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  • Lucas Sousa

A Tradição Patrística Grega da Transubstanciação

O texto abaixo é uma tradução da análise do Pe. Christian Kaapes sobre a Doutrina da Transmutação (𝘔𝘦𝘵𝘢𝘣𝘰𝘭𝘦 - μεταβολή) de toda Substância (𝘖𝘶𝘴𝘪𝘢 - οὐσία) do Pão e do Vinho Eucarísticos em toda Substância do Corpo e do Sangue de Cristo nos Padres Orientais.



1. Do início ao ápice


1.1 A transmutação de Moisés e as categorias de Aristóteles nos séculos II e III.


O Cristianismo se espalhou para a província romana da Arábia Petreia na área que faz fronteira com a província da Judéia no século II d.C. Os árabes, então, são atestados por terem usado o método alegórico de comentário bíblico (conforme endossado pelos autores do Novo Testamento). A província parece ter tido comunidades florescentes desde que numerosas seitas são atestadas por São Hipólito (da Palestina ou talvez Bosra, Arábia), representando seu conhecimento da situação de aproximadamente 150 - 300 d.C.¹ Para nossos propósitos, no entanto, o testemunho mais importante de Santo Hipólito está na recepção cristã árabe da Páscoa (a festa combinada de paixão-morte-ressurreição de Jesus). A Arábia parece ser uma das várias províncias a celebrar uma Páscoa ou Páscoa móvel (o que significa que pode cair em qualquer dia da semana, não apenas no domingo). Santo Hipólito reproduz trechos de uma obra de um cristão chamado Monoimos, o árabe. Podemos suspeitar que as informações que Santo Hipólito relata sobre Monoimos estão prontamente disponíveis e são precisas, pois Santo Hipólito é provavelmente um contemporâneo do mesmo ou de uma província adjacente. Monoimos provavelmente escreveu por volta dos anos 120 d.C. - 180 d.C., pois é listado como se fosse contemporâneo de Taciano (120 d.C. - 180 d.C.), mas é acusado de ter sido um aluno (embora controverso) do Gnóstico Basilides (falecido em 132 d.C.).

Monoimos é condenado por Santo Hipólito por algumas inovações em seu comentário sobre o Pentateuco. Para Santo Hipólito, seu verdadeiro erro é introduzir a numerologia pitagórica como uma chave interpretativa para entender o prenúncio de Jesus da festa hebraica da Páscoa no Êxodo. Lembremos que o famoso filósofo da Itália, o grego Pitágoras, ficou conhecido como um grande matemático que tentou reduzir a realidade a uma expressão de números. Monoimos escreve seu comentário sobre a Páscoa da seguinte forma:


"E este [cajado de Moisés]² constitui um filho perfeito de um homem perfeito. Quando, portanto, ele [Monoimos] diz, Moisés menciona que o cajado foi brandido de forma variável para a [introdução das] pragas em todo Egito - e essas pragas, ele diz, são alegoricamente expressos símbolos da criação - ele não moldou o cajado [como símbolo] para mais do que dez pragas. [...]³ Pois em que sentido, diz ele, o cajado exigiria qualquer substância (ουσίας - ousias) como o fermento (ζύμης - Zymês) [derivado] do nada para a Páscoa do Senhor (Πάσχα - Pascha, em 14 de Nisan até sua oitava em 21 de Nisan - por volta de 22 de março), a festa eterna, que é dada de geração em geração? Pois todo (Ολος - Olos) o Cosmos e todos os elementos da criação [os quatro elementos do fogo, água, terra e ar] constituem uma páscoa, [i.e.] uma festa do Senhor. Pois Deus se alegra na transmutação (τῇ μεταβολῇ - têi metabolêi) da criação⁴, e isso é feito (ἐνεργεῖται - energeitai), diz ele, por dez golpes de um cajado. E este é o cajado de Moisés, que foi dado por Deus na mão de Moisés, pelo qual Deus transmuta os corpos em novos (μεταβάλλειν τὰ σώματα - metabállein tá sómata), enquanto fere os egípcios, assim como fez com a mão de Moisés tornada branca necrótica, a água em sangue; e o restante das coisas de forma semelhante a estas - junto a isto, ele fez [transmutou] gafanhotos se multiplicarem - como erva - uma criação dos elementos (στοιχεῖον - stoicheion) em carne. Pois 'toda criatura' diz ele [Monoimos], 'é como a erva', como está escrito (Is 40,6). Esses homens também entendem toda a lei de uma certa maneira; adotando muito provavelmente, como eu penso, as doutrinas filosóficas [das categorias⁵] daqueles dos gregos [Aristóteles e os peripatéticos] que afirmam que [os predicados do ser] são substância (οὐσίαν - ousian), quantidade (ποσόν - posón), qualidade, relação, lugar, tempo, estado, hábito, ação e paixão."

(- "Contra Hæreses", Lib. VIII, 14 - PG 16, 3359-3362.)


Em primeiro lugar, deve-se mencionar que Monoimos provavelmente expande o tema cristológico de Paulo em 1Coríntios 5,6-8:


"Não é nada belo o motivo da vossa jactância! Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda (ὅλον - holon)? Purificai-vos do velho fermento (ζύμην - zymen), para que sejais massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa (πάσχα - Pascha), foi imolado. Celebremos, pois, a festa [14-21 Nisan; por volta de 21 de março], não com o fermento velho nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e de verdade."


O comentário mantém um pano de fundo eucarístico, referindo-se a Jesus como Pascha, que é o pão ázimo do sacrifício. Presumivelmente, quando Jesus celebrou a Páscoa, ele criou uma nova substância como Moisés fez com o cajado da transmutação. Esta conexão judaica decorre de Êxodo 4,17: “Toma em tua mão esta vara, com a qual operarás prodígios”. Estas são as últimas palavras de Javé a Moisés em sua teofania no monte Horebe. Assim, a conexão é que Moisés tem um cajado na mão para mudar milagrosamente as substâncias e a Páscoa requer a posse de um cajado na mão enquanto reconta esses mesmos sinais sobre uma refeição sagrada e sacrificial de carne e pão sem fermento.


A interpretação de Monoimos do Êxodo está claramente refletindo a leitura alegórica ou tipológica do próprio Paulo, autorizada por Colossenses 2,16-17: "Ninguém, pois, vos critique por causa de comida (ἐν βρώσει - en brôsei) ou bebida (ἐν πόσει - en posei), ou espécies de festas ou de luas novas ou de sábados.⁶ Tudo isso não é mais que sombra do que devia vir. A realidade (σῶμα - sōma) é Cristo.⁷" A analogia é a seguinte: Moisés atingiu corpos de elementos (assim trans-elementando-os na linguagem de Fílon) por seu cajado, que se tornaram novas substâncias (ousiai), não muito diferente de São Paulo, que afirma que a antiga comida e bebida celebradas nas luas novas e nos sábados são agora preenchidas pelo corpo (ressuscitado - sōma) do Messias. Até agora sabemos muito bem que tanto a tradição interpretativa judaica quanto a cristã abraçaram plenamente as afirmações de Monoimos de que as mudanças substância-a-substância (ou natureza-a-natureza de Fílon) acontecem por intervenção divina através da instrumentalidade do cajado de Moisés. No entanto, para Monoimos, Jesus tornou-se o cajado do céu que então muda os elementos da Páscoa, que é o pão ázimo, batendo (isto é, quebrando)⁸ o pão ázimo da Páscoa que resulta na transmutação dos elementos para se tornarem “novos corpos” (metabállein tá sómata). As analogias são tradicionais: água em sangue, mão viva em carne necrótica e erva em gafanhotos. Curiosamente, no início de sua longa exposição, Monoimos refere-se a “toda a lei” como os dez mandamentos e que esses são os mistérios que podem explicar seu evento antecipatório das dez pragas, que são, em geral, transmutações milagrosas. Finalmente, Santo Hipólito conclui observando que Monoimos sustentava que as mudanças substanciais da vara de Moisés correspondiam a mudanças substanciais de acordo com o livro aristotélico das (dez) Categorias, cuja primeira categoria é a de substância (οὐσία - ousia). Observe como o conceito de substância é importante para Monoimos falar sobre a refeição da Páscoa e as mudanças nas substâncias inertes trazidas à vida pelo golpe de Moisés com seu cajado. Como Santo Hipólito está citando Monoimos sobre esta questão, Monoimos (e seus confrades cristãos árabes) distinguiu a Páscoa Eterna de Jesus (isto é, a recriação dos elementos da Páscoa no pão transmutado em seu corpo ou substância eternamente ressuscitado)⁹ das outras nove categorias de qualidade, quantidade e outros acidentes. Como tal, a Eucaristia é claramente uma mudança substancial de pão sem fermento (para esses cristãos quartodecimanos) na carne ressurreta de Jesus.


Dada a aprovação de Santo Hipólito como escritor Ortodoxo por numerosos cristãos Ortodoxos, especialmente de São Jerônimo (falecido em 420 d.C.) ao Papa São Gelásio I (que reinou entre 492-496 d.C.), o que devemos fazer com sua crítica de Monoimos e sua seita árabe como herética? Claramente, eles não são heréticos em muitos pontos. Esses árabes são inteiramente Ortodoxos, pois estão alinhados com João Batista, os Targums, Fílon de Alexandria, passagens do Novo Testamento e seus contemporâneos: São Clemente de Alexandria e Orígenes, na maioria das questões relacionadas à transmutação, exceto uma (discutida abaixo). Em segundo lugar, a Páscoa Quartodecimana (14 de Nisan; lua nova após o equinócio da primavera) - embora parcialmente abordada pelo Papa São Victor nessa época - não se tornou uma questão da Ortodoxia até o Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia (325 d.C.). Além disso, a suposição de que o cajado de Moisés é Cristo, tipologicamente, está dentro do alcance das leituras tipológicas que podemos esperar em autores cristãos. Cristo, afinal, é tipologicamente a serpente erguida por Moisés na vara de madeira para curar os picados pelas serpentes venenosas enviadas por Deus para punir os pecados dos israelitas (Nm 21,6). Além disso, o cajado de Aarão é identificado tipologicamente entre os cristãos Ortodoxos dos séculos futuros como sendo a flor da qual brota Jesus. Como tal, todas essas particularidades parecem ser Ortodoxas. O problema de Santo Hipólito é outro: Monoimos abraça uma heresia sobre o Filho do Homem mencionada no próximo capítulo da obra de Santo Hipólito. Porque o cajado pertencente a Moisés e Arão foi transmutado, e Jesus é esse cajado, Monoimos confessa que Jesus foi transmutado em sua descida ao mundo de uma substância para outra por transmutação (μεταβολή - metabolê). Esta tem sido a verdadeira heresia que contém o gnosticismo em seus contornos, conforme já comprovado pelos estudiosos.¹⁰ Santo Hipólito despreza Monoimos por sua aplicação da filosofia pitagórica (que ele sugere confusamente incluir as categorias de Aristóteles) à Fé Cristã, que Hipólito deseja divorciar da filosofia helenística e antiga do Oriente grego. Como tal, a teoria da transmutação que faz uso das categorias de Aristóteles para descrever uma mudança de substância para substância não pode de forma alguma ser considerada neste momento formalmente heterodoxa, nem deve ser condenada como tal em futuros sínodos, nem pelos futuros Padres da a Igreja.


Por fim, ficamos surpresos ao descobrir no seio da cultura semita, entre os cristãos árabes cujas comunidades são adjacentes à Judéia, que a discussão da Eucaristia já levou a discutir a transmutação milagrosa de substâncias no Antigo Testamento como exemplos de mudanças substanciais aristotélicas já no século II d.C.


1.2 Culminação da Tradição Alexandrino-Palestina em São Cirilo de Jerusalém


Para nossos propósitos, Eusébio de Cesaréia, a quem mencionamos anteriormente como um grande historiador da igreja no início do século IV, é a primeira testemunha do que será conhecido como a Anáfora de São Tiago, Irmão do Senhor.

Isso é importante, pois a anáfora ou oração sobre a Eucaristia usada por Eusébio também será citada cerca de quarenta anos após sua morte por São Cirilo de Jerusalém (que morreu em 386 dC).¹¹ Eusébio citou obliquamente a Anáfora de São Tiago no início do século III na Palestina, o mesmo local onde São Cirilo de Jerusalém fazia suas palestras catequéticas aos pagãos que procuravam ser batizados ("Catecheses illuminandorum").

Existem duas obras nas quais São Cirilo aplica a Doutrina Bíblica da mudança substancial à Eucaristia, embora uma dessas duas obras tenha sido sugerida como pertencente ao sucessor de São Cirilo, João de Jerusalém. De nossa parte, nos referimos ao autor de ambas as obras de maneira padrão como São Cirilo. Começamos primeiro com o trabalho incontestável de São Cirilo da seguinte forma:


"Disse Deus: Faça-se o firmamento no meio da água (Gn 1,6). Deus o disse uma vez, e lá está e não se abala. O céu é água e de fogo são os elementos nele fixados: o sol, a lua e as estrelas. E como os elementos de fogo andam na água? Se alguém duvida a respeito das naturezas (φύσις - physeis) contrárias do fogo e da água, lembre-se do fogo que sob Moisés no Egito fulgurou no meio do granizo

(Ex 9,23)."

