão da proposição e o corpo de Cristo quanto há entre uma sombra e corpos, entre imagem e realidade, entre figuras de coisas futuras e as próprias coisas que são figuradas pelas figuras.”


6. Seja a quarta testemunha Santo Agostinho, que em inúmeros lugares ensina esta verdade. Mas ele me parece perspícuo e não admitir tergiversação no Contio 1 sobre o Salmo 33 [34], onde, após uma discussão muito extensa sobre o sacrifício do corpo e sangue do Senhor “que os fiéis e aqueles que leram o Evangelho conhecem, e que agora está difundido por todo o mundo”, diz que “nele Cristo mudou seu rosto de sua humildade”, isto é, “porque o Verbo, que é o pão dos anjos, se fez carne, tornou-se o pão dos homens, porque em seu corpo e sangue quis que estivesse nossa salvação”. Depois destas, digo, que ele prossegue em muitas palavras ao explicar a verdade deste mistério, ele finalmente adapta a este mistério as palavras de 1 Reis [1 Samuel] 21, como ele mesmo as lê, v.4, “Foi carregado em suas próprias mãos”, e diz: “Quem é carregado em suas próprias mãos? Nas mãos de outros um homem pode ser carregado, mas ninguém é carregado em suas próprias mãos; como isso pode ser entendido do próprio Davi segundo a letra não encontramos, mas em Cristo o encontramos. Pois Cristo é carregado em suas próprias mãos quando, recomendando seu próprio corpo, diz: ‘Isto é o meu corpo’; pois ele estava carregando aquele corpo em suas próprias mãos; a própria humildade pertence a Nosso Senhor Jesus Cristo, a própria humildade é muito recomendada aos homens”.


Onde é muito para ser pesado o que ele diz, que neste mistério e em Cristo somente se cumpre, segundo a letra, que ele carregou a si mesmo em suas próprias mãos; pois quando diz “segundo a letra”, exclui figura e tropo. Pois carregar a si mesmo em suas próprias mãos em figura ou imagem não é milagre, nem grande obra, nem próprio de Cristo; pois Davi poderia carregar a si mesmo em suas mãos em sua própria imagem. Nem também por tal obra a humildade de Cristo seria muito recomendada, mas sua humildade foi muito grande porque o Verbo feito carne tornou-se também o pão da vida para que fosse verdadeira e realmente comido pelos homens. E assim com razão Guitmund insiste neste lugar, livro 3 De Sacramento no início. Mas deve-se notar também que Agostinho no Contio 2 sobre o mesmo salmo acrescentou esta frase, “de certo modo”, quando diz: “ele tomou em suas próprias mãos o que os fiéis conhecem, e ele mesmo carregou a si mesmo de certo modo, quando disse: ‘Isto é o meu corpo’”. Qual frase talvez algum homem entre aqueles que vivem nas sombras possa maliciosamente se apoderar e subverter toda a verdade. Mas dificilmente poderia haver cegueira tão grande a ponto de supor que Agostinho disse coisas contrárias em discussão tão breve, ou que acrescentou algo que destruiria todo o mistério que havia explicado.


Portanto por aquela frase “de certo modo” (que em meu juízo é melhor lida em separação e com força de substantivo do que como frase combinada e adverbialmente) Agostinho somente quis significar que Cristo não carregou a si mesmo em suas próprias mãos de maneira corporal, isto é, visível, e sentindo e segurando em suas próprias mãos o peso de seu corpo, mas de maneira mística, porém de maneira verdadeira e real e tão singular que não poderia ser salva por mera figura ou imagem. E isto é muito para ser observado na doutrina de Agostinho, que ele frequentemente conjuga essas duas coisas, a saber, a verdade do corpo com o modo sacramental e místico, e portanto uma não deve ser excluída, ou mal explicada, por causa da outra. E assim há um testemunho muito bom do mesmo Agostinho no tratado De Cataclysmo, onde primeiro diz que “o sangue e a água, que fluíram do lado de Cristo, são os dois sacramentos da Mãe Igreja”. O que ele explica acrescentando: “Este sangue embriaga a mente para que eu esqueça o amor do mundo, etc.” E mais claramente depois, ao explicar as palavras de Êxodo 16,19: “Ninguém deixe dele para amanhã”, diz: “Isto agora se cumpre, pois o cordeiro é comido na noite deste mundo, para que, quando chegar a manhã que não terá tarde, já não se ofereça mais o sacrifício da imagem do cordeiro, mas que o próprio cordeiro, a quem diariamente imolamos, comemos e cujo sangue bebemos, ali o encontremos como o perfeito sacerdote, que, é claro, foi imolado aqui por nossa salvação”. Este lugar também pode sofrer cavilações por causa das palavras “o sacrifício da imagem do cordeiro”. Para evitar esta dificuldade, alguém poderia talvez entender essas palavras como referentes ao sacrifício do tipo, o cordeiro pascal, pois as palavras seguintes falam expressamente sobre nosso sacrifício: “o próprio cordeiro, a quem diariamente imolamos, comemos”.


Mas a explicação não se ajusta ao contexto. Pois Agostinho havia dito: “Isto agora se cumpre, pois o cordeiro é comido na noite deste mundo”. Onde ele claramente abrange também o tempo da lei da graça, pois acrescenta que este mundo perdura até aquela manhã que não terá tarde, isto é, até aquele estado de glória onde encontraremos (como ele acrescenta) o cordeiro, o perfeito sacerdote, “que, é claro, foi morto aqui por nossa salvação”. E nessa manhã, diz ele, não se oferecerá mais o sacrifício “da imagem do cordeiro”, porque, a saber, durante este mundo ele está sempre sendo oferecido. Portanto, o sacrifício da Eucaristia ele também chama de sacrifício da imagem do cordeiro. Mas com isso ele não exclui a verdade da presença do cordeiro que afirma ser diariamente imolado e comido, mas porque este sacrifício não é sangrento mas místico, e porque desta maneira é a oferta de um cordeiro invisível sob uma aparência visível, para que seja também uma recordação do mesmo cordeiro visivelmente imolado, portanto ele chama este sacrifício místico de sacrifício da imagem do cordeiro, isto é, um sacrifício que representa o cordeiro imolado por nós, segundo as palavras do mesmo Cordeiro em 1 Coríntios 11,25: “Todas as vezes que fizerdes isto, fazei-o em memória de mim”.


7. Quando se aplica uma observação semelhante, há um testemunho suficientemente claro do mesmo Agostinho, no livro 2 Contra Adversarium Legis et Prophetarum capítulo 9, onde ele diz: “O Mediador de Deus e dos homens, Jesus Cristo, dando-nos sua carne para comer e seu sangue para beber, nós O recebemos com coração e boca fiéis, embora pareça mais horrível comer carne humana do que destruí-la, beber sangue humano do que derramá-lo.” Estas palavras são muito explícitas. Mas ele acrescenta imediatamente uma certa regra geral, que os calvinistas podem abusar, quando diz: “Em todas as Sagradas Escrituras, segundo a regra da sã fé, se algo dito ou feito é exposto figurativamente sobre coisas ou palavras de qualquer tipo que estão contidas nas páginas sagradas, que essa exposição não seja tomada com desprezo, mas ouvida com sabedoria.” Mas que prestem atenção e entendam as palavras, “segundo a regra da sã fé”, que é a Igreja Católica, o consenso unânime dos Padres e a concordância com outras Escrituras e mistérios da fé, mantendo-se a propriedade das palavras onde isso possa ser feito sem inconveniência. E assim, nas palavras supracitadas de “comer o corpo e beber o sangue do Senhor”, Agostinho admite a significação figurativa e mística quanto ao modo de comer e beber, a saber o modo sacramental, pelo qual se remove o horror que poderia haver em tal comer e beber; pois esta significação figurativa está de acordo com a regra da fé e é necessária para a verdade do mistério.


