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Em Defesa da Consciência e da Imortalidade Das Almas Vs Lucas Banzoli - Parte 3: O Uso Bíblico de Nephesh

  • Dave Armstrong
  • 23 de abr.
  • 13 min de leitura

Atualizado: há 6 dias


Dave Armstrong


Parte 3 – Analisando o Hebraico Nephesh (Alma): Uso Figurado em massa na Bíblia 


Lucas Banzoli é um polemista brasileiro bastante ativo, que abraça uma teologia adventista do sétimo dia, segundo a qual não existe alma consciente fora do corpo e nem inferno (trata-se do sono da alma e do aniquilacionismo). Isso o leva a adotar uma cristologia deficiente e heterodoxa no que diz respeito à natureza humana de Cristo após a Sua morte. Ele tem mestrado em teologia, graduação e pós-graduação em história, licenciatura em letras e é professor de história, autor de 25 livros, além de blogueiro (mas agora inativo) de ao todo seis blogs. Ele continua ativo no YouTube. Esta é minha 37ª refutação dos artigos de Banzoli (ou de partes de livros seus). Até agora, não recebi uma única palavra em resposta a nenhuma delas (ou se Banzoli  respondeu  a alguma coisa, em qualquer lugar, ele certamente não me informou  sobre isso). Os leitores podem decidir por si mesmos por que isso ocorreu.Meu intuito atual é fornecer uma grande resposta a várias partes do e-book de 1900 páginas de Banzoli, A Lenda da Imortalidade da Alma, publicado em 1º de agosto de 2022. 


Ele afirma ter “coberto em profundidade todos os argumentos imortalistas” e ter “apresentado todas as evidências bíblicas da morte da alma…” Além disso, ele afirmou com confiança: “a imortalidade da alma está na raiz de quase todo engano destrutivo e religião falsa”. Ele mesmo admite na página 18 de sua Introdução que aquilo a que ele se opõe é defendido por “quase todos os cristãos do mundo”. Um erro antibíblico sincero (e presumo que haja sinceridade nele) não é menos perigoso do que uma mentira deliberada, e nós, apologistas, seremos “julgados com maior rigor” por quaisquer ensinos falsos que espalharmos (Tg 3:1). Suas palavras estarão escritas em vermelho vinho.

 

Banzoli:

Quando a Bíblia se refere ao corpo, ela geralmente alude apenas à estrutura física em si, ou seja, ao seu aspecto externo (à parte dos sentimentos, da respiração e de outros aspectos não-visíveis do homem). É por isso que muitas vezes quando ela fala do corpo de alguém, está falando de um cadáver sem vida (Lc 23:52; Mc 15:45; Lc 24:3; At 5:6).


Uma leitura rápida das 141 aparições da expressão “corpo” no Novo Testamento (RSV) provará que essa conclusão é falsa. Não apresenta o quadro todo; mas apenas uma verdade parcial, que chega a beirar a falsidade. Banzoli colhe algumas referências sobre cadáveres e ignora passagens como, por exemplo, as quatro que fazem referência ao “corpo de Cristo” (Rm 7:4; 1 Co 10:16; 12:27; Ef 4:12). A última seria lida (se São Paulo tivesse a mesma mentalidade que Banzoli) da seguinte maneira: “para equipar os santos para a obra do ministério, para a edificação do ‘cadáver sem vida’ de Cristo”.


Banzoli:

Apesar de todos os imortalistas serem dualistas, no sentido de acreditarem na dualidade entre uma alma imortal e imaterial e um corpo mortal e material, eles divergem entre si na relação existente entre a alma e o espírito. Enquanto para os dicotomistas a alma e o espírito são rigorosamente a mesma coisa, os tricotomistas diferenciam ambos (p. 60)


Os católicos são dualistas ou dicotomistas. 

Veja: “A Diferença entre alma humana e espírito?” (de Tom Nash, Catholic Answers), e as reflexões do Pe. Edward Mcllmail, LC (Regnum Christi Spirituality Center). A Bíblia se refere àquilo que sobrevive à morte tanto como “espírito” quanto como “alma” do homem (isto é, cessação da atividade biológica de um corpo vivo):


Mateus 10:28 E não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.