["Catechesis IX, De Deo Omnium Conditiore", V - PG 33, 641-644]"


O contraste de tais contrários entre calor e frio, água mole e gelo duro, era uma questão fundamental sobre as contradições do tempo de Anaxágoras, cuja teoria foi imortalizada pela Meteorologia de Aristóteles. As próprias reflexões de São Cirilo em sua nona palestra destinam-se a comentar o Credo Batismal de Jerusalém sobre a relação entre o Pai e seu Filho (que é tipologicamente o orvalho das nuvens do céu) para preparar os convertidos para receber o batismo de água e seu primeiro alimento sólido como recém-nascidos na Eucaristia. São Cirilo continua:


Quem é o pai da chuva (ὑετοῦ - huetou)? Quem forma (τετοκὼς - tetokôs) as gotas de orvalho (δρόσου - drosou)?' (Jó 38,28). Quem lhe ordenou reter as águas da tempestade? Quem traz do norte as nuvens aurifulgentes? (Jó 37,22). Quem as acumula ora num todo (ἔν είδος μεταποιῶν ταῦσα - en eidos metapoiôn tautae logo as separa nas formas mais bizarras e caprichosas (σχημάτα - schêmata)? […] Apesar de pousarem tais massas de água sobre as nuvens, não se rasgam, mas as derramam ordenadamente sobre a terra.[…] Do ventre de quem procede o gelo (κρύσταλλος - krystallos - Jó 38,29 - LXX)? pois aquosa é sua substância (ὑπόστασις - hypostasis) e lapídea (λιθὡδης - lithôdês) a sua propriedade (Jó 38,28). Às vezes, a água se faz neve (χιὼν - chiôn) como lã (ἔριον - erion), outras vezes, espalha a geada (ὁμίχλην - omichlên) como cinza (Salmo 147,16), e ainda é convertida (μεταβάλλεται - metaballetai) em matéria dura como pedra (λιθὡδη ὑπόστασιν - lithode hypostasin), porquanto Deus dirige a água como lhe apraz. Possui uma só natureza, mas muitas formas de energia. […] a água era apenas uma natureza, mas dela vem a vida das coisas. […] A água […] transforma-se (μεταβάλλεται - metaballetai) em pão (ἄρτον - arton), 'que sustenta o coração do homem' (Salmo 103,15)."

["Catechesis IX, De Deo Omnium Conditiore", IX-X - PG 33, 648]


Além de analogizar pela Escritura a concepção do Messias à do orvalho nascido misteriosamente, São Cirilo desejava preparar seus novos convertidos por meio de instruí-los na transmutação ou transformação da água de uma substância em outra, à qual ele alude plenamente ao mencionar o fato de que a água celestial foi transformada em pão ou maná que em breve será consumido pelos recém-batizados. É à luz dessa preparação que ele pode retornar aos tipos de transmutação ou mudanças de substância para substância do Antigo Testamento:


"O mar, ao ver nos tempos de Moisés a vara, simbolicamente, cedeu por reverência ao ser ferido (Ex 14,16-21). Ora, o que a vara de Moisés conseguiu, não consegui-lo-ia a cruz do Salvador? Por amor à brevidade, omito muitas das figuras. …Sob Moisés um madeiro tornou a água doce (Ex 15,25). E do lado de Jesus manou água sobre a cruz (Jo 19,34). O primeiro dos sinais de Moisés foi sangue e água; do lado de Jesus foi o último de todos os sinais. Em primeiro lugar mudou (μετέβαλεν - metebalen) Moisés o rio em sangue (Ex 7,20); Jesus, em último, verteu água com sangue de seu lado (Jo 19,34)."

["Catechesis XIII, De Christo Crucifixo et Sepulto", XX-XXI - PG 33, 797].


Em relação à Eucaristia, os sinais do Antigo Testamento são antecipações ou sombras dos sacramentos do Novo Testamento. A interpretação bíblica de São Cirilo não apenas resume tudo o que já demonstramos nas tradições judaica e cristã sectária, mas esta é de longe a posição cristã mais comum da Eucaristia no final do século IV. São Cirilo de Jerusalém parece atuar como o grande compilador em grego de todos os tipos e exemplos bíblicos que afirmam a ideia de mudança substancial por intervenção Divina, como com o maná e no Nilo, e tais são os modos pelos quais Jesus age no Última Ceia. Em consonância com o desenvolvimento de São Cirilo desses, até agora, temas fáceis de entender que vimos com tanta frequência, ele pergunta retoricamente a seus convertidos recém-batizados sobre o ensino de São Paulo sobre a Última Ceia em 1 Coríntios 11,26. São Cirilo explica:


"O ensino do bem-aventurado Paulo é por si só suficiente para dar-lhe plena segurança sobre os mistérios Divinos pela admissão de que você se tornou um corpo e sangue com Cristo. Pois Paulo há pouco proclamava 'que na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus Cristo tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: 'Tomai, comei: isto é o meu corpo'; então, pegando o cálice, deu graças e disse: 'Tomai, beba: isto é o meu sangue'. Quando o próprio Mestre disse explicitamente sobre o pão: ‘Este é o meu corpo', alguém ainda ousará duvidar? Quando Ele mesmo é a nossa garantia, dizendo: 'Este é o meu sangue', quem vacilará e dirá que não é o sangue dele? Uma vez em Caná da Galileia Ele transformou (μεταβέβηκεν - metabeblêken) a água em vinho por sua vontade soberana, não é crível, então, que Ele transformou o vinho em seu sangue? Se, como convidado em um casamento físico, Ele realizou esse milagre estupendo, não será muito mais fácil confessar que concedeu aos 'amigos do noivo’ (Mt 9,15) a fruição de Seu próprio Corpo e Sangue?"

("Cathechesis Mystagogica", IV, I-II - PG 33, 1097-1100).


Além disso, Cirilo está preocupado com um claro problema pastoral entre os novos convertidos que iremos revisitar com Santo Ambrósio e muitos outros. Os convertidos da época não tinham acesso público ao pão e vinho durante os serviços de comunhão ou a missa e sua distribuição do pão e vinho abençoados. Eles não puderam saber de antemão como era aquela experiência da Eucaristia. As palestras de São Cirilo são um discurso retórico ou a antecipação de um professor veterano de cristãos neófitos que provavelmente ficarão desapontados com o fato de que - ao contrário do mundo pagão em suas sociedades outrora secretas - a iniciação Cristã não tem um momento mágico de ver algum tipo de maravilha. As aparências do Pão e do Vinho permanecem. São Cirilo deve explicar que isso não é menos maravilhoso do que o que Deus fez por Israel no passado, mas que um milagre acontece além da percepção dos sentidos físicos. À medida que a reflexão sobre Jesus Cristo, como um composto de uma natureza totalmente Divina e uma natureza totalmente humana, avança nas considerações dos santos posteriores, esta será uma reflexão importante. Afinal, todos os cristãos afirmam que Jesus encarnado é Deus, mas Ele aparece fisicamente diante de seus próprios parentes em Nazaré e para muitas pessoas em Israel como um ser humano sem atributos especiais. Sim, por sua natureza humana de carne ou corpo-alma sendo assumida pela Palavra de Deus, Jesus não é in utero um ser separado ou independente, mas sempre uma natureza humana real cuja personalidade ou personalidade é rastreável à pessoa da Palavra ou segunda pessoa da Trindade. Embora realmente Deus, Ele parece às vezes, se não na maioria das vezes, inteiramente humano. Isso levanta questões sobre a mente e a vontade humana de Jesus e se Ele tem uma segunda personalidade (considerada uma heresia). No entanto, notemos que, se entendermos que Jesus é principalmente Deus e que Ele é Deus assumindo a carne, Ele, no entanto - fora das revelações especiais - aparece como um de nós em todas as coisas, exceto no pecado. Então, o Pão e o Vinho Eucarísticos são uma imitação perfeita das próprias reivindicações do Novo Testamento, Jesus na terra parece física e visivelmente um mero homem, mas milagres especiais manifestam de tempos em tempos que a divindade está totalmente na raiz dele em sua existência corporal (Colossenses 2,9). Por analogia, devemos esperar encontrar o mesmo com a Eucaristia e seus milagres históricos e não ficaremos desapontados.


Como estamos aprendendo, nenhuma discussão sobre a mudança de substância para substância está repleta sem uma referência a corpos ressurretos. A analogia mais próxima nesta vida que temos naturalmente é o corpo morto versus a pessoa viva. É muito difícil, em circunstâncias extremas, até mesmo para equipes de médicos de salas de trauma e necrotérios fazer isso direito, porque parecer e agir como um cadáver não é garantia, pela aparência, de que a alma deixou o corpo. Portanto, quando dezenas de horas depois, em casos extremos, a pessoa acorda e se encontra com frio em um necrotério ou enterrada em um caixão, fica claro que a transição de uma substância viva para uma substância morta ocorreu de maneira imprecisa. A Eucaristia é a mesma, a transição não é visível aos olhos e seu momento de mudança é uma questão de Teologia, não de visão, embora o milagre ocasional na história da manutenção de registros cristãos e os milagres do santuário para a Eucaristia marquem momentos, como o Transfiguração no Tabor, quando Jesus escolheu revelar-se milagrosamente no que era presumivelmente mero Pão e Vinho. Então, voltemos à nossa última grande citação de São Cirilo, onde ele nos assegura que o exemplo da ressurreição é outro caso de transmutação e o que será chamado várias décadas depois em Jerusalém de “transubstanciação” (μετουσίωσις - metousiôsis):


"Contradizem a isso os insensatos samaritanos, afirmando: Não repugna que as almas de Abraão, Isaac e Jacó sobrevivam, mas sim que os corpos ressurjam. Pois se a vara do justo Moisés pode transmudar-se (γενέσθαι - genesthai) em serpente (Ex 4,3), os corpos dos justos não poderão reviver e ressuscitar (ὰποκαθίσταται - apokathistatai)? Se uma coisa pode acontecer contra a natureza (παρὰ φύσιν ὲγένετο - para physin egeneto), por que esta, que é conforme a natureza, não poderia realizar-se? Também a vara de Aarão, cortada e seca, sem o odor da água, refloriu (Nm 17,8); ainda que fechada debaixo de teto, revigorou como se estivesse em campo aberto, e ainda que estivesse em terra ressequida, brotou numa noite como plantas regadas anos a fio, produzindo frutos. À vara de Aarão como que ressurgiu dos mortos e o próprio Aarão não ressurgiria? E para lhe garantir o sumo sacerdócio, Deus realizou um milagre numa planta; negaria Deus a ressurreição ao próprio Aarão? E uma mulher contra a natureza se tornou sal (παρὰ φύσιν ἄλας γίνεταί - para physin halas ginetai), transformando-se (μεταβάλλεται - metaballetai) em sal também sua carne (Gn 19,26). Não poderia de novo a carne tornar-se (ὰποκαθίσταται - apokathistatai) carne? E fazendo-se a mulher de Ló coluna de sal, a mulher de Abraão com isto não ressurgiria? Que poder transformou (μετεβλήθη - meteblêthe) a mão de Moisés, que dentro de uma hora se tornou branca como a neve [ou seja, água congelada] e logo lhe foi restituída (ὰποκατέστη - apokateste) como antes fora? (Ex 4,6) Certamente o poder de Deus. O que, então, foi possível ao poder [de Deus], hoje já não o seria ?"

["Catechesis XVIII, De Carnis Resurrectione", XII - PG 33, 1029].


Agora podemos ver a interpretação judaica e cristã de todas as passagens do Antigo Testamento e do Novo Testamento acima mencionadas sendo representadas com precisão e justiça por São Cirilo. Ele não é um professor religioso inovador ou aventureiro, mas bastante tradicional, especialmente nos arredores da Cidade Santa de Jerusalém, onde se encontra o berço figurativo e literal da fé cristã.


1.3 Nestório e a inovação: a primeira rejeição conhecida de mudanças substanciais


São Cirilo finalmente ganhou uma reputação de ortodoxia quando pressionado a tomar partido no conflito Trinitário versus ariano. É até plausível que ele tenha sofrido uma possível perda de sua posição na igreja até a restauração do Trinitarianismo Ortodoxo por volta de 381 d.C. (a formalização do programa pró-Ortodoxo de Teodósio, o Grande, para toda a palavra greco-romana sob sua autoridade). Mais importante para nossos propósitos, São Cirilo era o bispo do que aparentemente se tornou o principal santuário para os peregrinos visitarem. Temos relatos bastante detalhados sobre o que os peregrinos faziam nos santuários e túmulos nessa época. O efeito dele de fornecer ritos de Adoração para viajantes internacionais de diversas línguas e origens significou que seus ensinamentos e reputação se espalharam rapidamente em um império que ainda mantinha boas comunicações. O resultado final garantiu que os escritos de São Cirilo se tornassem best-sellers, uma vez que suas obras foram trazidas por peregrinos do que era o centro do mundo para os postos avançados mais distantes do cristianismo nas bordas (e além) do império. Apesar da reputação internacional de São Cirilo, os habitantes locais há muito estavam acostumados com a cultura e a natureza cosmopolita da Jerusalém pós-constantiniana e cristã. Os costumes locais dos povos de língua siríaca e árabe parecem ter se mantido especialmente em torno de Antioquia, na Síria. Existem razões pelas quais podemos facilmente presumir que esse seja o caso. Antioquia não era apenas uma cidade biblicamente central para o Novo Testamento, mas também uma Sé Apostólica, ou um lugar que havia sido a sede de Apóstolos como São Pedro para realizar sua evangelização. É tradicionalmente considerado pelas antigas igrejas cristãs em todos os lugares como a primeira Sé de São Pedro, o Apóstolo. Além disso, como a terceira maior cidade do império romano, exercia enorme influência política e econômica sobre as províncias em todas as direções. E é claro, fazia fronteira com a Palestina.


Aqueles que se dedicam a ser estudiosos dos rituais e costumes do culto cristão (isto é, liturgiólogos) há muito adotaram o princípio do Dr. Anton Baumstark, que observou que é quase uma lei inexorável que os centros metropolitanos de uma região exerçam influência como centros culturais sobre bispos menores e menos importantes e suas igrejas quando estes estão em comunicação com a igreja dominante.¹² Como tal, Antioquia provavelmente reteve e espalhou uma série de costumes dos séculos anteriores (em vez de ser excessivamente influenciada pela pequena Jerusalém), incluindo aqueles de comunidades judaico-cristãs não muito diferentes da comunidade de Monoimos e outras comunidades judaico-cristãs responsáveis por produzir as Pseudo-clementinas, às quais nos referimos anteriormente. Essas igrejas do segundo e terceiro séculos absorveram idéias de transmutação, assim como cristãos inquestionavelmente Ortodoxos, como São Cirilo de Jerusalém. No entanto, no caso de Monoimos, ele foi considerado escandaloso para Santo Hipólito (que é apelidado de Ortodoxo pelos santos de todas as igrejas ocidentais e orientais nesta região hoje). Monoimos afirmou que Jesus (e mais especificamente sua substância) foi transmutado de um ser Divino em um indivíduo não Divino em sua vinda à terra. Essa heresia não é bem conhecida em todos os seus detalhes, mas é inteiramente possível que a ideia tenha sido mantida na Síria de que instâncias, como a mudança da água do Nilo (como outras mudanças substanciais), foram consideradas algo como uma realidade Divina ou Eterna, transformando-se em temporal. Também é possível que persistisse a ideia de que Jesus era de alguma forma uma combinação do Eterno com o temporal, transmutando-se para frente e para trás entre as substâncias ou de alguma forma tornando-se simultaneamente duas substâncias diferentes. O resultado líquido dessa ideia confusa do termo da transmutação de Jesus criou ideias concorrentes na Síria para explicar a mudança da água do Nilo. Embora isso seja especulativo, nossas observações poderiam facilmente explicar por que um texto atribuído a Nestório (abaixo, que é natural de Cesaréia Germânica em Eufratensis, na atual fronteira turco-síria) rotulou seu oponente incorretamente com referência à milagrosa mudança de substâncias de Moisés no Antigo Testamento. Este pode ser um caso em que este Nestório nominal categorizou São Cirilo por categorias heréticas conhecidas de mudança substancial para Jesus, como existindo na Síria no quarto século, mas não relevante para São Cirilo no Egito em sua época.