Mesmo assim Agostinho não admite uma significação figurativa quanto ao, por assim dizer, comer substancial de Cristo, e por isso ele acrescenta: “a quem recebemos com coração e boca fiéis”, porque tal figura não é necessária nem conforme a regra da fé, antes, é contrária a ela. E segundo esta regra, Agostinho, nos tratados 26 e 27 sobre João, expõe amplamente as palavras de Cristo, 6,53: “Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós”, juntamente com as palavras, v.63: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos digo são espírito e vida.” Mas em muitos outros lugares o mesmo santo doutor afirma simplesmente que Cristo nos deu seu corpo para comer e seu sangue para beber, como na sua exposição sobre o Salmo 33 [34] perto do fim, e na Contio 1 sobre o Salmo 48 [49] perto do início, e na Enarratio sobre o Salmo 65 [66] antes do meio, e na sua exposição do Salmo 93 perto do início, e no Sermo 2 “De Verbis Apostoli” cap.1, e no livro 50 Homiliarum o último, em outro lugar no livro De Utilitat. Poenitent. cap.4, e no livro 2 Contra Litteras Petiliani cap.37, e no livro 1 De Peccatorum Meritis cap.24, onde ele diz: “Sem o batismo e o corpo e sangue do Senhor, a salvação e a vida eterna não devem ser esperadas por ninguém.” E por isso ele diz que os cristãos em Cartago costumavam chamar o batismo de salvação e a Eucaristia de vida; e às vezes ele acrescenta, para tornar mais claro, que bebemos o sangue pelo qual somos redimidos, como no livro 12 Contra Faustum cap.10, onde diz muito bem: “O sangue de Cristo tem uma voz alta na terra, quando, depois de recebido, todas as nações respondem: ‘Amém.’


Esta é a clara voz do sangue à qual o próprio sangue dá expressão na boca dos fiéis, que são pelo mesmo sangue redimidos.” Finalmente, no livro 20, contra o mesmo Fausto, cap.13, ele diz: “Que o pão e o cálice, não quaisquer, mas aquele com certa consagração feita mística, sejam para nós o corpo de Cristo. Por conseguinte, o que não é feito assim, embora seja pão e cálice, é alimento para refrigério, não um sacramento de religião, exceto na medida em que damos bênção ao Senhor e Lhe rendemos graças em cada um de seus ofícios.” E assim também no livro 2 De Peccatorum Meritis cap.26, ele diz sobre o pão bento, ou o pão dos catecúmenos, que é santo, e mais santo que os alimentos comuns, “pois é um sacramento”, isto é, um sinal sagrado, “embora”, diz ele, “não seja o corpo de Cristo”, porque, isto é, o corpo está de uma maneira muito mais elevada como o próprio sacramento da Eucaristia. Seja a quinta testemunha Cipriano, que em seu sermão De Coena Domini explica amplamente este mistério divino, e entre outras coisas diz: “O Mestre coloca diante dos discípulos um alimento inconsumível.” E mais adiante: “É dado um alimento de imortalidade que difere do alimento comum.” E muito depois: “Aquele pão comum, transformado em carne e sangue, proporciona vida e crescimento aos corpos, e assim, a debilidade de nossa fé, auxiliada pelo efeito habitual das coisas, é instruída por um argumento sensível de que nos sacramentos visíveis está o efeito da vida eterna, e que somos unidos a Cristo não tanto por uma transição corporal quanto espiritual.”


E mais adiante: “Aquele pão que o Senhor entregou aos discípulos, transformado não na aparência mas na natureza, torna-se a carne onipotente do Verbo.” O que ele imediatamente explica com o exemplo da divindade oculta sob a humanidade, e apresenta razões muito boas para tão grande mistério. E, após interpor algumas coisas, diz: “A Igreja Universal é convidada para este banquete, uma porção igual é dada a todos, é distribuído inteiro, etc.” Por todas estas coisas ele dá testemunho evidente da presença do Senhor neste Sacramento. Mas se alguém duvidar se a obra é de Cipriano, respondemos inicialmente que ela tem sido atribuída a Cipriano por quase todos os teólogos mais graves e autores experientes, porque o estilo, a fraseologia e a doutrina apontam suficientemente para ele. Em seguida, se talvez não seja de Cipriano, certamente ninguém pode duvidar que seja de algum Padre muito grave do mesmo período. E finalmente, em muitos lugares indubitáveis o mesmo Santo, embora com menos palavras, mostra a mesma fé no mesmo Sacramento, como na epístola 11 ele expõe a Eucaristia, isto é, “o santo corpo do Senhor”, e mais amplamente na epístola 63 diz: “Cristo ofereceu um sacrifício a Deus Pai, e ofereceu esta mesma coisa que Melquisedeque havia oferecido, isto é pão e vinho, a saber seu próprio corpo e sangue”, o que ele desenvolve por quase toda a carta. O mesmo nas epístolas 54, 56 e 75, e no livro De Lapsis no início e frequentemente em outros lugares. Seja a sexta e muito grave testemunha o Papa Leão no Sermão 6 “De Ieiunio Septimi Mensis”, que escreve: “Desde que o Senhor diz: ‘Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós’, deveis comungar na sagrada mesa de tal modo que de modo algum duvideis acerca da verdade do corpo e sangue de Cristo; pois aquilo que é recebido na boca é o que pela fé se crê, e em vão dizem “Amém” em resposta aqueles que disputam contra o que é recebido.” Ele transmite o mesmo no Sermão 4, “Quadragesimae”, e no Sermão 7, “De Passione”.


E na epístola 23, ao clero e povo de Constantinopla, diz contra os hereges que negam a verdade de nossa carne em Cristo: “Em que trevas de ignorância, em que torpor de indolência jazem esses indivíduos, que nem aprendem ouvindo nem reconhecem lendo o que na Igreja de Deus é tão unânime na boca de todos que nem mesmo pelas línguas das crianças se deixa de mencionar a verdade do corpo e sangue de Cristo entre os sacramentos da fé comum.” Muito boa também é a opinião de Optato, livro 6 Contra Parmeniano: “O que é o altar senão a sede do corpo e sangue de Cristo?” e esta: “Vós quebrastes os cálices que levam o sangue de Cristo.” Muitas coisas podem também ser lidas em Tertuliano, que é mais antigo que os citados acima, livro De Resurrectione Carnis capítulo 8, e livro De Pudicitia capítulo 9, e livro 3 Contra Marcião capítulo 19, e livro 4 capítulo 40, onde o número 662 de Pamelio recolhe muitos outros lugares seus e junta Lactâncio a ele, e defende ambos das calúnias dos hereges, até o número 668. Há também testemunhos graves e totalmente dignos de nota em Gaudêncio, tratado 2 sobre o Êxodo, e em Paulino, epístola 3 a Senero perto do fim, e epístola 4 ao mesmo um pouco depois do meio, que são igualmente antigos como os primeiros. Nem deve ser omitido Gregório, livro 4 Dialogorum capítulo 58, e livro 2 sobre 1 Reis não longe do início, nem Beda, livro De Mysteriis; pois embora estes Padres tenham vivido depois do quingentésimo ano de Cristo, eles apenas ensinam o que receberam dos Padres anteriores. Esta tradição contínua é depois mostrada por Pascásio, em seu livro De Corpore et Sanguine Domini, e pelos que depois se levantaram contra Berengário, especialmente Lanfranco, Guitmundo e Alger, com quem deve ser contado também Anselmo, livro De Corpore Christi, e Bernardo, na epístola 190 no fim, e São Tomás, Boaventura e outros. Pois de todos eles pode ser feita evidentemente clara a percepção universal e perpétua da Igreja Católica, no que diz respeito aos escritores latinos.