Lucas 23:46 Então Jesus, clamando em alta voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, tendo dito isto, expirou. (cf. Sl 31:5)

João 19:30 Quando Jesus tomou o vinagre, disse: “Está consumado”. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.

Atos 7:59 E, enquanto apedrejavam Estêvão, ele orava: Senhor Jesus, recebe o meu espírito.

Hebreus 12:23 e à igreja dos primogênitos que estão inscritos nos céus, e ao juiz, que é Deus de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados,

1 Pedro 3:18-20 Porque também Cristo morreu uma única vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito; [19] no qual foi e pregou aos espíritos em prisão, [20] que outrora foram desobedientes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, durante a construção da arca; na qual poucos (isto é, oito pessoas) foram salvos pela água.



João Calvino comentou sobre várias dessas passagens da seguinte forma:


Cristo usa esta forma de expressão quando ele diz (João 2:19), "Destrua este templo, e em três dias eu o levantarei". Ele estava falando do templo de seu corpo. De forma parecida ele a livra do poder deles, quando, ao morrer, ele a confia nas mãos do Pai, como Lucas escreve, e Davi previu (Lucas 23:4,6; Salmos 31:6). E Estevão, depois de seu exemplo, diz "Senhor Jesus, receba meu espírito!" (Atos 7:59). Aqui eles [mortalistas], de maneira absurda, pretendem dizer que Cristo está confiando sua vida ao seu Pai e Estevão a sua a Cristo, para ser guardada para o dia da Ressurreição. Mas as palavras, especialmente aquelas de Estevão, implicam algo muito diferente disto. E o Evangelista adiciona, a respeito de Cristo, que tendo curvado sua cabeça, entregou seu espírito (João 19:30). Estas palavras não podem se referir à palpitação ou a uma ação dos pulmões. Não de forma menos evidente, o Apóstolo Pedro mostra que, depois da morte, a alma tanto existe quanto vive, quando ele diz (em 1 Pedro 1:19) que Cristo pregou aos espíritos em prisão, não o mero perdão para salvação aos espíritos dos justos, mas também a confusão aos espíritos dos ímpios. Pois assim eu interpreto a passagem, que tem confundido muitas mentes; mas estou confiante de que, sob auspícios favoráveis, eu farei uma boa interpretação. 




Albrecht Dürer (1471–1528) - Domínio Público
Albrecht Dürer (1471–1528) - Domínio Público

Banzoli:


Apesar de tantos textos em que Deus fala como se tivesse uma alma, o consenso teológico é que Deus não “tem” alma (p. 81)


Aqui trata-se também de uma linguagem figurada e não literal, a qual é denominada antropopatismo ou antropomorfismoAntropopatismo é uma palavra chique para se referir ao ato de se atribuir emoções e paixões humanas não físicas a Deus. Já o termo relacionado, antropomorfismo, é a atribuição de propriedades humanas físicas (ou propriedades de animais, tais como asas) a Deus. Veja um artigo meu sobre este assunto no qual você poderá encontrar muitos exemplos bíblicos desse tipo de uso. Mais uma vez, Banzoli está descrevendo (quase contornando, por assim dizer) uma técnica literária, todavia, ao que parece, ele não tem ideia do que ela é realmente. Procurei em seu livro de 1900 páginas pelo termo “antropomorfismo” — sendo relacionado a Deus — e não encontrei. O mesmo ocorre com antropopatia (antropopatia). Ele até chega a usar a palavra “antropomórfico” uma única vez na página 1524, mas para se referir a Satanás (comentando sobre Ezequiel 32:4-7). Diante disso, aparentemente, Banzoli não sabe que as referências bíblicas a Deus como tendo “alma” são na verdade exemplos de antropomorfismo.


Banzoli cita as passagens de Levítico 7:12, 14-15, 18, 20, 25, 27 (todas elas contendo a palavra hebraica para “alma”, nephesh) e proclama: “Naturalmente, nenhum desses textos é traduzido por “alma” nas versões em português” (p. 83). No que diz respeito ao inglês, não é verdade. Na versão King James: de longe a tradução inglesa historicamente mais influente (de 1611), nephesh é traduzido como “alma” em Levítico 7:18, 20-21, 25 e 27. E, claro, nesses casos, é o uso de sinédoque que ocorre na mente do escritor inspirado (e dos tradutores da KJV): assim como também é usado analogamente em Gênesis 2:7 (o que examinamos de forma extensa na Parte 2). 