Um texto atribuído a Nestório de Constantinopla (eleito arcebispo da capital em 428 d.C.) retomou a questão tradicional da transmutação do sal, cajados e água quando se dirigiu ao que sabia ser a Eucaristia de seu contemporâneo (São Cirilo de Alexandria). associações com eles. Este suposto Nestório mutilou a discussão tradicional da mudança bíblica substância-a-substância entre os principais cristãos que ainda hoje se cruzam com o pensamento contemporâneo sobre a Eucaristia entre católicos romanos, ortodoxos orientais e confissões cristãs ortodoxas orientais. Embora o suposto Bazaar de Nestório (atribuído a ele por volta de 452 d.C.) tenha sido composto após o Concílio de Calcedônia (451 d.C.), ele apenas desenvolve uma série de suas fontes e temas mais antigos para justificar o que ele alega ser a exoneração de São Leão Magno, de sua própria cristologia contra São Cirilo de Alexandria. Este Nestório tentou usar a transmutação bíblica para entender a Encarnação de Jesus ou sua constituição Deus-homem. Assim, nosso Nestório literário enfatizou que as substâncias/naturezas (humanas ou não) são itens fixos que só podem reivindicar seus nomes convencionais em virtude de possuírem os atributos essenciais próprios de tal essência/natureza como ela é definida. Devemos esperar que os cães ladrem, não miem, e devemos esperar que os golfinhos nadem, não andem sobre duas pernas. Na linguagem mais abstrata de Nestório, a matéria (primária - ὕλη - hylë) é uma realidade essencial para definir e constituir a natureza humana. Todo ser criado para a maioria dos filósofos da Antiguidade é uma substância e, portanto, composto tanto de forma quanto de matéria. A forma é tudo o que organiza a matéria em suas atividades e a mantém como unidade ou espécie. A matéria é o que é passivo e suscetível de ser formado em vários tipos de coisas, plantas e animais. Em tais exemplos, este Nestório estabeleceu seu argumento de que Deus não pode realmente se tornar homem, no sentido de assumir a natureza humana, a menos que a definição de Natureza Divina inclua por implicação a materialidade ou, inversamente, o homem não pode incluir a essência divina por definição ou por sua realidade . Vejamos o inventivo diálogo atribuído a Nestório, juntamente com seu suposto interlocutor Sofrônio:


"A respeito disto: aquele que vem a existir por ousia de uma matéria precedente (hylë) é aquilo que ele se tornou e não aquilo que ele era antes de se tornar [assim], como de uma mulher [de Ló] lá surgiu uma estátua de sal (Lucas 3,8). E nada mais é do que isso, assim como um homem de madeira e pedra não é verdadeiramente chamado de homem, sendo a natureza de madeira e pedra, assim também aquele que se tornou homem da substância (ousia) de Deus não é chamado de homem. por natureza, enquanto subsistir a Natureza Divina.


Sofrônio: Então, ó homem admirável, das pedras Deus pode levantar filhos a Abraão (Mt 3,9), e de uma estrutura corporal humana uma estátua de sal, e da terra um homem; e nada impediu Deus nem nada o impediu de fazer o que Ele deseja, nem impedindo-o de se tornar carne.


Nestório: Primeiro, então, investigue o que você disse. Prove isso para nós, que Deus assim o deseja. Pois toda a opinião do mundo concorda que Deus pode fazer tudo o que quiser. Mas, novamente, você fez uso de provas em contrário. Pois aquele que se torna homem da pedra ou da terra é a natureza do homem, na medida em que se tornou verdadeiramente homem, e não a natureza da pedra ou da terra; e aquilo que se tornou uma estátua de sal de um corpo humano é apenas a natureza de tudo o que se tornou. Pois as coisas que são mudadas de sua primeira ousia possuem apenas aquela natureza na qual foram mudadas. Portanto, se tu dizes que ele se tornou a natureza da carne da hylê da natureza de Deus, Ele possui aquela ousia que Ele se tornou sem ter sido [isso]. E não é importante que, como eu disse, a ousia do homem emana de uma pedra ou da terra ou da semente do homem, pois aquilo que é de uma ousia anterior é transformado na natureza que se tornou; e se ele não é mudado, ele não se torna carne por natureza.


Sofrônio: A Divina Escritura resolve para nós este problema e não nos permite ser obstinados e falar arbitrariamente. Pois o cajado de Moisés, quando se tornou verdadeiramente uma serpente, era tanto uma serpente quanto um cajado; e as águas do Nilo, que se tornaram sangue (Êxodo 7,17 - LXX), tornaram-se a natureza do sangue, bem como da água. A ousia era a mesma, embora mudada e por esta razão os filhos de Israel usaram água que se tornou sangue como a natureza da água, e Moisés [usou] uma serpente como cajado, pois era verdadeiramente ambos deles. Pois Deus sustenta as naturezas como ele quer. A respeito disso: que as águas do Nilo, quando foram transformadas na ousia do sangue, eram apenas aquela ousia na qual foram transformadas.


Nestório: Mais uma vez você usa provas como essas porque, como suponho, está confuso. Havia então duas ousias - pois a água que foi tomada pelos hebreus era sangue e água e aquela que foi tomada pelos egípcios era ambas da mesma maneira. Mas se o primeiro era apenas água e o último apenas sangue, então eles foram mudados depois; pois quando eles foram levados, aqueles que foram levados foram mudados e além disso eram outra coisa, ou seja, o que eles se tornaram. Como então não se vê que aquilo que se tornou por natureza é por todos os meios aquilo que se tornou e nada mais?"¹³


Nestório supostamente ensinou uma sucessão de duas “ousiai” (substâncias) diversas para explicar a mudança de um cajado em serpente e água em sangue.¹⁴ Notamos que ele descreveu a teoria de seu oponente São Cirilo (também conhecido como Sofrônio), como se acreditasse que duas naturezas coexistiam na mulher-pilar, água-sangue e cajado-serpente. Cada exemplo, diz este Nestório, continha uma coisa numericamente singular que simultaneamente tinha sua natureza anterior e posterior supostamente juntas. No entanto, como vimos claramente, a história anterior entre judeus e cristãos descreveu universalmente a mudança eucarística de bastão para serpentes, de pedras para pessoas e de água para sangue, meramente como uma natureza se tornando outra. Nestório complica demais a verdadeira doutrina de Cirilo, como demonstraremos a seguir. Por enquanto, Nestório pode ter associado a doutrina de São Cirilo com a conhecida descrição de Monoimos pelo sírio Santo Hipólito. Por que? Bem, Monoimos queria chamar Jesus de dois seres diferentes em duas substâncias, mas com um nome. Nestório quer que a Divindade seja o Verbo e a humanidade seja o bebê Jesus separado no útero. O bebê tem suas próprias qualidades físicas e estas devem apontar, para ele, um ser existente independentemente, não de alguma forma unido a Deus o Verbo como um Jesus Cristo numericamente singular que é Deus-homem. Nosso Nestório deseja fazer uma analogia recorrendo às aparições ou atividades do sal, do sangue e da serpente, como se São Cirilo acreditasse que existem duas substâncias plenamente existentes que são simultaneamente de alguma forma uma realidade e uma coisa em Jesus. Mas - diz Nestório - sal, sangue e serpentes manifestam, respectivamente, naturezas salgadas, sanguíneas e serpentinas. "Como", Nestório pergunta, "você pode argumentar que estes são algo diferente do que parecem ser?" Portanto, de acordo com Nestório, eles parecem ser exatamente o que são. Este é o caso também com o Deus-homem Jesus Cristo. O que é homem é homem e o que é Divino é Divino e uma pessoa (tomada no sentido de um personalidade governante sobre a Divindade e a humanidade de Jesus) não pode possuir duas naturezas simultaneamente. A presunção da visão de mundo de Nestório assume que, como uma coisa aparece, assim é seu ser raiz, sua essência e, consequentemente, sua atividade.


Além disso, Nestório observa que a natureza de Deus não muda pela Encarnação. Com base nessa idéia correta, os hereges maniqueístas (que seguem um antigo cristão persa) são condenados por afirmar que Jesus era apenas homem em esquema ou espécie. Aqui vemos uma conexão propícia, onde Nestório está tentando explicar as aparições de um homem, embora de alguma forma se diga que Deus está encarnado.¹⁵ O interlocutor literário de Nestório, o às vezes ignorante Sofrônio, esclarece o significado de espécie para significar a roupa que é usada por um sujeito. Em última análise, de maneira condenatória, Nestório reafirmou as separações substanciais da forma (σχῆμα - schema), que pertence à substância (ousia) da humanidade, da substância (ousia) de Deus, de modo que duas subsistências reais ou operações básicas da existência pessoal podem ser inferido de sua exposição do que vem junto em um Jesus.¹⁶


O suposto ataque de Nestório a São Cirilo no diálogo passou bastante tempo impressionando os Sofrônios literários do mundo (também conhecidos como aliados de São Cirilo) que a ideia de compartilhar propriedades (communicatio idiomatum) é uma impossibilidade com o resultado que os atributos de uma substância natural (ousia) nunca podem ser de forma alguma modificadores ou ligados a outra substância naturalmente independente - onde o termo "substância" é tomado univocamente - e Nestório até acredita que este princípio seja aplicável à Divindade. O ápice desta discussão Cristológica volta-se para a Eucaristia:¹⁷


Ele [Jesus] diz do pão: 'Isto é o meu Corpo'. Ele não diz que o pão não é pão e que seu corpo não é um corpo, mas Ele disse comprovadamente pão e corpo, que está na ousia. Mas estamos convencidos de que o pão é pão na natureza e na substância ousia. No entanto [por analogia] ao acreditar que o pão é seu corpo pela fé [que a substância divina está presente] e não pela natureza [e suas propriedades], ele [São Cirilo] procura nos persuadir a acreditar [a substância invisível subjacente] naquilo que existe [independentemente] não em uma substância natural de tal forma que se torna isso pela fé e não na ousia. Se é ousia [isto é, com propriedades naturais visíveis], qual é o valor da fé? Pois Ele [Jesus] não disse: “Creiam que o pão é pão”, porque todo aquele que vê o próprio pão sabe que é pão, nem tampouco faz crer que o corpo é corpo; pois é visto e conhecido por todos. Mas naquilo que não é [visto e conhecido], Ele exige que acreditemos que isso é [assim na realidade], de tal maneira que se torna isso pela fé para aqueles que crêem. Portanto, não é possível que as [propriedades que residem] na ousia sejam uma coisa e outra em uma [coisa] da qual devemos acreditar que se diz ser outra, embora não exista em si mesma [natural e independente] ousia, para que possam se tornar dois e serem estranhos um ao outro na ousia. Mas aquele que ali suprime a substância natural, ali também suprime aquilo que é concebido [a saber, a Substância Divina] pela fé."¹⁸


Este Nestório literário, por sua analogia eucarística, acusou São Cirilo de tentar eliminar o pão, cujos acidentes são claramente brancos e de trigo, quando é apenas uma substância natural que todos sabem que está presente! Prima facie, Nestorius argumenta a teoria careca de impanação ou Deus-dentro-do-pão, mas na realidade, uma vez que Nestorius usa sua explicação como uma analogia um-para-um para a Encarnação, o que ele realmente quer dizer é que só existe pão e - de qualquer maneira - diz-se que este pão é um com Deus; é paralelo ao homem Jesus, que se diz ser uma pessoa externa (prosopon) com Deus por algum meio de cooperação moral ou algum relacionamento vago entre a vontade humana de Jesus e a vontade Divina.¹⁹ Em outras palavras, assim como o esquema ou aparência de Jesus como homem denota uma substância independente e natural (isto é, ser humano) que desfruta meramente da dignidade, honra e “manto” de um rei (que significa Divindade), assim a Eucaristia é alegadamente pão que goza de uma relação semelhante com a Divindade, mas permanece totalmente pão. A impanação teria pelo menos a divindade presente de alguma forma no pão, enquanto Nestório apenas “veste” a Divindade com o Pão e, inversamente, o Pão com a dignidade e a honra da Divindade, como sinal de sua presença pela fé. Com efeito, para Nestório, nenhuma transmutação ocorre na Eucaristia, para que o pão não se torne Deus ou Deus se torne pão. Nestório se opôs diretamente à mudança substancial de Pão e Vinho defendida por São Cirilo de Jerusalém ao ensinar seus catecúmenos a acreditar pela fé em uma mudança substancial quase um século antes em Jerusalém. Antes de nos voltarmos para seu homônimo ou São Cirilo de Alexandria e sua resposta a Nestório, notamos que se esta seção do Bazaar de Nestório se provar indubitavelmente autêntica, então Nestório teve 20/20 retrospectiva ao escrever por volta de 452 d.C. e, no entanto, a posição de Nestório ainda se harmoniza exatamente com seus escritos anteriores criticados e condenados por São Cirilo de Alexandria por volta de 429 d.C., onde o santo cita Nestório escrevendo:


"Ouça também a palavra às vezes colocada sobre a natureza humana de Cristo, às vezes colocada sobre sua Dvindade, às vezes de ambos: 'todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor.' (1Cor 11,26) dos contraditores, como eles lêem o poderoso benefício do mistério, e cujo memorial importa para os homens, e não me ouça dizendo essas coisas, mas o beato Paulo diz: 'Todas as vezes que comeis este pão'; ele não disse: 'todas as vezes que comeis essa divindade' […] Veja o que está diante de nós a respeito do corpo do Senhor.”