8. Resta-nos colher algumas coisas dos Padres Gregos, das quais citarei poucas palavras em prol da brevidade, pois muitas são muito claras e suficientemente evidentes. Mas especialmente me calarei sobre os Padres mais antigos, Dionísio Areopagita, Inácio e Marcial, porque seus escritos, embora suficientemente recebidos e mencionados pelos Padres mais antigos, são postos em dúvida pelos hereges. Seja portanto Crisóstomo o primeiro, na Homilia 60 ao povo, e 45 sobre João, nas quais se contêm, entre outras, estas coisas muito escolhidas: “Para que não nos tornássemos isto (isto é, um só corpo com Cristo) apenas pela caridade, mas fôssemos na própria realidade mesclados com aquela carne, isto se efetua através do alimento que ele nos concedeu, desejando mostrar o anelo que tem por nós. Por isso mesclou a si mesmo conosco e misturou seu corpo em nós.” E depois: “Os pais na verdade entregam seus filhos a outros para serem nutridos; eu porém, diz ele, não faço assim, mas nutro com minha própria carne e coloco meu próprio eu diante de vós.”


E ainda: “Eu quis ser vosso irmão, assumi por vossa causa carne e sangue, a vós minha própria carne e sangue por sua vez, pelos quais sou feito vosso irmão consanguíneo, eu entrego.” As quais opiniões, de fato, se cuidadosamente pesadas uma por uma, fornecerão razões individuais e muito boas para a instituição deste maravilhoso Sacramento, que, através dos efeitos deste Sacramento, ele copiosamente declara. Em seguida, ele confirma a mesma verdade a partir da virtude do instituidor, tanto lá quanto na Homilia 83 sobre Mateus, onde diz: “Não de virtude humana são as obras apresentadas; aquele que então as fez naquela ceia, o mesmo as faz também agora. Nós ocupamos o lugar de ministros; mas aquele que santifica e faz a mudança é ele mesmo.” E depois: “Ouçamos, e temamos; ele nos deu para sermos saciados com sua santa carne; ele se coloca imolado diante de nós.”


Muitas coisas semelhantes estão contidas na Homilia “De Proditione Judae” no fim, vol.3, e Homilia “Ad Neophyt.” Vol.5, e Homilias 24 e 27 sobre 1 Coríntios, e Homilia 3 sobre Efésios 1, e muitas coisas no livro De Sacerdotio no início, especialmente a partir das palavras: “Ó milagre, ó bondade de Deus, aquele que está sentado acima com o Pai é, naquele momento, sentido pelas mãos de todos, e se entrega àqueles que desejam recebê-lo e abraçá-lo, etc.” Segundo, há um testemunho marcante de São Cirilo na epístola 10 a Nestório: “Completamos um culto incruento na Igreja, e desta maneira chegamos às bênçãos místicas, e somos santificados, feitos participantes da santa carne e do precioso sangue do Salvador de todos nós, Jesus Cristo; nem o recebemos como carne comum, Deus nos livre!, nem como carne de um homem santificado e unido ao Verbo por uma unidade de dignidade, ou como possuidora de uma habitação divina, mas como verdadeiramente vivificante e própria ao próprio Verbo.”


E desta maneira ele imediatamente explica o versículo de João 6,53: “Se não comerdes a carne do Filho do homem”. Ora, esta carta é mencionada nos Atos do Concílio de Éfeso, e nos antigos Concílios está inscrita como a carta do Concílio de Éfeso a Nestório, e por isso Lanfranco e Guitmundo mencionam este testemunho sob a autoridade do Concílio de Éfeso. Mas no completo Concílio de Éfeso encontrado pelos esforços de Teodoro Peltano e por ele dado em latim, vol.1, cap.14, a mesma carta é referida sob o nome de Cirilo e do Sínodo de Alexandria, que parece ter acontecido antes daquele de Éfeso.


Mas depois no mesmo Concílio de Éfeso, vol.2, cap.5, a mesma epístola de Cirilo a Nestório foi lida e embora, como nota Peltano no lugar, não se leia ali que os Padres a aclamaram como fizeram com a outra epístola de Cirilo a Nestório, cap.3, ainda assim não pode haver dúvida de que a epístola foi aprovada da mesma maneira por todo o Concílio. Daí no Concílio de Calcedônia lemos frequentemente que a doutrina de Cirilo foi aprovada no Concílio de Éfeso e, no fim de todo o Ato do Concílio, diz-se que suas duas epístolas foram aprovadas, e os doze anátemas são especificamente confirmados que estão contidos no fim da mesma epístola a Nestório. Portanto este testemunho tem maior força pela autoridade do Concílio de Éfeso, que é um dos quatro primeiros Concílios que o rei admite. Mas além disso, o mesmo Cirilo, em seu livro a Euóptio, respondendo a Teodoreto em defesa de seus anátemas, refere-se, para defender o décimo primeiro, às palavras de Nestório, que comemos a carne de Cristo, observação que Cirilo aprova, entendendo literalmente as palavras de Cristo. Mas repreende Nestório na medida em que este separava o corpo de Cristo de sua divindade; enquanto ele mesmo ensina que, “por esta razão recebemos carne vivificante e alimento que permanece para a vida eterna, porque recebemos carne unida ao Verbo de Deus”. O que ele também repete no livro De Fide ad Reginas, sob o título “Que Cristo é a vida, do Evangelho de João”, e que também é mencionado no Concílio de Éfeso, vol.1.


Ele diz o mesmo amplamente e muito bem, livro 4 sobre João 12: “O Senhor deu seu corpo pela vida de todos, e através dele novamente causa vida em nós, e de que maneira direi brevemente segundo minha força, pois, desde que o vivificante Filho de Deus viveu na carne, ele a recriou em sua própria bondade, isto é, em vida, e, unido a ela em sua totalidade, por assim dizer, por um modo inefável de união, a tornou vivificante, porque sua natureza é vivificante, e portanto esta carne vivifica os que dela participam”. Ponto que ele desenvolve longamente através dos capítulos seguintes até o capítulo 17. Mas especialmente digno de nota é o décimo terceiro capítulo, onde repreende os hereges que imitam os de Cafarnaum quando objetam, João 6,52: “Como pode este homem dar-nos sua carne a comer?” Ele diz: “Pois clamam com grande impiedade contra Deus, nem lhes vem à mente que nada é impossível para Deus, etc.”