   

Uma página de referência Bíblica que pesquisa variadas traduções em inglês revela que, com respeito a Levítico 7:20, outras oito traduções em inglês fazem a mesma coisa. Uma segunda página da web fornece vários outros exemplos. Quando tais traduções usam o termo “alma”, elas estão traduzindo nephesh literalmente. Outras traduções que usam a palavra “pessoa” ou algo parecido, na verdade fazem isso com o entendimento de que era este o significado pretendido pela sinédoque. Ambas são opiniões honestas, razoáveis ​​e permitidas quando se trata de tradução. Ainda assim, quaisquer diferenças aqui não provam aquilo que o Banzoli erroneamente pensa que elas “provam”. Banzoli cita uma passagem de Jesus que, segundo ele, faz a mesma observação (errônea): 


Lucas 12:19-20 E direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te. [20] Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?


Banzoli comenta sobre isso:


Tão certo era o fato de que a alma come e bebe que Jesus pediu que “não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que haveis de comer ou beber, nem com vossos corpo, quanto ao que vestir.” (Mt 6:25). Embora a NVI traduza por “vidas”, é psyche (alma) que consta no grego. Mas o que a preocupação com a alma teria a ver com o «comer ou beber»? Na perspectiva dualista, nada. Na Bíblia, tudo. Como vimos aqui, a alma biblicamente come e bebe, razão pela qual a preocupação com a alma está diretamente ligada ao comer e beber. Embora a visão dualista tradicional descarte por completo qualquer relação da alma com coisas corpóreas, na Bíblia a alma não apenas come e bebe alimentos perfeitamente tangíveis, mas também sente fome, tem apetite e saboreia aquilo que é digerido pelo organismo. (p. 84)


E, de novo, tudo isso é sinédoque, não é literal, como observou E. W. Bullinger, em seu volume de 1104 páginas,  Figures of Speech Used in the Bible  (Trad.: “Figuras de Liguagem usadas na Bíblia”, Londres: 1898; minha cópia de capa dura foi reimpressa em 1968 pela Baker Book House [Grand Rapids, Michigan]; veja também o  link completo do livro online  e a  versão paginada do Internet Archive), com relação ao trecho de Lucas 12:19 na página 641: “A expressão ‘Minha alma’, ‘Sua alma’, etc., torna-se por Sinédoque a expressão a mimeu mesmo, ou ele mesmo, etc.” Bullinger fornece doze outros exemplos bíblicos da mesma ocorrência: dois dos quais se referem indiretamente à comida (jejum):

  

Salmo 35:13 (KJV)... Humilhei a minha alma com jejum...

Isaías 58:5 (KJV) Seria este o jejum que eu escolhi? um dia para um homem afligir sua alma? [identificado incorretamente como 57:5 em Bullinger]



Na Bíblia KJV, há muitas passagens que conectam a alma com a alimentação, da mesma maneira não literal (Lv 17:10, 12, 15; 22:6; Dt 12:15, 20-21; 14:26; Pv 13:25; Is 29:8; 55:2; Ez 4:14; Os 9:4; Mq 7:1).  Nada disso refuta o dualismo, da mesma forma como passagens em que Deus Pai (que é um Espírito imaterial) aparece com "asas" ou tendo um "braço" ou mesmo "narinas", e assim por diante, também não "provam" que Ele literalmente possui essas coisas. Em ambos os exemplos, não se trata de fatores literais, mas de fatores que envolvem técnicas literárias ou expressões idiomáticas conhecidas. Banzoli não entende isso. Então ele continua a aumentar erro após erro. João Calvino escreveu sobre a mentalidade e a visão gravemente equivocadas dos defensores do sono da alma:



É impossível não se admirar da presunção destes homens, que possuem uma opinião tão grandiosa de si mesmos, e estariam contentes de serem considerados sábios por outros, apesar de que precisam ser ensinados dos usos das figuras e dos primeiros elementos da linguagem. Neste sentido foi dito que "a alma de Jônatas estava ligada à alma de Davi" - a alma de Siquém (Shechem) "apegou-se a Diná, a filha de Jacó" e Lucas diz que "a multidão de fiéis era de um coração e alma" (1 Samuel 18:1; Gênesis 34:3; Atos 4:32). Quem não vê que há muita força em tais hebraísmos como os seguintes? "Abençoe ao Senhor, ó minha alma" - "Minha alma magnifica o Senhor" - "Diga a minha alma, Eu sou sua salvação" (Salmos 103:1; Salmos 104:1; Lucas 1:46). Indescritivelmente algo mais é expresso do que se fosse dito sem a adição, abençôo o Senhor; eu magnifico o Senhor, diga para mim, Eu sou sua salvação!