(- Nestório, citado por São Cirilo em "Adversus Nestorium", Lib IV., Cap. V - PG 76, 197-200).


Nestório acrescentou à sua reflexão sobre a Última Ceia:


"Os discípulos […] assim dizem: 'Ele tomou o pão e deu graças e deu a eles dizendo: 'Tomai e comei, isto é meu corpo' (Mt 26,26). Por que ele não disse: 'Esta é a minha Divindade que está sendo partida por vós?' E novamente dando o cálice dos mistérios, Ele não disse: 'Esta é a minha Divindade que está sendo derramada para vós'?"

(Ibid. Cap. VI - PG 76, 205).


São Cirilo de Alexandria morreu (444 d.C.) vários anos antes do chamado Bazaar de Nestório registrar duvidosamente sua última tentativa de justificar sua doutrina da Eucaristia em comparação com a Encarnação de Jesus. São Cirilo, como Nestório insinuou corretamente, tinha paralelo alguns aspectos da mudança eucarística com a Encarnação no ventre de Maria.²⁰ Pelo menos Nestório partiu de um ponto de partida válido pelo qual comparou a Eucaristia à Encarnação em seu diálogo, mas, no entanto, ele provará ser um grave deturpador da tradição anterior que culmina com precisão nas obras de São Cirilo.²¹


1.4. São Cirilo de Alexandria e a Transmutação Eucarística


Nestório também ficou famoso por abrigar pessoas suspeitas de heterodoxia em outros lugares do império e que fugiram para sua proteção no Oriente quando ele se tornou arcebispo de Constantinopla. Essas figuras religiosas condenadas foram chamadas de pelagianos (que negavam a necessidade da graça para a salvação) e se tornaram importantes, embora não fossem um tema central, no Terceiro Concílio Ecumênico de Éfeso (431 d.C.). O envolvimento de Nestório com os pelagianos como seu protetor levou a uma condenação indireta dos pelagianos por associação com Nestório.²² Isso é surpreendentemente relevante para contextualizar os interesses de Nestório e São Cirilo nos exemplos bíblicos de transmutação.²³ Os oponentes pelagianos de Santo Agostinho de Hipona incluíam Juliano de Eclano e Celestio, o último dos quais foi expressamente condenado nominalmente no Concílio de Éfeso (431 d.C.) por suas (presumivelmente) doutrinas pelagianas.²⁴ Nestório deu refúgio aos pelagianos que fugiam de possíveis punições após suas condenações sinodais no norte da África e em Roma.


Nesse contexto, o bilíngue Juliano fugiu para o Oriente e escreveu em grego. Em seu comentário sobre Jó, Juliano exegetou a luta de Jó com os elementos como um caso paralelo à experiência do faraó com a transmutação: “E até os elementos (ta stoicheia) se oporão a ele, assim como no tempo do faraó e do egípcio, o dia se transformou em noite , a água em sangue e a fumaça da fornalha transmutada em moscas (hydôr de eis haima kai aithalê kaminiaia eis sknipas metaballomene)”. Esta adição única aos exemplos históricos da transmutação Divina, onde a substância do pó se tornou mosquitos, é encontrada pela primeira vez no texto grego de Juliano e depois citada quase literalmente e exclusivamente por São Cirilo de Alexandria como alguém familiarizado com as idéias agostinianas e pelagianas:²⁵ "Ele castigou os egípcios dessa maneira, trans-elementando as águas em sangue e a fumaça em moscas (μεταστοιχειουμένων τών ύδάτων εις αίμα καὶ τῆς αίθάλης εις σκῖπας - metastoicheioumenôn ton hydatôn eis haima kai tes aithalês eis skipas)."²⁶ Quaisquer que fossem as dúvidas de São Cirilo sobre o pelagianismo, ele aparentemente não era adverso ao uso do comentário bíblico de seu contemporâneo Juliano (mesmo que seja possível que ambos os autores extraiam de uma fonte desconhecida, mas a parcimônia sugere que São Cirilo convenientemente pegou emprestado de Juliano).²⁷ Além disso, São Cirilo - como seus predecessores judeus e cristãos - associou o verbo bíblico “transmutar” (μεταβάλλω - metaballō) referente à água do Nilo em sangue ao “cajado de Moisés transmutando” (Η ράβδος μέγαν μεταβάλλουσα - hê rhabdos megan metaballousa) água na rocha de Horebe, em as águas de Meribá.²⁸ Em outros lugares, São Cirilo tinha repetido interesse no tema da Transmutação Bíblica. Ao contrário da falsa acusação de Nestório contra ele de que São Cirilo defendia a existência simultânea de duas substâncias em tais mudanças, São Cirilo via a transmutação como um ato Divino pelo qual uma substância se torna outra. Ao contrário de Nestório, no entanto, São Cirilo acreditava que quando o Pão ou o Vinho mudava, tornava-se o Deus-homem e não era mais pão ou vinho, embora suas “aparências” permanecessem. Claro, isso está na linha de São Cirilo de Jerusalém, a quem vimos anteriormente. No entanto, o vocabulário existente de São Cirilo sobre a transmutação bíblica para a Eucaristia não se limita apenas ao vocabulário acima mencionado. Em vez disso, ele desenvolveu outra noção de elementos (στοιχεῖα - stoicheia) ou substâncias naturais sendo transformadas. Além do termo tradicional que vimos em Êxodo 7,17 - LXX: “transmutar” (metaballō),²⁹ São Cirilo referiu-se à mudança eucarística como “transformar” (μετεσκευασω - metaskeuazô) para a mudança da água em sangue.³⁰ As obras existentes de São Cirilo mais próximas chegam a igualar a mudança substancial da água em uma nova substância como uma analogia à Eucaristia ocorre no seguinte: “O que é Deus por natureza, pois ele ressuscitou Lázaro dos mortos e 'transmutou água em vinho" (τό ὕδωρ εις οίνον μεταποιήσας - to hydôr eis oinon metapoiêsas).³¹ Esta referência a Caná não é comprovadamente eucarística, como foi em São Cirilo de Jerusalém, mas observe que a Tradição Cristã - como os Targums judaicos - vê o paralelo entre mudar a natureza de um ser para outro e restaurar a natureza de um ser pela ressurreição. São Cirilo de Alexandria, em outra ocasião, usa um termo alternativo "transformar" (μεταποιέω - metapoieô) em um sentido eucarístico:


"Tomou depois o cálice, rendeu graças […] Ele nos deu um primeiro tipo para dar graças e para partir e distribuir o pão da seguinte maneira. […] Ele disse demonstrativamente 'Isto é o meu corpo' e 'Este é o meu sangue' para que você não pense que as aparências são um tipo (ῖνα μὴ νομίῃς τύπον εἰναι τὰ φαινόμενα - hina me nomisès typon einai ta phainomena), mas [pense em] todas as coisas trazidas além de acordo com a verdade através da operação inefável de Deus que dá poder de transformar (μεταποιεῖσθαι - metapoieisthai) no corpo e no sangue de Cristo, dos quais, quando participamos, recebemos o poder vivificante e santificador de Cristo." ["Comment in Matthæum", XXVI, 27 - PG 72, 451]


Em sua controvérsia Cristológica com Nestório, São Cirilo rebateu a acusação de Nestório sobre a Encarnação ser uma “transmutação” (μεταβολή - metabole) ou “transformação” (μεταποιήσεις - metapoiêsis) da natureza humana ou Divina de Jesus. Embora esses termos gregos sejam usados normalmente por São Cirilo para a transformação de uma substância em outra, especialmente pão e vinho no Deus-homem Jesus Cristo na Eucaristia, Nestório também os conhecia no reino da Cristologia.

São Cirilo rejeitou inteiramente a ideia de que a Encarnação foi Deus assumindo a alma e a carne e tornando-a algo não humano, isto é, uma substância não humana. Ele escreveu assim contra Nestório pouco antes do Concílio de Éfeso: "Portanto, já que a Santa Virgem deu à luz na carne a Deus que foi unido hipostaticamente (καθ ὑπόστασιν - kath hypóstasin; juxta subsistentiam) com a carne, por isso a chamamos de Mãe de Deus."³² Aqui, a ênfase é que a Palavra é a única pessoa no Deus-Homem.

Não há duas substâncias completas com suas próprias existências e atos, como serpentes e cajados, mas uma pessoa que é o Filho eternamente existente, que vem no tempo para possuir uma alma e carne reais recém-formadas. O poder do ser do Filho ou do Verbo é de alguma forma a única subsistência ou fonte das atividades humanas existentes de Jesus. A tradução em latim é fundamental, uma vez que os latinos faziam uma distinção teológica entre subsistência e substância desde a época de Santo Agostinho de Hipona (falecido em 430 d.C.), onde cada pessoa (ou relação) plenamente realizada na Trindade é chamada de subsistência. Mas cada pessoa subsistente pertence à substância Divina. Assim, a subsistência acrescenta alguma coisa à ideia de substância. Os gregos também conheciam essa distinção do verbo relacionado à hipóstase (υφίσταται - hyphistasthai).³³ No entanto, são os Padres latinos que estão constantemente vigilantes em relação ao termo "subsistência" para significar um indivíduo que existe independentemente.

Por ora, as passagens mais importantes de São Cirilo que demonstram vocabulário e conceitos compartilhados entre a Eucaristia e a Encarnação começam assim: "Pois não dizemos que a natureza do Verbo mudou (μεταποιηθεῖσα - metapoiêtheisa) e se tornou carne, nem que Ele foi (μετεβλήθη - meteblêthê) um homem inteiro feito de corpo e alma. Antes, afirmamos que o Verbo de uma maneira indizível, inconcebível, uniu a si hipostaticamente carne animada por uma alma racional."³⁴ São Cirilo diz em sua próxima carta: "Não dizemos que Sua carne [de Jesus] foi transformada na natureza (τραπῆναι φύσιν - trapênai physin) da Divindade ou que a indizível Palavra de Deus foi transformada na natureza da carne. Pois para Ele a Palavra é inalterável (ἄτρεπτος - atreptos)."³⁵

Isso mostra claramente que Nestório deturpou São Cirilo. Primeiro, São Cirilo seguiu exatamente as analogias natureza-natureza ou substância-substância no Antigo Testamento e no Novo Testamento, onde se supõe que a Eucaristia seja a transmutação de uma substância em outra, de modo que a primeira substância não pode-se dizer que não existe mais no lugar 'x' após a mudança milagrosa do lugar 'x' para outra substância. Em segundo lugar, já foi demonstrado que São Cirilo acrescenta a isso a ideia vista em São Cirilo de Jerusalém de que as aparências ou fenômenos (do pão e do vinho) parecem os mesmos antes e depois da referida mudança. Por último, São Cirilo distingue ou contrasta o vocabulário eucarístico de mudança de substância para substância com o vocabulário para descrever o Deus-homem in utero. São Cirilo não apenas usa o vocabulário cristão em voga de transmutar (metaballo) e transformar (metapoieô) para dizer: “A carne permaneceu carne no momento de ser criada e no ato de ser unida em sua criação à Divindade e a carne de Jesus nunca foi transformada em algo definitivamente contrário à noção de carne”. Isso é fundamental, pois São Cirilo afirma que nenhuma mudança substancial ocorreu na Encarnação. Jesus, na união Deus-homem, não perdeu nenhuma forma ou matéria própria do corpo humano e o mesmo vale para a sua alma. O corpo e a alma de Jesus mantiveram a mesma atividade e faculdades que tinham no momento da concepção que eram por definição tão humanos quanto qualquer outra pessoa no mundo. No entanto, ser uma “natureza independente” ou uma “natureza subsistente” exige que uma “substância” não exista na dependência de alguma outra substância (ou qualquer outra coisa). Jesus, por implicação, assumiu uma natureza humana dependente (não autônoma) que permaneceu subserviente em sua vida moral e subsistência ao Verbo até sua morte e novamente após sua ressurreição. Isso soa excessivamente abstrato. No entanto, uma analogia imperfeita pode ajudar: um embrião na embriogênese ou em seus primeiros momentos não é a carne da Mãe, mas a carne do ser humano que está em seu ventre. O ser que é geneticamente humano ainda não existe por seus próprios poderes, mas depende por um tempo dos poderes da mãe para viver e ter comida e oxigênio. Mesmo quando o embrião se parece exatamente com um bebê com todos os seus órgãos prontos para funcionar, alguns deles não o manterão até que ele não dependa mais dos órgãos de sua mãe para alimentá-lo e fornecê-lo com alimentos vitais, elementos, oxigênio e vários outras coisas. Então, aqui temos dois seres humanos, mas apenas um deles existe independentemente, por seus próprios poderes naturais, enquanto o outro existe literalmente na mãe e depende de muitas maneiras da mãe, mesmo que os órgãos do bebê estejam totalmente formados. Se apenas cortarmos o cordão umbilical, o conjunto completo de órgãos entrará em ação automaticamente e manterá o bebê vivo em vez da mãe (órgãos agora separados). A subsistência é assim. Podemos depender temporariamente de uma máquina para respirar por nós e os médicos podem pensar que não somos uma forma de vida “viável” ou “subsistente”. Somente quando eles “desligam (Deus o livre)” é que descobrimos se somos subsistentes ou se nossa substância é muito fraca para manter nossa realidade e existência funcionando.