Mas no capítulo 17 ele descreve admiravelmente como Cristo permanece em nós, e nós nele, quando o comemos, com o exemplo da cera derretida na qual se derrama outra para que uma fique misturada com a outra por toda parte; pois com esse exemplo ele se esforça para deixar claro que comemos Cristo, não só pela fé, mas verdadeira e realmente e corporalmente. Isto mesmo é o que Cirilo de Jerusalém, na Catequese 4, conecta com as palavras apresentadas por Cristo: “Visto que o próprio Cristo assim afirma e diz do pão: ‘Isto é o meu corpo’, quem poderá depois disso ousar duvidar? E quando o mesmo confirma e diz: ‘Isto é o meu sangue’, quem poderá duvidar e dizer que não é seu sangue?” E mais adiante: “Por isso, com toda certeza, tomemos o corpo e sangue de Cristo, para que nos tornemos coparticipantes de seu corpo e sangue e nos tornemos Cristóforos, isto é, portadores de Cristo, visto que teremos recebido seu corpo e sangue em nossos membros.”


O que ele desenvolve extensamente. E na Catequese 5 diz: “Para que os que provam sejam convidados, não a provar pão e vinho, mas aquilo que está sob as aparências, isto é, do pão e vinho, o corpo e sangue do Senhor.” E de modo semelhante são expostas as palavras de Cristo por Epifânio em seu Ancoratus. “E não há ninguém”, diz ele, “que não tenha fé na palavra, pois quem não crê que é verdadeiramente ele, como ele mesmo disse, esse homem caiu da graça e da salvação.” Em seguida, a mesma verdade é confirmada por Atanásio, no livro De Incarn. Christi no fim, onde diz: “Somos admitidos à comunhão do corpo do Senhor, como ele mesmo disse, João 6,51: ‘O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo’; pois o espírito vivificante é a carne do Senhor, visto que foi concebida do espírito vivificante.” Também Gregório Nazianzeno, Orat. 3, que é a primeira contra Juliano, e Orat. 4, que é a segunda sobre a santa Páscoa, próximo ao fim: “Sem vergonha”, diz ele, “e sem dúvida, comei o corpo, bebei o sangue, desde que sejais movidos pelo desejo da vida, etc.”


O mesmo pensamento encontra-se em Gregório de Nissa, no livro De Vita Moysis, ou sobre a vida perfeita, próximo ao meio, quando diz: “Devemos tomar o alimento celestial, que nenhuma ação pelas artes da agricultura produziu para nós, mas o pão sem lavoura, sem qualquer trabalho humano, é preparado para nós. Fluindo do alto é encontrado na terra, pois o pão que desce do céu, que é verdadeiro alimento, que é obscuramente significado pelo maná, é uma certa coisa incorpórea; pois de que maneira uma coisa incorpórea se torna alimento para o corpo, ainda que uma coisa, que não é incorpórea, seja totalmente corpo?” E mais adiante: “Aquele pão milagroso, portanto, sem agricultura, muda sua virtude pela variedade de qualidade para a condição daqueles que o recebem.” Pelas quais palavras ele indica suficientemente quão elevada e exaltadamente pensava sobre aquele alimento. Também muitas outras coisas estão contidas em Basílio, em sua Exortação ao Batismo, onde chama a Eucaristia de “pão vivo”, dizendo: “Nem Israel jamais teria bebido daquela rocha espiritual se não tivessem sido batizados em figura, nem alguém te dará verdadeira bebida se não fores verdadeiramente batizado.


Eles receberam o pão dos anjos após o batismo, e tu, como comerás o pão vivo se este sacramento não tiver sido recebido?” E em seu livro De Baptismo em sua terceira parte, onde mostra que “aquele que é regenerado pelo batismo deve depois ser nutrido com a participação nos divinos mistérios”, ele entende as palavras de Cristo, tanto da promessa em João quanto da instituição nos outros Evangelistas, literal e simplesmente. E coisas semelhantes estão contidas nas Regulis Moralibus, regra 21. Justino Mártir também, em sua segunda Apologia pro Christianis no fim, ensina esta verdade muito abertamente, e a confirma pela muito antiga tradição e costume da Igreja. Em seguida, o mesmo está contido em Irineu, livro 2 Contra Haereses, capítulo 34, algumas de cujas palavras citarei imediatamente, e livro 5 capítulo 2, refutando aqueles que negam a verdade da carne e sangue em Cristo Senhor e sua natureza assumida, ele diz: “E assim, em conformidade com isso, claramente nem o Senhor nos redimiu com seu sangue, nem o cálice da Eucaristia é uma comunhão de seu sangue, nem o pão, que partimos, uma comunhão de seu corpo.”


Nestas palavras a equivalência é muito a ser notada. Pois este santo mártir julgou igualmente absurdo e contrário à verdadeira fé negar que o verdadeiro corpo e sangue de Cristo nos é comunicado no sacramento da Eucaristia quanto negar que somos redimidos pelo verdadeiro sangue de Cristo. E ele aponta para uma prova, que assim como o Apóstolo diz que temos redenção por seu sangue, “assim Cristo firmemente fez o cálice ser seu sangue, que é derramado, e o pão, que é da criatura, ser seu corpo.” Donde conclui: “Quando portanto o cálice misturado e o pão partido recebem a palavra de Deus, tornam-se a Eucaristia do corpo e sangue de Cristo.” Por estes evidentes testemunhos, então, está suficientemente provado que a fé mais antiga da Igreja, e o genuíno sentido das palavras de Cristo, eram que Cristo mesmo está verdadeira e realmente presente na Eucaristia.




Capítulo 2: A substância do pão e do vinho não permanece

sob as aparências consagradas.


Sumário: 1. Demonstra-se a partir dos Padres que essa verdade era crida nos cinco primeiros séculos. 2. Uma evasiva dos hereges é rejeitada.