 





Como observei na Parte 2, Banzoli “não está ciente do fato de que uma synecdoche está ocorrendo aqui, já que ele nunca usa a palavra (sinédoque em português) em seu livro de 1900 páginas”. Eu lhe enviaria uma cópia do livro de Bullinger sobre figuras de linguagem bíblicas (por minha conta), para atualizá-lo, mas não preciso: está disponível gratuitamente online. Então ele pode aprender sobre esses aspectos elementares da exegese bíblica, se estiver disposto a isso. Ah, mas aí é que está o problema... Banzoli continua apresentando nesta seção vários outros exemplos de sinédoque, em vão pensando que todos eles provam seu argumento, o que o torna ainda mais tolo, em sua estultícia. É por isso que acertar na postulação das premissas é de extrema importância, porque se elas estiverem erradas, então tudo que for deduzido a partir delas também estará errado. Banzoli está tão desesperado para argumentar em defesa da sua causa impossível a partir da Bíblia que ele até decide interromper seus argumentos para praticamente alegar a existência de uma conspiração entre os tradutores da Bíblia [p. 87]. 

Ele cita esta passagem:   


Isaías 29:8 Será como quando um homem faminto sonha que está comendo, mas acorda e sua fome continua; como quando um homem sedento sonha que está bebendo, mas acorda enfraquecido, sem ter saciado a sede.... [p. 88]

 


Seu argumento é que o hebraico emprega nephesh (alma) tanto para fome quanto para sede neste versículo. Eu já expliquei por que as traduções às vezes não traduzem nephesh como alma. Elas fazem isso em casos de sinédoque. Banzoli observou um exemplo semelhante, Provérbios 13:25, e declarou que uma tradução (não tenho certeza se ele se refere a uma Bíblia em português ou a uma em inglês, ou qual exatamente quer dizer – mas ele a chama de “ACF”¹) e começa a assumir um tom conspiratório:  



[...] o próprio paralelismo hebraico entre a alma e o ventre é suprimido na tradução, talvez pelo absurdo que seria admitir uma comparação entre um ser imaterial e imortal como a alma com uma simples parte do corpo, como o ventre. Uma equiparação dessa natureza jamais seria tolerada do ponto de vista dualista, onde a alma contrasta com o corpo, em vez de se identificar com ele. (p. 87)


Mas, novamente, a ultrainfluente Tradução King James em inglês não deve ter participado da conspiração, já que traduz Provérbios 13:25 como: "O justo come para satisfazer sua alma, mas o ventre dos ímpios terá falta". Ela é seguida nesta tradução pela Nova Versão King James, pela Versão Padrão Americana, pela Versão Revisada em Inglês, pela Bíblia Católica Douay-Rheims e por várias outras. Mas Banzoli continua insistindo de forma repetitiva no erro de não entender a sinédoque, citando outras passagens (nas páginas 88-89) que conectam a “alma” com a fome ou com outras coisas físicas (Sl 69:10; Is 32:6; 55:2; 56:11; Lm 1:11; Ez 7:19). Aqui ele está se engajando na prática que eu notei e previ na Parte 1: 


O sono da alma e os argumentos aniquilacionistas são fundamentados nos mesmos erros basilares simplesmente replicados continuamente. Um desses erros, por exemplo, costuma ser a própria base da “exegese” feita (de fato, eisegese) de muitas passagens que são interpretadas de maneira errada e amplamente mal compreendidas ao estarem fundamentadas na falsa premissa.



Banzoli:


Os hebreus não hesitavam em dizer que a nephesh estava vazia, apesar de obviamente nenhuma entidade imaterial e espiritual ser um repositório de alimento físico. Isso mais uma vez desafia o dualismo grego entre corpo e alma, em que a alma jamais poderia ser igualada ou tratada como algo físico, como o estômago.