Voltando à linguagem de São Cirilo, é uma reminiscência do comentário de Fílon sobre o capítulo 7 do Êxodo e sobre o vocabulário do capítulo 11 do Apocalipse, ambas as passagens (quando se referem à transformação da água em sangue) chamam de “transformar em” (στρέφειν - strephein) outra coisa. De fato, assim como vimos, São Cirilo identificou a mudança da esposa de Ló como explicitamente um caso de mudança de substância para substância (contrário à acusação contra ele no Bazaar de Nestório):


“Pois eles pensam, ao que parece, que por necessidade e em razão evitável que a frase: ‘[O Verbo] se fez’ tem o significado de tornar-se algo (τροπῆς - tropês) e alteração/alienação (ἀλλοιώσεως- alloiôseôs).” "Sim, e eles [os hereges] também dizem que - como eles foram conduzidos pelas Escrituras inspiradas - de fato o que é sua própria propriedade (τὸν οἰχεῖον - ton oikeion) confirma a razão. Pois em um lugar foi dito sobre a esposa de Ló que 'ela se tornou (ἐγένετο - egenêto) uma estátua de sal'. E, também, sobre o assunto do cajado de Moisés que 'Ele o golpeou no chão, e ele se tornou uma serpente.' Pois 'o ato de se transformar em algo' (ἡ τροπή - hê tropê) aconteceu por natureza (Φυσικὴ - physikê) nesses exemplos citados."³⁶


Esta questão surgirá repetidamente nas discussões ortodoxas orientais sobre a mudança da carne de Jesus na Transfiguração no século XIV dC. Quando vemos essa seção, precisamos ter em mente que “alteração/alienação” é “ser transformado em algo” ou o que Gregório Palamas (que morreu em 1357 d.C.) e vários outros ortodoxos orientais chamarão: “transubstanciação" (μετουσίωσις - metousiôsis) da carne de Jesus. Por enquanto, São Cirilo não usa esse termo, embora certamente seja possível ter existido nessa época em Jerusalém, como veremos.

Nesta discussão sobre a esposa de Ló ser um caso de alguém transformado em outra coisa e transmutado, São Cirilo estava simplesmente seguindo a reverenciada tradição monástica copta do século IV no Egito, onde as biografias de São Pacômio em grego datam do mesmo período. de São Cirilo e sua discussão sobre o milagre, mudando a esposa de Ló como transmutação, que está usando o mesmo vocabulário da mudança eucarística. Como diz a Biografia de São Pacômio: "Há a esposa de Ló que foi transmutada em uma estátua de sal (ες στήλη μετεβλήθη ἁλός - eis stêlên meteblêthê halos), que permanece como um paradigma para os incrédulos, pois ela ainda está de pé [em Sodoma] até os dias atuais."³⁷ Não parece que o biógrafo de São Pacômio conhecia a tradição da ressurreição da esposa de Ló ou atrasou a profecia até a segunda e última vinda de Cristo e a ressurreição geral.

Um último ponto talvez se deva à terminologia de mudança substancial de São Cirilo de Alexandria. O conhecido comentário do Dr. Ian Torrance sobre os escritos cristológicos de Severo de Antioquia sublinha a importância tanto para São Cirilo quanto para seu sucessor intelectual³⁸ Severo de Antioquia, que se opuseram ao abuso da trans-elementação (μεταστοιχειωσεις - metastoicheiôsis) como alguns cristãos eram aplicando-o à carne de Maria no momento em que sua carne foi assumida pelo Verbo in utero. A carne de Maria nunca foi transformada ou transelementada em Divindade (ou vice-versa, dependendo do acusador). Sempre manteve suas propriedades naturais e a natureza humana não foi, portanto, destruída. São Cirilo proferiu um claro julgamento sentencial contra Nestório, apoiado por Severo no século VI contra a heresia eutiquiana; a Encarnação, a carne de Cristo, não é transelementada na natureza da Divindade.³⁹ Portanto, a carne animada de Cristo nunca foi uma “primeira substância” ou natureza existente independentemente para ser transmutada em alguma outra coisa, nem a Divindade é transelementada em uma substância carnal. No entanto, tal proposição é naturalmente propícia para desenvolver uma questão relacionada: o pão e o vinho, ao contrário da carne de Cristo, podem ser transelementados em outra substância (ou seja, a carne com alma do Verbo encarnado)? Em resposta, "sim", pois São Cirilo considerou este termo aplicável à teologia eucarística (como fez a tradição ortodoxa oriental que culminou em Severo de Antioquia). Foi Nestório quem primeiro acusou São Cirilo de uma analogia muito árdua entre Palavra para carne e Palavra+carne para pão nos anos seguintes à morte de São Cirilo, numa época em que ele estava tentando restaurar seu nome no exílio monástico.


1.5 Pão do Céu: Um Excursus sobre o Maná


São Cirilo de Jerusalém resume seus paradigmas do Antigo Testamento sobre a mudança de substância para substância declarando: "O mestre perfeito das crianças se fez pequeno com os pequenos, para dar aos simples o discernimento (Pr 1,4). Desceu à terra o pão celestial para alimentar os famintos".⁴⁰ Um provável judeu convertido em Roma chamado Ambrosiastro (um contemporâneo de São Cirilo) tem a dizer o seguinte:


"Da mesma forma, como é por efeito de seu poder que o maná desce do céu, recebe o nome de maná, isto é, de pão; este alimento simbólico é a figura do que agora é oferecido na Igreja, e os homens, isto é, os judeus, comeram o pão do povo cristão, a quem a Escritura significa entre os anjos [Apocalipse capítulo 6], como os homens comem o pão, isto é, eles [tipologicamente] são os judeus [na Bíblia]."

("Quaestiones Veteris et Novi Testamenti", ed.J. Freitag, "Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Lationorum 50", Vienna: F. Tempsky, 1908), 3.4.)


Já estabelecemos que a água, evaporando-se no céu (de acordo com a ciência hebraica, presumivelmente babilônica e grega),⁴¹ passa por um processo de transformação pelo qual o que era úmido e macio torna-se seco e endurecido, neve branca e gelo. Isto é o que claramente se mostrou cair do céu, visto que se dizia que o maná acompanhava o orvalho da manhã, caindo como chuva sobre o solo, confundindo-se com neve ou granizo (Números 11,9). No entanto, há outra complicação para a identidade do maná que será importante para nossa discussão no próximo capítulo que trata da transubstanciação da água em gelo na tradição de Jerusalém. Aglomerados redondos, brancos e congelados também descrevem incenso ou incenso árabe. A Bíblia é extremamente clara sobre a conexão:


"Seus pés se pareciam ao bronze fino (χαλκολιβάνῳ - chalkolibanō) incandescido na fornalha. Sua voz era como o ruído de muitas águas [...] Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao vencedor darei o maná escondido⁴² e lhe entregarei uma pedra (ψῆφον - psēphon) branca, na qual está escrito um nome novo [como as tábuas da Lei Mosaica (?) ou nomes escritos no Novo Templo/Jesus - Apocalipse 3,12; 12,12-14; 19,12] que ninguém conhece, senão aquele que o receber.

(Apocalipse 1,15; 2,17)"


É universalmente um problema para os estudiosos entender como existe o maná “escondido”, mas parte da solução é entender que cada pedrinha é uma porção de maná com um novo nome, lembrando os patriarcas que receberam novos nomes de acordo com a mudança de Abraão de um incrédulo para o Pai de Israel na Fé. Abraão primeiro se preparou (ao ordenar a Sara que fizesse pães com três medidas de farinha - 60 libras de acordo com a New International Reader's Version) para alimentar os anjos sob o carvalho de Mamre.⁴³ Isso é como o maná caindo como uma praga (granizo) no Apocalipse pesando um talento (Apocalipse 16,21).⁴⁴ Mas por que o maná é relatado como “uma pedrinha branca” para o crente? A primeira razão é que a Bíblia o descreve com o tamanho e a forma de uma semente de coentro: "Os israelitas deram a esse alimento o nome de maná. Assemelhava-se à semente de coentro: era branco e tinha o sabor de uma torta de mel."

(Êxodo 16,31).

O mais interessante é que em outro lugar é descrito como gelo pela Septuaginta: "O maná assemelhava-se ao grão de coen­tro e parecia-se com o gelo (κρυστάλλου - krystallou)" (Números 11,7 - LXX). Algumas variantes gregas substituem “gelo” pelo hebraico mais explícito: "bdélio" ou resina cristalina usada como incenso.⁴⁵ O hebraico diz: “e a sua cor [é] como a cor do bdélio (הַבְּדֹֽלַח - habbddôlah)” (Números 11,7).⁴⁶ É uma pedrinha branca. Isso significa claramente que o granizo e a semente de coentro (amarelada) são bastante semelhantes entre si e podem ser consumidos pelos fiéis, mas as porções angélicas (60 libras) são lançadas como uma maldição para os incrédulos na terra. Que significado maior tem esta pedra de incenso ou bdélio? O produto árabe é descrito em fontes antigas mais de três séculos antes de Cristo assim: "o incenso-maná (manna libanou) é notavelmente branco puro, granular."⁴⁷ Para todos os efeitos, esses dois produtos pareciam iguais.



Isso torna o nome técnico do incenso árabe: "maná" uma curiosidade que tem uma relação com o maná que cai do céu (ambos podem ser chamados de gelo - krystallos), como peculiar às Escrituras Hebraicas, uma vez que o produto árabe é queimado no altar do incenso do Segundo Templo pelo nome: “Servi-vos do dinheiro que vos enviamos, a fim de comprar vítimas para os holocaustos, os sacrifícios expiatórios, e para o maná [μαννα - olíbano árabe]. Preparai também oferendas de grãos que poreis sobre o altar do Senhor, nosso Deus.” (Baruc 1,10 - LXX). Judeus do primeiro século, como Josefo (para não mencionar Fílon, seu predecessor) forneceram corretamente a etimologia para a palavra maná, de "mah" significando algo como: "O que é [isso]?".⁴⁸


Para entender por que o Novo Testamento joga com a ideia de que o maná é tanto gelo-neve celestial quanto incenso arbóreo, vamos primeiro olhar para os magos persas carregando esse presente na primeira descida de Jesus do céu na Encarnação. Os magos (um clã especial de criadores de reis e sábios na tradição, religião e ciência persas) trouxeram três presentes peculiares: "Prostrando-se diante dele, o adoraram (προσεκύνησαν - prosekynēsan). Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra." (Mateus 2,11). Primeiro, comparamos isso com o salmo profético:


"Os reis de Társis e das ilhas lhe trarão presentes, os reis da Arábia e de Sabá lhe oferecerão seus dons. Todos os reis hão de adorá-lo (προσκυνήσουσιν - proskynísousin), hão de servi-lo todas as nações. [...] Assim ele viverá e o ouro da Arábia (χρυσίου τῆς Ἀραβίας - chrysiou tês Ara­bias) lhe será ofertado; por ele hão de rezar sempre e o bendirão perpetuamente."

(Salmo 71,10-15 - LXX)


Se compararmos isso com a Epístola aos Hebreus, é esclarecedor:


"Atrás do se­gundo véu achava-se a parte chamada Santo dos Santos. Aí estava o altar de ouro para os perfumes, e a arca da aliança coberta de ouro por todos os lados; dentro dela, a urna de ouro contendo o maná, a vara de Aarão que floresceu e as tábuas da aliança [mosaica]"

(Hebreus 9,3-4)


Primeiro, o ouro marcadamente árabe e o ato persa de adoração real é um tema comum de Mateus-Salmo unindo as duas passagens. Depois, há o maná que corresponde ao incenso árabe importado pelos magos, ao comparar Mateus a Hebreus. Em seguida, o que devemos fazer com a “vara de Aarão” em Hebreus? Naturalmente, está ali como signo e instrumento de transmutação dos elementos. Também a mirra arábica, como veremos momentaneamente (abaixo) é um produto peculiarmente árabe por excelência. Mas devemos descartar as tábuas da aliança como se também não fossem tipos? Dificilmente, pois Hebreus está se referindo a Êxodo 34,1-4 na LXX, onde estes são precisamente descritos como “tábuas de pedra (λιθίνας - lithines)” escritas pelo “dedo de Deus” assim como o milagre da transmutação do pó em mosquitos em Êxodo. Todas as peças essenciais estão aqui: ouro árabe (para pote e incensário), maná de olíbano árabe, o cajado milagroso das pragas e da Páscoa e uma pedra bruta (um sinal de Cristo) e algo dedicado ou transformável em uma nova substância , como um sinal da aliança de Deus na Arábia. Neste caso, é meramente para ser escrito pelo dedo de Deus, não transformado em uma pessoa ou outra coisa (embora Cristo tipologicamente seja a Nova Lei). No capítulo 34 do Êxodo, Deus faz sua aliança na Arábia (Sinai) escrevendo em pedra e ordena tanto uma festa de pães ázimos quanto a dedicação do primogênito que abre o ventre de uma mãe. Quão apropriado, então, que o ouro árabe, o incenso e a mirra nos lembrem especificamente da Arábia e da descida de Javé face a face a Moisés, não muito diferente da primeira aparição de Jesus em seu nascimento. Mais tarde na vida, quando Jesus está jejuando no deserto, Ele é comparado a Moisés, que escreveu a aliança em pedra, passando quarenta dias e noites sem beber água ou comer pão. Moisés desceu da montanha como Jesus desceu do céu e mais tarde saiu do deserto para ser confrontado por Satanás. Moisés vem e pela oração fornece o maná aos israelitas em sua fome e Jesus dá a si mesmo para seus discípulos comerem. Para enfatizar novamente essa conexão entre Jesus, o maná e o maná-incenso oferecido como nosso holocausto de incenso queimado a Deus pelo pecado, o Livro do Apocalipse resume bem a discussão anterior:


"Quando, enfim, abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu durante cerca de meia hora. Eu vi os sete Anjos que assistem diante de Deus. Foram-lhes dadas sete trombetas. Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos perfumes, para que os ofere­cesse com as orações de todos os santos no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus. Depois disso, o anjo tomou o turíbulo, encheu-o de brasas do altar e lançou-o por terra [compare, abaixo, com Isaías 6,6]; e houve trovões, vozes (φωναὶ - phōnai) [das águas celestiais⁴⁹], relâmpagos e terremotos. Então os sete Anjos, que tinham as trombetas, prepararam-se para tocar. O primeiro anjo tocou. Saraiva e fogo, misturados com sangue, foram lançados à terra; e queimou-se uma terça parte da terra, uma terça parte das árvores e toda erva verde."⁵⁰

(Apocalipse 8,1-7)


Vemos incenso-maná chover sobre a terra com fogo, como se o Enxofre amarelado e cristalino junto com seu fogo se misturasse com a chuva como em Sodoma e Gomorra (embora o maná seja normalmente uma bênção como com Jesus Encarnado ou o pão do céu) de onde anjos vivem (ou seja, perto do firmamento). Esta é uma referência oblíqua a onde se diz que o maná habita, no lugar do céu onde os anjos habitam: “Choveu sobre eles maná para comer e deu-lhes pão do céu, o homem comeu o pão dos anjos” (Salmo LXX 77,24-25). No Apocalipse, se ouvirmos a voz de Jesus nas nuvens das águas celestiais ou seu soar, e acreditarmos nele como o maná celestial, então comeremos o maná: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz (φωνῆς - phōnēs) e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo.” (Apocalipse 3,20). A voz que está ecoando nas portas das igrejas na terra acaba se conectando às portas do firmamento no céu por sua água e gelo, de onde vem a voz de Jesus nas nuvens:


"Depois disso, tive uma visão: vi uma porta aberta no céu, e a voz que falara comigo, como uma trombeta, dizia: “Sobe aqui e eu te mostrarei o que está para acontecer depois disso”. Imediatamente, fui arrebatado em espírito; no céu havia um trono, e nesse trono estava sentado um Ser. E quem estava sentado assemelhava-se pelo aspec­to a uma pedra (λίθῳ - lithō) de jaspe e de sardônica. Um Arco-Íris⁵¹, semelhante à esmeralda, nimbava o trono. Ao redor havia vinte e quatro tronos, e neles, sentados, vinte e quatro Anciãos vestidos de vestes brancas e com coroas de ouro na cabeça. Do trono saíam relâmpagos, vozes (φωναὶ - phōnai) e trovões. Diante do trono ardiam sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus. Havia ainda diante do trono um mar límpido como cristal. Dian­te do trono e ao redor, quatro Animais vivos cheios de olhos na frente e atrás." (Apocalipse 4,1-6).