1. Uma segunda verdade é, na afirmação da transubstanciação, incluída na Eucaristia, que, após a consagração, a substância do pão e do vinho não persiste, o que é abraçado como de fé certa pela Igreja Romana e Católica, fundamentada também nas palavras de Cristo e na tradição perpétua, como o Concílio de Trento, na sessão 3, cap. 4, cân. 4, recentemente declarou, e muitos outros Concílios antes dele, os quais agora não precisam ser referidos, pois não são admitidos pelo rei. Portanto, apresentaremos apenas os testemunhos dos antigos Padres, para que por eles fique claro que este sentido das palavras de Cristo e esta fé não são novos ou recentes, mas foram cridos nos primeiros quinhentos anos na Igreja Católica e foram, consequentemente, transmitidos pelos apóstolos. Todos os Padres, então, que ensinam que, através da consagração, o pão é mudado, convertido ou transformado no corpo de Cristo, igualmente afirmam abertamente que o pão comum não permanece após a consagração. Pois o que se transforma ou é convertido em outro não permanece em sua própria essência, que tinha antes, como é evidente por si mesmo; e muitos dos mesmos Padres deixaram isso claro em palavras expressas. Justino especialmente, na referida Apologia 2 Pro Christianis, quando diz, falando da Eucaristia: “Pois nem tomamos pão comum e ordinário nem bebida ordinária, mas, do mesmo modo como o Verbo de Deus se tornou o homem Jesus Cristo nosso Salvador e possuiu carne e sangue para nossa salvação, assim também recebemos que o alimento, que é consagrado pelas orações da palavra que recebemos dele e pela comunhão pela qual nosso sangue e carne são alimentados, é a carne e o sangue de Jesus Cristo, daquele que se fez homem;” e imediatamente ele aduz as palavras de Cristo e dá testemunho manifesto de que elas foram transmitidas nesse sentido pelos apóstolos. Do mesmo modo Irineu, livro 4, cap. 34, diz: “Assim como o pão da terra, ao receber a invocação de Deus, não é mais comum, mas a Eucaristia, consistindo de duas coisas, uma terrena e uma celestial (isto é, as aparências do pão e o corpo de Cristo), assim também nossos corpos, ao receberem a Eucaristia, não são mais corruptíveis, tendo a esperança da ressurreição.” Nestas palavras, ele abertamente nega que o pão comum permaneça sob as aparências consagradas, mas um celestial permanece, feito da carne de Cristo e das aparências do pão. No mesmo sentido também falou Cirilo de Jerusalém, Catequese 3’mistagógica’: “O pão da Eucaristia, após a invocação do Espírito Santo, não é mais pão comum, mas é o corpo de Cristo.” E na Catequese 4 ele diz: “Em certa ocasião, ele transformou água em vinho, que é próximo ao sangue, por sua mera vontade; e ele em quem cremos, não será digno de ter transformado o vinho em sangue? Assim como, portanto, após a transmutação da água realizada em Caná da Galileia, a substância da água não permaneceu, do mesmo modo a substância do vinho não permanece no cálice depois de ser transformada no sangue de Cristo.” Daí ele conclui mais adiante: “Que minha alma exulte no Senhor, conhecendo isto e tendo-o como certo, que este pão, que é visto por nós, não é pão, mesmo que o paladar o perceba como pão, mas é o corpo de Cristo.” E quase do mesmo modo falam Crisóstomo, Gregório de Nissa e Eusébio de Emesa, a quem me referi em outro lugar. E há algumas palavras muito boas de Epifânio nas quais ele insinua a mesma verdade, Sermão ‘Sobre os Louvores da Virgem’, a quem ele assim se dirige: “Ave, Virgem santíssima, que, como um arbusto intelectual, conténs o fogo da divindade sem queimar. Oferecimento intelectual, que trouxe o fogo e o pão quente da vida para o mundo comer, sobre o qual Cristo, o Salvador do mundo, diz: ‘Tomai, comei, isto é o meu corpo, que é partido por vós para remissão dos pecados.’” As quais palavras ele assim entende que crê e professa que o pão não é senão o pão da vida. Mas entre os latinos isto é muito sabiamente explicado por Ambrósio no livro 4 De Sacramentis, cap. 4, onde ele assim escreve: “Tu dizes, talvez, meu pão é ordinário. Mas aquele pão é pão antes das palavras dos Sacramentos; quando chega a consagração, do pão passa a ser a carne de Cristo.” E mais adiante: “Se há tão grande força na palavra do Senhor Jesus que as coisas que não eram começassem a ser, tanto mais eficaz é ela para fazer que as coisas que eram se mudem em outra.” E depois: “Portanto, para que eu te responda, não era o corpo de Cristo antes da consagração; mas depois da consagração, digo-te que agora é o corpo de Cristo; ele mesmo disse, e foi feito; ele mesmo ordenou, e foi criado.” O que ele repete novamente mais adiante. E no cap. 5 ele confirma o mesmo a partir do princípio, “que a palavra de Cristo é capaz de mudar todo um universo de coisas.” E no seu livro De Initiandis, cap. 9, ele diz: “Usamos tantos exemplos para provar que não é o que a natureza formou, mas o que a bênção consagrou, e que há maior força na bênção do que na natureza, porque pela bênção a própria natureza é mudada.” E depois: “Mas se a bênção humana é forte o suficiente para mudar a natureza, o que dizemos da própria consagração divina, quando as mesmas palavras do Senhor Salvador estão operando?” o que ele desenvolve mais extensamente no mesmo lugar. Também é significada por Agostinho, livro 20 Contra Faustum, cap. 13, quando ele diz: “O pão e o cálice, não quaisquer, mas com certa consagração, são feitos para nós o corpo místico de Cristo, não nascido.” Esta última palavra Alger, no livro 1 De Sacramentis, cap. 6, assim considera com precisão: “Visto que o pão místico não é nascido, nem é neste divino sacramento da graça criado por qualquer origem ou condição da natureza terrena, mas se torna o corpo de Cristo de tal modo que deixa de ser pão, como se diz que Cristo é 'empão' no pão que já não existe?” Por fim, Cipriano, no seu sermão De Coena Domini, fala da mesma maneira, dizendo: “É dada a nutrição da imortalidade, diferente do alimento comum, retendo as aparências da substância corpórea, mas provando por efeito invisível a presença da virtude divina.” E depois: “Aquele pão comum, transformado em carne e sangue, proporciona vida e crescimento para o corpo.” E mais adiante: “Aquele pão, que o Senhor entregou aos discípulos, mudado não na aparência mas na natureza, é, pela onipotência de Deus, feito carne.” E várias outras coisas semelhantes no que se segue ele transmite, pelas quais confirma a mesma verdade.


2. Do mesmo modo também falou Tertuliano, livro 4 Contra Marcionem, cap. 40: “O pão tomado e distribuído aos discípulos ele fez ser seu próprio corpo, dizendo: ‘Este é o meu corpo.’” Ele parece, dirão os protestantes, destruir a sentença quando acrescenta: “é a figura do meu corpo.” Mas sem dúvida ele não entendeu as palavras no sentido em que os adversários as tomam; caso contrário, no mesmo contexto também diria coisas conflitantes e seria contrário a si mesmo em muitos outros lugares. Ou então, ele entendeu que, não o pão agora consagrado, mas o pão oferecido há muito tempo ou de algum modo santificado era a figura do corpo de Cristo, como na oferta de Melquisedeque ou nos pães da proposição, porque Cristo havia de ser dado a nós como alimento sob as aparências do pão; por causa do qual também o corpo é por Jeremias chamado pelo nome de pão quando diz, 11:19: “Vinde, ponhamos lenha no seu pão” [alt.: “destruamos a árvore com o seu fruto”], passagem essa mencionada ali por Tertuliano, e dela e de outras palavras o mesmo Tertuliano ali a chama de “a antiga figura.” E este sentido é amplamente confirmado por Pamelius juntamente com Gagneus e outros. Ou, certamente, se Tertuliano chamou o pão consagrado de figura do corpo de Cristo, por figura ele não entendeu outra coisa senão o sacramento; pois embora o corpo de Cristo esteja verdadeiramente na hóstia consagrada, não deixa de ser ao mesmo tempo um sinal do corpo de Cristo ali contido; e deste modo Tertuliano quis explicar que o pão consagrado não era pão verdadeiro ou material, porque apenas as aparências dele estão ali contendo, e assim figurando, o corpo de Cristo, porque por essa razão também foi outrora chamado pão e por pão foi prefigurado em tempos passados. E este sentido ele confirma quando acrescenta: “Mas não teria sido figura se não fosse de verdade corpo.” Outra vez: “Ou se por essa razão ele fingiu que o pão era seu corpo, porque faltava a verdade do corpo, então era pão que ele deveria ter entregue por nós.” Pois por estas palavras ele explica que Cristo não ficticiamente mas realmente fez do pão seu corpo, não meramente impondo-o como sinal dele, nem unindo-o a si por modo de corpo, mas convertendo-o no seu próprio verdadeiro corpo. Essa então é a opinião de Tertuliano, que no livro De Orat., cap. 6, e livro 2 Ad Uxorem, cap. 5, ele confirma, onde se encontra esta observação: “E se ele sabe, não crê que seja o pão de que se fala.” E coisas semelhantes se contêm no livro De Pudicitia, e no livro De Resurrectione Carnis, e outros similares. Além disso, também além dos supracitados Padres mais antigos, todos os que floresceram depois do quingentésimo ano de Cristo abraçaram a mesma verdade: Damasceno, Teofilacto, Gregório, Beda, Remígio, Pascásio, Alger, Lanfranco, Anselmo, Bernardo, Boaventura, e outros cujos testemunhos são óbvios, e assim aponto apenas seus nomes pela janela, para que, do contínuo consentimento em diversos tempos dos Padres, fique claro que o sentido da Igreja foi sempre o mesmo, e que nenhuma novidade foi introduzida neste mistério pelos Pontífices mais recentes.