(p. 87)

Se uma coisa percebemos pela leitura de todos esses textos, é que os hebreus entendiam a alma como algo tangível, muitas vezes identificada com o próprio corpo animado pelo fôlego da vida, quando não por funções ou órgãos do mesmo. Mas o que eles definitivamente não imaginavam é que a alma fosse um “fantasminha” invisível escondido em algum lugar dentro dele. Em apoio a essa conclusão, temos os vários textos que falam da alma tocando em algo físico, o que é difícil entender do ponto de vista da alma incorpórea.

(p. 89-90)


Se falarmos num sentido literal, ele está correto. Mas em termos de linguagem figurativa, ele está errado, porque trata-se de uma ocorrência extremamente comum na Bíblia. Até que ele entenda isso, Banzoli simplesmente repetirá seu erro básico de categoria ad nauseam e ad infinitum... De fato, ele continua explicando vários outros exemplos que envolvem sinédoque nas páginas seguintes: entendendo todos eles de forma literal e alegando que eles provam que a palavra alma, na Bíblia, constitui pura e simplesmente um sinônimo para pessoa. Não há necessidade alguma de revisitarmos cada um deles, já que todos eles envolvem o mesmo erro pressuposicional chato e monótono (que já expliquei), decorrente da ignorância quanto a uma expressão idiomática hebraica bastante comum.


Banzoli fica indignado com os tradutores que não traduzem todas as ocorrências de nephesh (753 vezes no Antigo Testamento) como “alma”:


Um caso particularmente curioso é o do Salmo 105, que diz que quando Jacó foi vendido como escravo “apertaram os seus pés com correntes e puseram uma coleira de ferro no seu pescoço” (Sl 105:18). Este versículo passaria facilmente despercebido se não fosse pelo fato do hebraico trazer nephesh onde é traduzido por “pescoço”. Como os tradutores acharam absurda demais a ideia de uma alma imaterial e incorpórea ser fisicamente presa com uma coleira de ferro, tomaram a liberdade de traduzir por “pescoço” aquilo que no hebraico é “alma”. Isso não seria um problema se os tradutores abandonassem de uma vez por todas seu viés dualista e simplesmente colocassem na cabeça que “alma” na Bíblia não tem nada a ver com a filosofia grega, o que lhes permitiria traduzir o hebraico honestamente e sem medo. (p. 92)


Isso é pura tolice e estupidez. Mais uma vez, se examinarmos o caso da KJV (que não é uma tradução insignificante ou inconsequente), não encontraremos nenhuma conspiração nefasta para esconder a verdade. Das 753 aparições, nephesh é traduzido como alma na King James 475 vezes, ou 63% das vezes em que é traduzida. Isso dificilmente soa como uma conspiração para encobrir uma palavra que ambos concordamos ter o significado literal de alma. A mesma Bíblia, no entanto, também a traduz como tendo a ideia similar de vida umas 117 vezes, bem como pessoa 29 vezes, criatura 9 vezes, corpo 8 vezes, ele mesmo 8 vezes, vocês mesmos 6 vezes, eles mesmos 3 vezes e homem 3 vezes. Como quase todas as palavras bíblicas, ela é usada de maneiras diferentes em contextos diferentes.


A KJV foi simplesmente mais literal em suas traduções. Existem diferentes abordagens legítimas para se traduzir um texto, levando-se em conta quão literal se deve ser, como fornecer um “equivalente dinâmico” ou mesmo como construir uma paráfrase, etc. Sendo assim, a RSV das décadas de 1940 e 1950, uma revisão da KJV, optou por ser menos literal na tradução de nephesh (ao considerar o desenvolvimento da língua inglesa por 340 anos desde a KJV), de modo que ela traduziu a palavra como alma no Antigo Testamento 200 vezes em vez de 475 vezes.


Todavia, ela ainda está lá 27% do tempo, então dificilmente se trata de uma conspiração bem-sucedida de ocultação nesse caso. Banzoli está simplesmente perdido. Não questiono sua sinceridade. Mas ele não deveria lançar esse tipo de acusação contra tradutores da Bíblia que sabem mil vezes mais do que ele sobre linguagem bíblica e sobre como traduzi-la para diferentes línguas.


NOTA


1 - Almeida Corrigida Fiel


Tradução: Kertelen Ribeiro




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