Como em Apocalipse 3,20 há portas em uma igreja, ouvindo a voz de Jesus e um convite para comer sua comida, no próximo capítulo há portas para o céu a serem abertas com o maná vivo chovendo sobre a terra. Isso soa exatamente como a antiga cosmologia do Oriente Próximo, segundo a qual as águas celestiais são liberadas por portas.⁵² Por analogia, o pano de fundo semita pressupõe que deve haver uma grande quantidade de água celestial capaz de ser lançada por portas sobre a terra.⁵³ O Cordeiro brilhante como pedra no trono é todo luz ou um sol (Apocalipse 21,23: “sua luz é o Cordeiro”) com um arco-íris ao seu redor, assim como a meteorologia do antigo Oriente Próximo, um sinal da chuva que se aproxima. Em seguida, um mar de água como o Antigo Testamento está nos céus (refletido pelo mar de bronze martelado no Primeiro Templo). Ambos os mares celestiais e terrestres são mantidos por um firmamento ou construção de metal trabalhado (assim, a água é liberada pelas portas).⁵⁴ A água nas nuvens está congelada e é clara (ainda sendo água), mas, sendo congelada, foi transmutada em gelo ou pedaços carnais de neve conhecidos como maná, que são uma bênção para os crentes que fazem sua música estrondosa nas nuvens do céu contra a serpente diabólica (Apocalipse 15,2-4) e, daí, o mar no céu se torna uma maldição de pragas (como no Egito) chovendo sobre os incrédulos (exatamente como São Paulo se refere à Eucaristia como maná em 1 Coríntios capítulo 10): “Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor.” (1 Coríntios 11,27).

Isso é importante para interpretar como o Apocalipse pode ter uma visão negativa do maná como se fosse uma praga. Vemos que é uma punição na forma de uma praga egípcia, onde um granizo sangrento e ardente (ao contrário da neve branca pura ou granizo que cai como pedaços de carne para nutrir) cai na terra para amaldiçoá-la matando a vida, apenas como o Egito já havia sido afligido pelo faraó.

Os seixos de incenso branco e o granizo compartilham a característica comum de estar em chamas e destruir. Também notamos que a voz do Pai na nuvem, que é ofuscante e cuja glória é luz, antes havia abençoado seu Filho unigênito em seu batismo e transfiguração pela voz, mas agora usa as águas barulhentas do céu em nuvem (as vozes de anjos e santos, ecoando em seu canto) para trazer uma espécie de anti-maná que faz chover morte e destruição e seu som é o da água transformada em granizo carnudo e ardente que cai em pedregulhos de trinta quilos. Claro, o Anjo da Morte e o anti-maná são retratados corretamente como o Messias-Juiz no Apocalipse.

Em seguida, vemos (do capítulo 8,1-7 de Apocalipse, acima) que há uma alusão a um tipo semelhante de envio angélico de um pedaço ardente de granizo branco celestial à terra antes da encarnação de Jesus. Vamos ler o capítulo 6 de Isaías:


"No ano da morte do rei Ozias, eu vi o Senhor sentado num trono muito ele-vado; as franjas de seu manto enchiam o templo. Os (dois) serafins se mantinham junto dele.⁵⁵ Cada um deles tinha seis asas; com um par de asas velavam a face; com outro cobriam os pés; e, com o terceiro, voavam. Suas vozes se revezavam e diziam: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus do universo! A terra inteira proclama a sua glória!”. A este brado (φωνῆς - phones) as portas estremeceram em seus gonzos e a casa encheu-se de fumo. “Ai de mim” – gritava eu – Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito com um povo (também) de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos!”. Porém, um dos serafins voou (para baixo) em minha direção; trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz [compare, acima, Apocalipse 4,6]. Aplicou-a na minha boca e disse: “Tendo esta brasa tocado teus lábios, teu pecado foi tirado, e tua falta, apagada”. Ouvi então a voz do Senhor que dizia: “Quem enviarei eu? E quem irá por nós?”. “Eis-me aqui” – disse eu –, “enviai-me.’’ “Vai, pois, dizer a esse povo” – disse ele: “Escutai, sem chegar a compreender, olhai, sem chegar a ver. Obceca o coração desse povo, ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, de modo que não veja nada com seus olhos, não ouça com seus ouvidos, não compreenda nada com seu espírito. E não se cure de novo”. “Até quando, Senhor?” – disse eu. E ele respondeu: “Até que as cidades fiquem devastadas e sem habitantes, as casas, sem gente, e a terra, deserta; até que o Senhor tenha banido os homens, e seja grande a solidão na terra. Se restar um décimo da população, ele será lançado ao fogo, como o terebinto e o carvalho, cuja linhagem permanece quando são abatidos.” Sua linhagem é um germe santo."

(Is 6,1-13 - LXX)


Jesus chama a si mesmo de o Serafim:


"Como Moisés levantou a serpente (Nm 1,28 - em Hebraico = Seraph - שָׂרָ֔ף) no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna”. Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. [...] aquele que pratica a verdade vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas em Deus."

(João 3,14-21)



Ele será levantado em um madeiro. Ele é a serpente alada ou Serafim cuja imagem foi montada em um poste para curar os israelitas das picadas de serpentes ardentes (hebraico: הַשְּׂרָפִ֔ים - Ha-Seraphim - Nm 21,6-9). Jesus cumpre o papel da serpente alada ou Serafim para salvar os israelitas de seus pecados no deserto. Portanto, o outro Serafim no capítulo 6 de Isaías é o Espírito Santo. Mais adiante, o Evangelho de João esclarece aspectos trinitários de um Serafim pendurado em um poste, onde é mencionado um segundo Serafim na voz de nuvem e trovão:


"Pai, glorifica o teu nome!” Nisso veio do céu uma voz: “Já o glorifiquei e tornarei a glorificá-lo”. Ora, a multidão que ali estava, ao ouvir isso, dizia ter havido um trovão. Outros replicavam: “Um anjo [viz. um segundo ser enviado/Serafim do Pai] falou-lhe”. Jesus disse: “Essa voz [de um Serafim cantando] não veio por mim, mas sim por vossa causa. Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo. E quando eu for levantado da terra [como a Serpente de bronze], atrairei todos os homens a mim” [como os israelitas picados por serpentes ardentes, ao Serafim]. Dizia, porém, isto, significando de que morte havia de morrer [no madeiro]. A multidão respondeu-lhe: “Nós temos ouvido da Lei que o Cristo permanece para sempre. Como dizes tu: Importa que o Filho do Homem seja levantado? Quem é esse Filho do Homem?” Respondeu-lhes Jesus: “Ain­da por pouco tempo a luz estará em vosso meio. [...] Andai enquanto tendes a luz, [...] Enquanto tendes a luz, crede na luz, e assim vos tornareis filhos da luz.”

(João 12,28-36)


No versículo três de Isaías 6, a voz de um Serafim ressoa e então a fumaça enche o Templo Celestial. Não devemos inferir que isso é fumaça de incenso? Não devemos insinuar duplamente que esta é a nuvem sagrada que cobre Jesus, que é a glória manifesta da presença de Javé?⁵⁶ Devemos concluir que fumaça e nuvem estão presentes? Parece que ambos são ativamente simbolizados. Se houver uma nuvem, devemos esperar no reino dos anjos que maná, neve ou granizo desça como alimento (se for uma bênção). Assim, o profeta Isaías (ao contrário do capítulo 8 de Apocalipse) recebe da mão de um Serafim (Cristo) a brasa descendente, ardente (incenso ou granizo ardente conhecido como maná). Curiosamente, na Liturgia Bizantina, na recepção da Santa Ceia, o padre e o diácono recitam Isaías 6,7 como sua oração pós-comunhão para receber o carvão ardente ou o maná, seja qual for o caso. No versículo onze, vemos a desolação de Israel em relação a este acontecimento. Este é o evento que é geminado no Apocalipse, mas ali a brasa sangrenta e ardente, o pão dos anjos, desce para destruir o mundo com a peste.

Isso mostra a conexão entre o Serafim-Jesus (serpente alada) que cura as picadas de cobra das serpentes egípcias no deserto, assim como o bastão que virou serpente consumiu serpentes irritantes no Egito diante do faraó. Jesus aponta para essas criaturas do Antigo Testamento (Isaías 14,29; 30,6) e seu simbolismo no primeiro século no Evangelho de João (3,14). Novamente, Jesus é autodenominado a serpente alada levantada na haste da cruz e o maná que desceu do céu (João capítulo 6). Finalmente, o capítulo 6 de Isaías termina com uma profecia que esta visão prefigura: “como o terebinto e o carvalho, cuja linhagem permanece quando são abatidos'. Sua linhagem é um germe santo”. Esta parece ser a profecia do filho da promessa em Gênesis 18,14 a Abraão sob o carvalho de Mamre, levando ao seu cumprimento depois que a linhagem de Abraão (e Davi) é temporariamente despojada de seu poderoso reino, só mais tarde para ser restaurada. A semente de Abraão que nasce de um remanescente, do mesmo toco de árvore ou linhagem de Davi, quando tudo parece perdido em Israel. Esta é a Encarnação de Jesus Cristo.

Claro, esta criança ou semente nasce de uma virgem do tronco ou linhagem de Davi (Isaías 7,14 - LXX). Notemos a fusão da profecia em torno do Salvador de Israel, pois Isaías recorre a uma serpente guardiã, de asas de fogo: “Não te alegres, ó terra dos filisteus, de que tenha sido quebrada a vara que te feria, porque da estirpe da serpente (ἀσπίδων - aspidôn na LXX) nascerá uma áspide, e seu fruto será um dragão voador (שָׂרָ֥ף - Seraph; ὄφεις πετόμενοι - Ophis Petómenoi na LXX)"

(Isaías 14,29).


1.6 O Maná e o Maná-Incenso: A Conexão Árabe.


Para entender por que a ideia de maná (tanto como água de nuvem transmutada em gelo/neve/granizo quanto como incenso - Números 11,7 LXX) requer referências culturais (não aleatórias) ao mundo grego antigo e antigo, as histórias fornecem uma visão bastante ligação chocante entre Serafim, incenso, Jesus e maná. Já notamos que tanto o incenso quanto a mirra são produtos idiossincraticamente árabes associados ao Monte Sinai e às rotas comerciais para Sabá na Península Arábica.

Os cristãos asiáticos no Livro do Apocalipse estão familiarizados com a rota comercial de e para a Arábia, pois é mencionada como uma quantidade conhecida por seus produtos proeminentes e únicos: “cinamomo e essência; de aromas, mirra e incenso” (Apocalipse 18,13). A descrição do Apocalipse e as alusões ao incenso coincidem com as fontes latinas e gregas. O contemporâneo Josefo iguala explicitamente o maná de Moisés com o bdélio (olíbano), escrevendo por volta de 93/94 dC: "Eles gostaram da comida (bromati), pois era como o mel, em relação à doçura e agradável, como o bdélio das especiarias, cujo tamanho é como uma semente de coentro."⁵⁷ Em seguida, Plínio, o Velho, escreve por volta de 97 d.C.:


"Existem alguns escritores que afirmaram incorretamente que tanto a mirra quanto o incenso (turis) são produtos da mesma árvore. As incisões são feitas […] duas vezes por ano […] na árvore de incenso. [.. .] Há uma mirra branca também, que é produzida em apenas um ponto […] O tipo árabe-ilhéu [Sambraceniano de Saba] não tem nenhuma das falhas [mencionadas] e é mais atraente na aparência do que qualquer um deles, embora esteja longe de ser tão poderoso. Em geral, porém, a prova de sua bondade consiste em ser separado em pedacinhos de formato irregular, formados pela secreção de uma resina esbranquiçada (albicantis suci), que vai secando aos poucos. Quando quebrado deve apresentar marcas brancas (candidos) como as unhas, e ser levemente amargo (amara) ao paladar. […] Os preços variam […] enquanto o preço mais alto do […] árabe cultivado é dezesseis denários por libra".⁵⁸


A descrição de Plínio do maná (turis manna) garante sua notoriedade universal no mundo greco-romano do final do primeiro século. Assim, quando o Apocalipse de João descreve para os cristãos da província romana da Ásia o maná ou bdélio (incenso) que cai do céu, ele está muito bem informado sobre esse produto, mas retrata um conhecimento adicional sobre o fruto do bdélio e sua árvore da seguinte forma: "O sol se escureceu como um tecido de crina, a lua tornou-se toda vermelha como sangue, e as estrelas do céu caí­ram na terra, como frutos verdes que caem da figueira (συκῆ - sykēo) agitada por forte ventania." (Apocalipse 6,12-13). Este é um símile pelo qual uma fruta que cai é o código de um maná gigante caindo como chuva, como na linguagem de Eclesiastes 12,2 na LXX: "Antes que se escureçam o sol, a luz, a lua e as estrelas, e que à chuva sucedam as nuvens". Mais uma vez, um fenômeno meteorológico é central para descrever as pragas em termos de chuva e água no Apocalipse. Mas por que essas estrelas caem como figos maduros? A figueira asiática (ficus carica) é de fato amarela e quase se parece com o fruto da árvore bdélio, cuja resina produz a especiaria maná. Vejamos:⁵⁹



Isso resolve outro mistério potencial no livro do Apocalipse, pois comer da “lenha” ou “árvore da vida” (τοῦ ξύλου τῆς ζωῆς - to ksylon tês zôês) é um termo técnico do Apocalipse que se refere ao paraíso no jardim do Éden (Gênesis 2,9 - LXX; Apocalipse 2,7; 22,14). Comer desta árvore é impossível para os humanos caídos, e a planta (bdélio) mais próxima da árvore da vida era quase impossível para os cristãos no império romano conhecerem de vista. Cresceu apenas na distante Arábia, como mostramos a seguir. Portanto, seus frutos nunca poderiam ser importados com sucesso para a Ásia. Em vez disso, era apenas descritível para o greco-romano médio parecer-se com o figo amarelo e sua árvore é fonte tanto de frutas semelhantes a figos quanto de incenso de maná (e talvez mirra conforme confundido pelos romanos de acordo com o testemunho de Plínio). Bdélio, que cresce em um lugar na terra está próximo ao Éden ou paraíso de acordo com o Gênesis e, portanto, é topograficamente um sinal bíblico de proximidade com a "Árvore da Vida":


"Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim (παράδεισον - paradeison) no Éden, do lado do oriente, e colocou nele o homem que havia criado. O Senhor Deus fez brotar da terra toda a sorte de árvores (ξύλον - ksylon) de aspecto agradável, e de frutos bons para comer (βρῶσιν - brosin); e a árvore da vida (τὸ ξύλον τῆς ζωῆς - to ksylon tês zôês) no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal. Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços. O no­me do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Hévila (Ευιλατ - Euilat), onde se encontra o ouro. O ouro dessa região é puro; encontra-se ali (Arábia) também o bdélio e a pedra de ônix. O nome do segundo rio é Geon, e é aquele que contorna toda a região de Cuch (Etiópia)."