Capítulo 3: Sobre a verdade da transubstanciação.


Sumário: 1. Mostra-se que a transubstanciação foi sustentada em todos os séculos. 2. O nome “transubstanciação” é antigo e também foi introduzido pela maior autoridade.3; O Concílio de Florença, em vez da palavra “transubstanciação”, usou sua definição.


1. Finalmente, destes dois princípios católicos e antiquíssimos – que, sob as aparências consagradas, está presente a substância do corpo de Cristo e que a substância do pão está ausente – evidentemente segue-se a verdade da transubstanciação, que o rei erroneamente menciona entre as novidades recentes. Pois, já que ele critica a transubstanciação, pergunto: estará ele fugindo da coisa em si ou apenas evitando o nome? Se a questão é sobre a coisa, os testemunhos de todos os Padres dos primeiros cinco séculos provam abundantemente que a transubstanciação não é nova, mas foi tradição em todos os séculos. Pois pela transubstanciação a Igreja não entende outra coisa senão a conversão ou passagem do pão no corpo de Cristo, ou (o que é o mesmo) a saída do pão não simplesmente para o nada, mas o corpo de Cristo sucedendo em seu lugar.


Ou, inversamente, a transubstanciação não é outra coisa senão uma ação admirável pela qual o corpo de Cristo é constituído sob as aparências do pão, e a substância do pão é expulsa. Mas, certamente, a conversão do pão em corpo é até nestas mesmas palavras confessada pelos antigos Padres mencionados, e eles frequentemente usam no mesmo sentido o nome de transmutação do pão em corpo, ou afirmam que o pão se torna corpo, ou finalmente negam distintamente que depois da consagração permaneça o pão natural, e testificam que é o corpo místico, celestial e verdadeiro de Cristo; portanto eles ensinam, na própria coisa, nada além da transubstanciação; logo, a realidade da transubstanciação não é nova, mas uma verdade muito antiga e católica.


2. Mas se o rei encontra novidade apenas na palavra transubstanciação, sem dúvida erra em se ofender, porque embora ela não tenha a antiguidade que ele deseja, a Igreja a usou há mais de quatrocentos anos, e a aprovou com o maior consenso e autoridade no Concílio Lateranense sob Inocêncio III [1213 d.C.], no qual estiveram presentes quase 480 patriarcas gregos e latinos, arcebispos, bispos, e muitos outros abades e prelados, e os legados dos imperadores de Roma e do Oriente, e dos reis da Espanha, Gália, Inglaterra e outros, juntamente com o Sumo Pontífice e os cardeais. Mas em seu primeiro capítulo está assim escrito: “Verdadeiramente há uma única Igreja Universal dos fiéis, fora da qual absolutamente ninguém se salva. Na qual o mesmo Jesus Cristo é sacerdote e sacrifício, cujo corpo e sangue no Sacramento do altar estão verdadeiramente contidos sob as aparências do pão e do vinho, sendo o pão transubstanciado, pelo poder divino, em corpo e o vinho em sangue, para que, para a perfeição do mistério da unidade, nós mesmos recebamos dele o que ele mesmo recebeu de nós.” Nem se deve pensar que a palavra foi inventada pelo referido Concílio, pois encontramos antes daquele tempo que Gaufredo, monge cisterciense, a usou em uma epístola ao Cardeal Atanense, como relata Barônio no ano de 1188 n.18, onde também indica que então era recebida em uso comum pelos teólogos.


E encontramos a mesma palavra em certa história autêntica que o mesmo Barônio relata para o ano de 1192, no final. O começo, portanto, do costume de usar esta palavra para o mistério da Eucaristia é desconhecido. Mas ainda assim foi, antes do Concílio Lateranense, não confirmada por autoridade pública, mas ali a Igreja Universal consentiu no uso da palavra ‘transubstanciação’ para explicar este mistério. E depois, o Concílio de Florença, embora não tenha usado a palavra, colocou em seu lugar sua definição ou descrição, dizendo: “A substância do pão é convertida no corpo de Cristo e a substância do vinho em seu sangue.” Pois nada mais quis dizer o Concílio Lateranense com a palavra ‘transubstanciação’ senão a conversão de toda a substância em outra substância completa, visto que de fato o gênero desta conversão foi muito bem significado e expresso por aquela palavra. Pois ela tanto prescinde da palavra ‘mutação’, que, no rigor físico, costuma requerer um sujeito, quanto exclui qualquer erro que afirme permanecer, sob as aparências do pão, ou a natureza completa do pão, ou parte dele como matéria ou forma, ou algo dele, como o próprio ser ou subsistência do pão. E por isso com razão o Concílio de Trento, sessão 13 cap.4 e cânon 2, afirmou que a conversão de toda a substância do pão no corpo, e de toda a substância do vinho no sangue, de Cristo “é conveniente, própria e aptíssimamente chamada pela santa Igreja Católica transubstanciação.”


Finalmente, no livro anterior foi demonstrado que a Igreja concebe novas palavras, especialmente nos Concílios ecumênicos, para declarar e defender os antigos mistérios da fé contra hereges insurgentes e suas novas opiniões, tergiversações e calúnias; por que então os Concílios de Latrão e de Trento não poderiam, com semelhante instituição ou aprovação de termos, imitar os antigos Concílios de Niceia I e Éfeso I? Que tem então o rei a objetar contra a palavra “transubstanciação”, já que não pode negar a coisa se deseja ser católico não só de nome mas, o que muito desejamos, também de fato? Ou como pode negar que a transubstanciação seja antiquíssima pelo fato de a própria palavra ser menos antiga, visto que em casos não dessemelhantes semelhantes tergiversações por parte de hereges foram gravissimamente repreendidas por Atanásio, Cirilo de Alexandria e outros Padres seus iguais? E seja isto, conforme a conveniência do presente lugar, o bastante sobre a substância e verdade deste mistério, e passemos aos outros erros mencionados.


Capítulo 4: A Eucaristia é devidamente adorada com o culto de adoração (latria), elevada para esse fim e levada em procissão.


Sumário: 1. Demonstra-se que Cristo Senhor deve ser adorado com o culto de adoração. 2. Mostra-se pelos Padres que este artigo foi erroneamente contado entre os recentes pelo rei. 3. A elevação da Eucaristia é muito louvável e antiga. 4. Mostra-se que a procissão da Eucaristia em súplicas não é censurável, mas antes muito louvável. A razão é tomada do seu fim. 5. Refuta-se uma evasiva dos hereges. A Igreja pode estabelecer tudo o que for conveniente para o maior culto de Deus. 6. No início da Igreja essa procissão não era útil.


1. Não é difícil deduzir claramente esta verdade do princípio de fé estabelecido, e refutar com suficiente evidência o outro erro dos protestantes, pelo qual acusam ou negam a adoração do sacrossanto Sacramento. Pois que Cristo Senhor, verdadeiro Deus-homem, deve ser adorado com a singular e perfeita adoração de culto, é expressamente ensinado por Cirilo junto com o Concílio de Alexandria em sua epístola a Nestório sobre a excomunhão, quando diz: “Pois confessamos que o Verbo está unido à carne por modo de hipóstase, adoramos um só Filho e Senhor Jesus Cristo.” E no anátema 8 condena esta maneira de falar: “o homem assumido juntamente com Deus Verbo deve ser adorado e glorificado”; e pronuncia anátema sobre aquele “que não mais com uma adoração honra o Emanuel ou lhe adapta uma glorificação como ao Verbo que se fez carne.”


Esta doutrina foi aprovada pelo 1° Concílio de Éfeso e pelo Concílio de Calcedônia, como relatei acima, e foi recebida pela Igreja; nem pode ser negada pelo rei da Inglaterra, que professa venerar os quatro primeiros Concílios. Principalmente porque muitas vezes lemos no Evangelho que este tipo de adoração foi dado não raramente a Cristo Senhor, e não foi recusado por ele mas antes aprovado, como é claro em João 9 no cego por Cristo iluminado que, crendo já, v.38, “prostrou se e o adorou”; e 20,28 em Tomé dizendo: “Meu Senhor e meu Deus.” E Paulo, Filipenses 2,10, fala da adoração quando diz: “ao nome de Jesus todo joelho se dobre.” E em Romanos 14,11 interpreta de Cristo o versículo de Isaías 45,23: “todo joelho se dobrará a mim, e toda língua confessará a Deus.” É portanto de fide certíssima que Cristo Senhor em sua aparição visível deve ser adorado com o culto mais perfeito. Pois, portanto, tendo-se demonstrado que o mesmo Cristo, Deus-homem, está verdadeira e realmente presente na Eucaristia, ninguém que realmente creia no mistério da Encarnação e da Eucaristia pode negar que a Eucaristia deve ser adorada.


Ou talvez, porque Cristo não existe ali de modo natural e visível e está oculto sob as aparências sacramentais, ele então, afinal, não deve ser adorado como se fosse um objeto para os olhos corporais? Mas isto só acontece com aqueles que para a fé usam meramente seus sentidos, os quais, certamente, não adorariam Cristo na aparência visível porque não veem a divindade do mesmo. Aquele, pois, que é guiado pela verdadeira fé em sua religião e sua adoração, assim como adora o Verbo invisível juntamente com a carne sob a qual está oculto, assim adora o Verbo feito carne embora escondido nas aparências sacramentais. Donde, assim como Cristo Senhor disse a Tomé, João 20,29: “Tomé, porque me viste, creste”, pois, vendo o corpo de Cristo e suas chagas, creu que ele era Deus e como tal o adorou, assim qualquer católico dando fé às palavras de Cristo e vendo as aparências consagradas pelas palavras do mesmo, enxerga pela fé a Deus sob elas, e assim adora o sacramento.


2. Por esta razão, esta religião e adoração da Eucaristia é também muito antiga na Igreja, o que ninguém pode negar que tenha lido os antigos Padres; os quais brevemente recordarei para que por esta razão também fique claro que o rei da Inglaterra não conta com acerto este artigo entre os que são novos e recentes. E, para começar, Ambrósio, livro 3 De Spiritu Sancto cap.12, primeiro diz sobre os anjos que eles adoram não apenas a divindade de Cristo mas também “o seu escabelo”, o qual ele entende do mistério da Encarnação, e interpreta escabelo como “aquela terra que o Senhor Jesus assumiu na sua assunção da carne”, e assim expõe as palavras do Salmo 98[99],5: “Adorai o seu escabelo”, quando diz: “Por escabelo entende-se a terra, mas por terra a carne de Cristo, a qual hoje também nos mistérios adoramos, e a qual os apóstolos adoraram, como dissemos acima, no Senhor Jesus, pois Cristo não é dividido mas um.” Onde ele abertamente fala da perfeita adoração de culto, e faz esta adoração dele oculto nas aparências sacramentais equivalente à adoração de Cristo existente em sua própria aparência. E do mesmo modo são expostas as supracitadas palavras do Salmo 98[99] por Agostinho naquele lugar, quando move a mesma questão, de que modo somos mandados adorar o escabelo de Deus, que se diz ser terra [pedra] em Mateus 1,3, e responde: “Sendo agitado, volto-me a Cristo.”


E depois: “Pois da terra tomou terra, porque a carne é da terra, e da carne de Maria tomou carne, e porque nesta carne andou aqui, e deu sua própria carne a nós para comer para salvação; mas ninguém come aquela carne se primeiro não adorou; descobre-se como tal escabelo de Deus é adorado, e como não pecamos adorando mas pecamos não adorando.” O que eu quisera que o rei da Inglaterra lesse e considerasse atentamente.


Do mesmo modo Agostinho, na Contio 1 sobre o Salmo 21[22], entende sobre este sacramento as palavras, v.29: “E os que estão gordos na terra comerão e adorarão”, as quais ele expõe do mesmo modo na epístola 120 cap.7, e na epístola 118 cap.3, quando, comparando aquele que vem frequentemente à Eucaristia com aquele que por reverência se abstém, diz: “Cada um faça o que segundo sua fé piedosamente crê que se deve fazer; pois nenhum deles desonra o corpo e sangue do Senhor, se contendem ardentemente para honrar o sacramento salutaríssimo.” Além disso, Cirilo de Jerusalém, na Catequese 5 ‘mistagógica’, onde descreve geralmente o rito da liturgia, primeiro ensina, ao tratar da comunhão, com quanta reverência deve ser recebido o corpo do Senhor, e em seguida, após a comunhão do corpo de Cristo, diz: “Aproximai-vos também do cálice de seu sangue, não estendendo vossas mãos, mas inclinando-vos em atitude de adoração e veneração.” Muitas coisas transmite Crisóstomo na Homilia 24 sobre 1 Coríntios, especialmente no final, onde diz: “Este corpo também foi reverenciado, quando jazia na manjedoura, pelos Magos, e por eles adorado com grande temor e tremor; imitemos nós, então, cidadãos do céu, até mesmo os bárbaros.”


E mais adiante: “Não apenas vedes este corpo como eles viram, mas conheceis sua virtude e dispensação;” ainda depois: “Excitamo-nos, portanto, e temamos, e mostremos reverência muito maior do que aqueles bárbaros.” Onde também se deve considerar a equivalência entre a adoração de Cristo visível em sua própria aparência e no sacramento. Além disso, na Homilia 3 ‘De Incomprehensibili Dei Natura’ próximo ao final: “Também os anjos”, diz ele, “dobram os joelhos ao Senhor neste sacramento, intercedendo pelos homens e dizendo: ‘por eles suplicamos, por quem derramaste teu sangue, por eles rogamos, por quem sacrificaste este corpo’.” Acrescenta ainda ali que, “o diácono na Missa costuma no momento da consagração trazer os ‘energúmenos’”, que ele chama de ‘afligidos’, isto é, pelo demônio, “e lhes ordena”, diz ele, “que curvem a cabeça.” Pode-se também consultar Gregório de Nazianzo, Orat. 11 ‘De Sancta Gorgonia’, e Orígenes, Homilia 6 sobre Josué, e Eusébio de Emesa, Homilia 5 sobre a Páscoa, Teodoreto, Diálogo 2 e 3, e João Clímaco, que no Gradus 23, ‘Dominum’, diz: "recebendo a coisa celestial, adoro"; e Damasceno, livro 4 De Fide cap.13. Nem o rei alega coisa alguma contra esta verdade, nem poderia, facilmente posso conjecturar, ser trazido algo contra ela.