(Gênesis 2,8-13 - LXX)


Além disso, o historiador grego Heródoto (cerca de 484 a.C. - cerca de 425 a.C.) testemunhou algo como um serafim ou serpentes aladas vivendo na Arábia nesta rota, de onde veio a resina/árvore de incenso ou bdélio cuja resina era chamada de maná. As serpentes aladas guardavam o maná-especiaria:


"Há no território da Arábia, quase defronte da cidade de Buto, um lugar ao qual eu fui para obter informações acerca das serpentes aladas (πτερωτῶν οφίων - pterôtôn ophiôn). Chegando lá, vi numerosos ossos e espinhas dorsais de serpentes; […] O lugar onde estavam espalhadas as espinhas dorsais fica no topo onde uma estreita garganta se abre da montanha para uma extensa planície adjacente à planície egípcia.⁶⁰ Segundo se diz, no início da primavera as serpentes aladas (πτερωτοὺς ὄφις - pterôtous ophis) voam da Arábia em direção ao Egito[...]”


"As serpentes são como serpentes d'água (ὕδρων - hydrôn) [de barriga branca]; suas asas não são de penas, e se assemelham mais às dos morcegos. E já falei o bastante a respeito dos animais sagrados."⁶¹


No Egito, na Arábia e em Israel, as míticas serpentes aladas (agora para Heródoto meros fósseis) ganharam tanta popularidade que o rei messiânico Ezequias carimbou a serpente de fogo em seu selo real nos séculos anteriores (como o rei mais religioso da história de Israel), como se fosse um endosso oficial da profecia do Serafim de Isaías para livrar Israel da destruição por um filho da promessa (o Serafim prova ser Jesus, que é chamado de “o Anjo do Grande Conselho” em Isaías 9,5-6 na LXX, que está ligado a um bastão quebrado do inimigo em seu ombro). No entanto, há mais no registro de Heródoto sobre a crença árabe e egípcia nas serpentes aladas do deserto:


"A Arábia […] lá, e somente lá são encontrados o incenso, a mirra, a cássia, o cinamono e o ládano.⁶² Todos esses produtos, à exceção da mirra, são obtidos com dificuldade pelos árabes. […] as árvores produtoras de incenso são guardadas por serpentes aladas (ὄφιες ὑπόπτεροι - ophies hypopteroi), pequenas e de várias cores, as mesmas que invadem o Egito, reunidas em grande número em torno das árvores; nada a não ser a fumaça do stôrax, pode afastá-las dessas árvores. Segundo os árabes também dizem, toda região estaria cheia dessas serpentes (ὀφίων - ophiôn) se não acontecesse com elas o mesmo que, segundo ouvi dizer, acontece com as víboras (ἐχίδνας - equidnas).⁶³ Sem dúvida a providência divina - isso, aliás, seria de esperar - deu a todos os animais medrosos e bons para ser comidos uma grande fecundidade"⁶⁴


Heródoto só conseguiu ver os ossos das ditas serpentes, cobras associadas à cobra d'água de barriga branca que supostamente guardava a cara resina transformada em maná-especiaria ou incenso chamado simplesmente de "maná" no livro de Baruc. Todos os aspectos de sua descrição e a associação é reminiscente da adoção hebraica da dita serpente de fontes egípcias, como sugerido pelo rei Ezequias (que reinou de 716 a.C.-687 a.C.) em seu selo de serpente alada que confirma o uso dessa imagem pelo rei justo.





Por um lado, este selo demonstra um verdadeiro fascínio pelo Seraph, e a capacidade sombria desta serpente alada de proteger sua linhagem davídica e Israel da destruição. Por outro lado, Ezequias (2 Reis 18,4) queimou a imagem da serpente alada de bronze de Moisés em uma haste (נֵ֑ס - nés) para destruí-la, porque estava provocando adoração idólatra ao queimar incenso diante dela. Este parece ser o mesmo costume no folclore árabe pelo qual as serpentes voadoras são forçadas a abrir mão de sua guarda das árvores para colher maná-especiaria. Ezequias pode ter lidado com um culto paralelo recente ao Serafim (simultaneamente em paralelo e supersticiosamente em desacordo com a relíquia de Moisés), pelo qual a reforma iconoclasta de Ezequias distanciou Israel de algo semelhante às práticas árabes de incenso diante de serpentes aladas.⁶⁵


A destruição de Ezequias da sombra ou prefiguração do salvador de Israel pelo fogo pode ser uma alusão ao Serafim de Isaías segurando em sua mão fogo e queimando maná-incenso? O poste de madeira e a serpente de bronze ou Serafim estão em um madeiro exatamente como as serpentes árabes da tradição, onde guardavam o maná-incenso que, por extensão, é o precioso maná-alimento e vida viva de Israel.⁶⁶ Como vemos, esta lendária serpente voa para os céus (e diz-se que batalha com os pássaros do céu) e vive em uma árvore guardando o maná-especiaria. Poderia este pano de fundo semítico e egípcio ser o ponto de referência para a compreensão semítica e grega posterior do pão-maná, assim como no tempo de Ezequias e na data inicial da composição do texto relevante: “fez chover o maná para saciá-los, deu-lhes o trigo do céu. Pôde o homem comer o pão dos anjos (ἀγγέλων - angelon)” (Salmo 77,24-25 - LXX)? A resposta parece ser “sim”, pois uma crônica assíria datada da época de Ezequias relata uma versão ligeiramente diferente do mesmo fenômeno relatado por um líder militar Assaradão em sua expedição histórica ao Egito em 671 a.C.:


"Na minha décima campanha, o deus Assur fez tomar […] meu desejo […] Egito. […] me mobilizei […] parti de minha cidade Assur. Atravessei os rios Tigre e Eufrates durante o período de inundação. Como um touro selvagem, atravessei montanhas íngremes. No curso de minha campanha, [de Tiro] […] do Egito, mobilizei meu acampamento e parti para Meluhha trinta milhas de terra, de Apqu [Palestina] que fica na região fronteiriça […] na margem do ribeiro do Egito onde não há rio, deixei as tropas beberem baldes de água tirada de poços com cordas e correntes. De acordo com o comando de meu senhor Assur, uma ideia me veio à mente e eu concebi, mobilizei os camelos de todos os reis da Arábia e os carreguei com [odres e recipientes de água]. Vinte milhas de terra, uma jornada de quinze dias, eu marchei por grandes dunas. Quatro milhas de terra eu viajei sobre alume, pedras musû; quatro milhas de terra, uma jornada de dois dias, pisei repetidamente em serpentes de duas cabeças [...cujo toque] é mortal, mas continuei; quatro milhas de terra, uma jornada de [dois dias] - vi serpentes amarelas aladas [na região de Gazah-Rafah]."⁶⁷


As serpentes voadoras e venenosas da Arábia parecem ter espécies diversas ou histórias diferentes, duzentos anos depois, na época de Heródoto (por exemplo, ele não as menciona como de duas cabeças). Pode ser que as serpentes sejam amareladas, enquanto seu ventre é branco, mas a característica de duas cabeças das serpentes voadoras árabes na mesma região aparentemente não é uma característica proeminente registrada por Heródoto (e Ezequias).⁶⁸ Mesmo que a serpente de duas cabeças possa ser interpretada como um exagero de uma descoberta de gêmeos siameses, já que o fenômeno está registrado e disponível em qualquer lugar, isso não explica o exagero ostensivo de Assaradão de que suas serpentes voavam no ar.

À luz das características historicamente relevantes de Heródoto e Esarhaddon, a associação do serafim com a Arábia e o Egito parece quase certa e a ligação entre a “árvore da vida” do Apocalipse e seu sinal tópico: bdélio ou incenso (maná-especiaria) (Apocalipse 22,2-3), estão todos associados ao maná hebraico na mente popular. Bdellium é certamente o dispositivo literário mais adequado para os judeus que teriam conhecido a literatura do mais famoso historiador grego no terceiro - ou segundo - séculos aC, ao traduzir a Septuaginta. Posteriormente, os cristãos que compõem o Novo Testamento conheciam essas referências. À luz da Septuaginta, cujas traduções nos três séculos antes de Cristo percorrem o Apocalipse, a lacuna entre as histórias assírias ou de Heródoto e os escritos apostólicos é preenchida. Assim, Jesus pode ser profeticamente entendido pelos judeus do Segundo Templo e pelas gerações de cristãos como o “Anjo Redentor” (Gn 48,16), o Anjo denominado “Maravilhoso” (Jz 13,18) que sobe ao céu em fogo, o anjo que desce ou Serafim (Isaías 6,1-6) da árvore Bdellium que é queimada como incenso, e finalmente como o “Anjo do Grande Conselho” (Isaías 9,6 LXX) e maná gelo do céu e maná-incenso de sacrifício perfeito como o novo altar e novo templo. Portanto, Jesus é o espírito guardião cuja “voz” estereotipicamente sinaliza o trovão na nuvem celestial e enevoada, enviando para a terra figos gigantes amarelados semelhantes a granizo ou fruta de bdélio (maná) (mas incenso ou carvão branco, isto é, caindo pedras comestíveis para os fiéis), e o apóstolo João comunga ou come esta versão menor, embora tenha um sabor doce como o fruto do bdélio, imediatamente - como o maldito granizo sangrento - traz um estômago amargo (como o amargor da resina de maná-incenso),⁶⁹ para significar maldição para os infiéis (Ap 10,10)”.⁷⁰


- Pe. Christian Kaapes, "The Secret History of Transubstantiation: Pulling Back the Veil on the Eucharist", Biblical Dogmatics Vol. 2, 2021, Patristic Pillar Press, páginas 81-125.


NOTAS:


[1]. J.A. Cerrato, "Hippolytus between East and West: The Commentaries and the Provenance of the Corpus", Oxford Theological Monographs (Oxford: Oxford University Press, 2003), 75-80.


[2]. A tradução aqui costuma ser: “til” ou “iota”. A letra “ι” significa o número dez em grego e é equivalente ao número um em latim (para Monoimos) e tem a mesma forma da vara de Aarão e Moisés no Êxodo. Assim, em grego o número perfeito pitagórico é dez, enquanto em latim o número significa uma mônada, mas na Septuaginta, serve como um pictograma para significar a vara que Moisés usou para criar novas substâncias. Marcovich:


"Além disso, o cajado de Moisés transformado nas dez pragas contra os egípcios (Ex 7,8-11; 10) também testemunha o poder criativo da Iota-Dez. Pois as dez pragas do Egito (8.14.3: τὰ πάθη τὰ χατὰ τὴν Αἴγυπτον - ἅτινα, φησίν, ἐστὶ τῆς χτίσεως ἀλληγορού [μεναν] σύμβολα) se referem à mudança qualitativa da matéria, isto é, à geração (τὰ πάθη = μεταβολή, γένεσις 8.13.3). E essa geração está sendo causada pelos golpes do cajado Iota (8.14.3-4): Αὕτη [δέ,] φησίν, ἐστὶν ἡ δεκάπληγος ἡ χοσμιχὴ χτίσις πάντα γὰρ πλησσόμενα γεννᾶται χαὶ χαρποφορεῖ, χαθάπερ αἱ ἄμπελοι. "Ανθρωπος [γὰρ] ἐξ ἀνθρώπου ἐξέσῴ[σ]υται," φησίν, "χαὶ ἀποσπᾶται, πληγῇ τινι μεριζόμενος," (Democritus B 32 DK) ἵνα γένηται. Da mesma forma, o Decálogo de Moisés também atesta os mistérios criadores do Filho do Homem como lota (8.14.4-5): ... ἡ δεχάλογος ἀλληγοροῦσα τὰ θεῖα τῶν ὅλων μυστήρια. Πᾶσα γάρ, φησίν, ἡ γνῶσις τῶν ὅλων δεχάπληγός ἐστι χαὶ δεχάλογος" ἣν οἶδεν οὐδεὶς τῶν περὶ τὸ γέν[ν]ημα τῆς θηλείας πεπλανημένων (outra alusão à origem celestial do Filho do Homem Jesus)." - Miroslav Marcovich, "Studies in Graeco-Roman Religions and Gnosticism, Studies in Greek and Roman Religion 4" (Leiden: Brill, 1988), 139.


[3]. Veja o ensinamento judaico do segundo século do rabino Judá HaNasi, "Pesach Haggadah - Magid", sobre as Dez Pragas; "E com 'sinais' [symbola de Monoimos] - isso se refere a vara, como é declarado (Êxodo 4,17); 'Toma em tua mão esta vara, com a qual operarás prodígios'."