3. Do qual fundamento que é derrubado, sem qualquer dificuldade de fato, o que o rei alega sobre este ponto acerca da elevação da Eucaristia, para fins de adoração, após a consagração. Pois isto não pode ser repreendido como mau, assim como tampouco como novo; o primeiro ponto é claro pelo que foi dito, que se é considerado santo adorar a Eucaristia, trazê-la à frente e exibi-la ao povo para adoração não pode ser mau; portanto elevar o mesmo sacramento para o mesmo fim não pode ser repreensível mas é antes muito louvável. Pois o que na substância daquele ato ou em seu modo pode ser considerado como digno de censura? Mas que o costume não é novo é claro por Dionísio, cap.3 ‘De Ecclesiast. Hierarch.’ p.3, onde diz sobre o sacerdote consagrante: “E assim ele consuma os mistérios reverendíssimos, e em sinais santamente exibidos os expõe aos olhos”, e Basílio, livro De Spiritu Sancto cap.27, coloca isto entre as tradições apostólicas, embora o chame, não de elevação, mas “exibição do corpo divino e do santo cálice.” E ainda que a coisa não seja tão antiga, nada impede que seja recebida com toda fé e reverência uma vez que a Igreja a aprove. E por isso com razão o Concílio de Viena condenou, entre outros erros dos Beguardos e Beguinas, este erro “que não deveriam se levantar na elevação do corpo de Jesus Cristo nem fazer reverência ao mesmo”.


O qual, porém, afirmavam não de todos os fiéis mas de certos muito perfeitos, porque diziam ser marca de imperfeição descer da mais alta contemplação ao ministério da Eucaristia, erro esse que era um ridículo escárnio dos demônios. E por essa razão também é costume muito louvável da Igreja que, no momento em que o corpo do Senhor é elevado, o sino seja tocado, pelo qual os circunstantes são despertados a adorar o Senhor. Nem tampouco isto é tão novo senão que foi aprovado há mais de quatrocentos anos por Gregório IX, segundo o testemunho de Nauclero, Generat. 42. E Ivo de Chartres há mais de quinhentos anos agradeceu à rainha dos ingleses pelos sinos que ela havia doado como presente à igreja de Chartres, indicando que costumavam ser tocados no momento da consagração. Costumes desta espécie, pois, visto que são ordenados ao melhor fim e nada contêm neles de impróprio ou inapropriado ao culto divino, são, quer possuam pouca ou muita antiguidade, de se ter como inteiramente louváveis.


4. Donde também se responde ao terceiro artigo assinalado pelo rei, a saber, sobre o uso de levar em procissão o divino sacramento nas súplicas, que os protestantes costumam condenar como supersticioso, por ser novo e inventado pela engenhosidade humana e introduzido para o culto da Eucaristia. Ao que brevemente responderemos confessando, para começar, que não é costume muito antigo, embora tampouco seja inteiramente muito recente; pois foi introduzido há mais de trezentos e cinquenta anos pela autoridade dos Sumos Pontífices Urbano IV e Clemente V juntamente com o Concílio Geral de Viena, como consta no capítulo único de Clemente ‘De Reliquiis et Veneratione Sanctorum’. E foi pelo consenso universal de toda a Igreja e com maravilhosa aclamação e proveito imediatamente acolhido, e foi confirmado e tem aumentado dia a dia. O que não se fez sem a especial providência e inteiramente divina aprovação do Espírito Santo, disso não pode duvidar quem tenha dado fé às promessas de Cristo, pelas quais prometeu que ele e o Espírito Santo estariam presentes como perpétuo governante e protetor de sua Igreja.


Em seguida, também neste ponto tem lugar a razão dada, que uma instituição desta espécie, e a solene procissão da Eucaristia, tem o melhor fim, e na própria ação não há sombra de superstição, mas antes grande utilidade e muita aptidão para o fim que lhe foi proposto. Pois o fim dessa solenidade é excitar, pela lembrança de tão grande benefício, o povo cristão à ação de graças, e movê-lo a perceber mais ricamente a graça e o fruto de tão grande sacramento, como os supracitados Pontífices no exórdio e discussão daquele capítulo com a maior piedade deixaram claro. Mas a ação é de si indiferente, donde, feita para um bom fim e com devida fé e reverência, torna-se muito honrosa e religiosa, como lemos em figura sobre a procissão da Arca em Números 14 e especialmente em 2 Reis (2 Samuel) 6, e 1 Crônicas 15.


5. O que, então, os adversários encontram de censurável neste rito solene, não sei. Talvez dirão que a Igreja não poderia introduzir um novo rito desta espécie. Mas isto é afirmado por eles sem Escritura, sem razão, sem qualquer fundamento, antes, contra a Escritura e a razão. Pois a Escritura nunca proibiu isto; antes, em toda parte significa que as coisas que pertencem ao culto, às cerimônias e aos ritos deste sacramento foram confiadas à providência e disposição da Igreja, segundo aquele versículo de 1 Coríntios 11,34: “E as demais coisas ordenarei quando for.” Depois, na Antiga Lei havia poder de instituir alguma nova festa, como é claro em 2 Macabeus 4 e Ester e Judite no último capítulo; e consequentemente existe muito mais este poder na Igreja, e assim a Igreja desde o princípio se acostumou a instituir dias festivos para louvar a Deus em seus santos; portanto, com maior razão poderia instituir um dia especial em honra do Santo dos santos e em memória de tão grande benefício, como acima virtualmente argumentou Clemente V. Ademais, a condição natural da natureza humana requer variação e mudança nestas coisas, donde é inacreditável que Cristo deixasse sua Igreja, congregada de homens, sem poder desta espécie.


6. No princípio, portanto, da Igreja nascente esta celebração não só não podia ser necessária mas também nem mesmo útil, porque os cristãos, vivendo entre infiéis e sujeitos a eles, não podiam sem perigo honrar este sacramento com rito tão público e solene. Mas depois, embora pudesse ter sido feito, contudo por muito tempo este tipo de solenidade não foi julgada necessária, porque este mistério era com pura e sincera fé mantido por todos os que professavam Cristo, e todos os dias, ou ao menos nos domingos e dias festivos individuais a memória dele era recordada com grande devoção e fruto. Porém depois, quando os erros que avançavam contra a verdade deste sacramento se multiplicaram, e também a caridade e devoção dos fiéis pareciam estar esfriando, muito prudentemente de fato foi instituída uma solenidade deste tipo, para confirmar mais as mentes dos fiéis na fé de tão grande sacramento, e excitá-los a mais ardente gratidão e amor.


Pelo que com razão o Concílio de Trento pronunciou anátema contra aqueles que afirmavam que este sacramento não devia ser adorado, e que negavam totalmente que devia ser venerado em especial celebração festiva e solenemente levado em procissões. Pois em todas estas coisas ou havia suposição de erro em oposição à verdade contrária da presença de Cristo neste sacramento, ou ao menos outros erros estavam incluídos não menos opostos à verdadeira fé, como que a Igreja Universal poderia errar em moral, ou não poderia comandar senão o que se achava ordenado na Escritura, ou, o que daí se segue, que todas as cerimônias instituídas pela Igreja são supersticiosas, e coisas semelhantes, que em outros lugares foram suficientemente refutadas, e que no que segue surgirão antes frequentemente para serem confrontadas.

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