[4]. Monoimos relaciona o ato de transmutação com o ato de dar à luz (gênese) - Marcovich, Studies in Graeco-Roman Religions and Gnosticism, 139.


[5]. Existem dez categorias pelas quais todos os seres contingentes podem ser descritos e dos quais se pode dizer que são compostos e, portanto, é o número perfeito para explicar a criação nas Dez Pragas e os mistérios por trás delas, a saber, os Dez Mandamentos.


[6]. Compare as instruções da lua nova e do sábado com o que Paulo parece se referir em "Mishneh Torah, sobre o Pão Levedado e Ázimo" 7:1:"De acordo com um mandamento bíblico positivo, você deve contar na noite anterior ao décimo quinto dia de Nisan todos os milagres e maravilhas que foram realizados por nossos antepassados no Egito. Como está declarado (Êxodo 13,3): 'Lembre-se deste dia em que você saiu do Egito'; assim como está declarado (Êxodo 20,8): 'Lembre-se do dia do sábado."


[7]. Para outros usos de Colossenses por Monoimos, veja Marcovich, "Studies in Graeco Roman Religions and Gnosticism", 137.


[8]. Para Monoimos, o ato de um cajado golpear (e, portanto, quebrar) é como uma forma aristotélica agindo sobre a matéria - Marcovich, Studies in Graeco-Roman Religions and Gnosticism, 139.


[9]. Ver Marcovich, Studies in Graeco-Roman Religions and Gnosticism, 138-139, para a aceitação de Monoimos da substância com um substrato material (passível).


[10]. Para uma discussão da transmutação gnóstica de Monoimos do Filho do Homem eterno no céu em um Filho do Homem material na terra por transmutação (metabole), veja Marcovich, "Studies in Graeco-Roman Religions and Gnosticism", 137.


[11]. Para o desenvolvimento da anáfora, ver Emanuel Cutrone, "Cyril's Mystagogical Catecheses and the Evolution of the Jerusalem Anaphora," Orientalia Christiana Periodica 44 (1978): 52-64.


[12]. Anton Baumstark, “Liturgie Comparée: Principes et Méthodes pour L'étude Historique Des Liturgies Chrétiennes”, ed. Bernard Botte, Irénikon: Nouvelle série, 7 (Chevetogne: Éditions de Chevetogne, Chevetogne 1953), 9-10.


[13]. Para a autoria desta seção do chamado Bazaar, ver Teresia Hainthaler, "Perspectives on the Eucharist in the Nestorian Controversy," em The Eucharist in Theology and Philosophy: Issues of Doctrinal History in East and West from the Patristic Age to the Reformation (Leuven: LUP, 2005), 8-15.


[14]. “Nestorius the Bazaar of Heracleides: Newly Translated from the Syriac and Edited with an Introduction, Notes, and Appendices, trans, and ed. G. Driver and L Hodgson” (Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2002), 17.


[15]. Ibid. 18.


[16]. É pela doutrina das duas subsistências (duae subsistentiae) que Nestório foi condenado por Cirilo antes do Concílio de Éfeso. Veja a Terceira Carta de Cirilo a Nestório, em “Decrees ofthe Ecumenical Councils, 2 vols., ed. Norman Tanner” (Georgetown: Sheed and Ward, 1990), 1:55, linhas 11-14.


[17]. “Nestorius the Bazaar of Heracleides: Newly Translated from the Syriac and Edited with an Introduction, Notes, and Appendices, trans, and ed. G. Driver and L Hodgson” (Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2002), 327.


[18]. Ibid. 327-328.


[19]. Nossas conclusões não diferem das análises tradicionais atuais, como J.F. Bethune-Baker, "Nestorius and His Teaching: A Fresh Examination of the Evidence" (Eugene OR, Wipf & Stock Publishers, 1998), 144-148.


[20]. Patrick Gray, “From Eucharist to Christology. The Life-Giving Body of Christ in Cyril of Alexandria,Eutyches and Julian of Halicarnassus,” em “The Eucharist in Theology and Philosophy: Issues of Doctrinal History in East and West from the Patristic Age to the Reformation, eds. Istvan Perczel, Réka Forrai, and Gyorgy Geréb” (Turnhout: Leuven University Press, 2005), 23-31.


[21]. Veja Teresia Hainthaler, “Perspectives on the Christianity in the Nestorian Controversy”, 8-15, para seu julgamento que restaura um pouco Nestório ao recorrer a seus escritos indiscutivelmente autênticos. Não é nosso objetivo fazer um julgamento definitivo sobre sua análise, pois estamos investigando a recepção de Nestório por São Cirilo (que é claramente negativa) e a recepção por partidários (cuja doutrina eucarística é claramente problemática). Portanto, estamos abertos a uma compreensão mais nuançada e positiva de suas posições históricas que possam ajudar a aliviar sua reputação de exageros.


[22]. Veja B.R. Rees, "Introduction to Pelagius: Life and Letters" (Woodbridge: The Boydell Press, 1991), 3-6; M. Lamberigts, “Cooperation between Church and State in the Condemnation of the Pelagians”, em "Religious Polemics in Context: Papers Presented to the Second International Conference of the Leiden Institute for the Study of Religions" (USOR) Held at Leiden, 27-28 April 2000, eds. T.L. Hettema and A. van der Kooij (Assen NE: Royal Van Gorcum, 2004), 370-375.


[23]. Sobre a influência de Agostinho em Cirilo, veja Hans van Loon, “The Pelagian Debate and Cyril of Alexandria’s Theology,” - “Studia Patristica 68” (2013): 61-84.


[24]. Veja especialmente, "Celestine to his Beloved Brother Nestorius: Epistle 10", em “Acta Conciliorum Oecumenicorum I.I, ed. Edward Schwartz” (Berlin/Leipzig:Walter De Gruyter, 1927),1:77-83.


[25]. Juliano de Eclano, “Tractatus prophetarum Osee Johel et Amos: Accedunt operum deperditorum fragmenta post Albertum Bruckner denuo collecta aucta ordinata, ed. Albert Bruckner, Corpus Christianorum: Series Latina 88″ (Turnhout: Brepols, 1977), 68.


[26]. São Cirilo de Alexandria, “Commentarium in Oseam Prophetam”, T. I, Cap. V - PG 71, 45.


[27] O comentário de Juliano é bem conhecido por se basear no próprio comentário de Teodoreto sobre os profetas.


[28]. São Cirilo de Alexandria, “Glaphyrorum in Exodum”, Lib III - PG 69, 492.


[29]. São Cirilo de Alexandria; "τέσσαρες δειναι καί άλλήλων χείρους έπιφέρονται πληγαί υδατός τε γάρ εις αΐμα μεταβολή παραδόξως έπράττετο” - “De Adoratione et Cultu in Spiritu et Veritate” - PG 68,196B.


[30]. São Cirilo de Alexandria; "καταδονήσας όράται τα πάντα, των μέν ύδάτων εις αιμα μετεσκευασμένων" - “In Ægeum Prophetam Commentarius”, Cap II, XII. - PG 71, 1045.


[31]. São Cirilo de Alexandria, “Thesaurus de Sancta Consubstantiali Trinitate” - PG 75, 393A.


[32]. “The three Epistles of Saint Cyril Archbishop of Alexandria with Revised text and English translation”, Oxford and 377 strand, London, 1872, página 32.


[33]. Ver o testemunho de Boécio em “De Persona et Naturis Duabus”, PL 64, 1344B.


[34]. “The three Epistles of Saint Cyril Archbishop of Alexandria with Revised text and English translation”, Oxford and 377 strand, London, 1872, páginas 4-6.


[35]. Ibid. 20.


[36]. São Cirilo de Alexandria, “Quod Unus sit Christus” - PG 75, 1260.


[37]. Halkin (ed.), "Sancti Pachomii vita tertia" (e codice Patmensi monasterii S. Ioannis 9), “Sancti Pachomii vitae Graecae: Subsidia hagiographica 19″ (Brussels: Société des Bollandistes, 1932), página 340.


[38]. Ele foi designado santo nas igrejas ortodoxas orientais. À medida que a divisão entre os cristãos que promoviam o Concílio Ecumênico de Calcedônia (451 d.C.) e aqueles que se opunham a ele se intensificou especialmente a partir de 453 d.C. - 474 d.C., o Império Romano do Oriente publicou um documento legal insosso (o Henoticon) que essencialmente fingia que Calcedônia nunca havia acontecido. O documento apenas mencionou que possivelmente havia vários bispos infiéis que traíram a verdadeira fé que estavam presentes em Calcedônia. Essa suspeita oblíqua sobre Calcedônia explodiu em oposição imperial depois que o imperador Zenão I sob o imperador Anastácio I, que publicou um documento anticalcedônio subsequente (os erros de digitação) que impugnou negativamente Calcedônia. Por ser provavelmente Severo em Beirute quem redigiu isso em 491, ele foi premiado com o patriarcado de Antioquia. Ele manteve sua posição em Antioquia (512 d.C. - 518 d.C.) até que o imperador pro-Calcedoniano Justino I assumiu o trono. A Cristologia de Severo não é herética per se, mas requer muita distinção acadêmica (da qual ele é capaz como advogado treinado). Suas acusações pelos calcedônios gradualmente incluem heresia, que agora é fato consumado por hinos católicos bizantinos e ortodoxos que o designam como herege. Sua heresia não está no que ele afirma, mas no que ele nega: (1.) Que o Tomo de Leão é herético por dizer duas naturezas em uma pessoa, (2.) e que o Concílio de Calcedônia é herético por defender o Tomo que evita principalmente a expressão de São Cirilo “uma natureza do Verbo Encarnado”.


A batalha é substancialmente sobre terminologia e não sobre certas questões da transmutação da Divindade em humanidade, ou uma natureza humana sendo transubstanciada em Divindade. Esta era a posição do herege Eutiques (eventualmente) conjuntamente condenado, que hoje não tem seguidores ou igreja.


[39]. Lain Torrance:

"Vimos acima que Cirilo considerou a objeção de que, se dissermos que a natureza do Filho é uma, certamente devemos dizer que alguma mistura e confusão ocorreu, pois o que é a natureza do homem comparada à Divindade? Contra isso, Cirilo disse que não era impossível para Deus tornar-se suportável às medidas da humanidade, e apontou para a Sarça no deserto, que Deus tornou capaz de sustentar o fogo. Como segundo passo, Cirilo mostra que o fogo pode aquecer a matéria e torná-la quente, embora não seja quente por sua própria natureza. Da mesma forma, se o fogo visível pode transformar a água, que embora seja fria por natureza, no que é contrário à sua natureza e quente, como alguém pode não acreditar que Deus, o Verbo, fez a carne que estava unida a ele, e era sua própria, vivificante?


Se isso fornece o princípio, vamos agora considerar o caso específico. Qual é, exatamente, a mudança, se é que é, que a humanidade sofre em união com Deus o Verbo? Em seus fragmentos Contra Synousiastas, Cirilo escreve sobre Cristo: Οὑκ εἰς φύσιν ϑεότητος τὴν ἀτρέπτως τε καὶ ἀσυγχύτως σάρκα μεταστοιχειώσας ὁρᾶται, δόξῃ δὲ μᾶλλον ἰδίᾳ καταφαιδρύνας αὐτὴν νοοῖτ᾽ ἄν εἰκότως καὶ ϑεοπρεπῶν ἐμπλήσας ἀξιωμάτων. A humanidade, como a própria humanidade do Verbo, é dotada de propriedades além de si mesma. Deve-se notar, porém, que Cirilo não chama isso de 'mudança', mas de 'transelementação' ou 'transformação' (μεταστοιχείωσις). Cirilo escreveu de maneira muito semelhante em sua Scholia: ἑνωθέντα μὲν τῇ ἀνϑρωπότητι τὸν τοῦ Θεοῦ Δόγον, οὐ μὴν ἀποβεβληκότα τὸ εἶναι ὅ ἐστι, μεταστοιχειώσαντα δὲ μᾶλλον τὸ προσληφϑὲν, ἤγουν ἑνωϑὲν, εἰς τὴν ἑαυτοῦ δόξαν τε καὶ ἐνέργειαν."

- “Christology after Chalcedon: Severus of Antioch and Sergius the Monophysite” (Norwich: The Canterbury Press, 1988), páginas 118-119


[40]. São Cirilo de Jerusalém, “Catechesis XII, De Christo Incarnato.”, I - PG 33, 728A.


[41]. O primeiro céu babilônico no Ennuma Elish, como em 1 Enoch, contém água, neve e gelo. Os números mais comuns de céus nos textos babilônicos e assírios são três ou sete. Ver Collins, “Cosmology and Eschatology in Jewish and Christian Apocalypticism” (Leiden: Brill, 2000), 27-37.


[42]. Para a identificação desta passagem com o Sacrifício da Missa, ver Scott Hahn, “The Lamb's Supper: The Mass as Heaven on Earth” (New York: Double Day, 1999), 102.


[43]. Esta é a tradição interpretativa de Gênesis 18,6, segundo Mateus 13,33; "Disse-lhes, por fim, esta outra parábola: 'O Reino dos Céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa'."


[44]. Talento é uma medida de peso equivalente á 60 libras de acordo com a Amplified Bible, Classic Edition na passagem citada.


A meteorologia de Aristóteles (Bekker número: 348a27) admite o tamanho inacreditável do granizo (to gegethos apistos), mas não fornece nenhum registro.


[45]. J. Wevers and U. Quast (ed.), “Numeri. 11,7″, “Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Academiae Scientiarum gottingensis editum”, vol. 3 (Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1982), 1:160.


[46]. Habdolah (הַבְּדֹ֖לַח) é também a palavra para Gênesis 2,12 para o Bdélio, a primeira planta nomeada no Paraíso.


[47]. Pedânio Dioscórides, “Sobre o material médico” [= “De materia medica”], ed. M. Wellmann, “Pedanii Dioscuridis Anazarbei de materia medica libri quinque”, vol. 1 (Berlin: Weidmann, 1907), livro 1, capitulo 68, seção 5.


[48]. Flávio Josefo, “Antiguidades Judaicas”, em “The Works of Flavius Josephus: The Learned and Authentic Jewish Historian, trans. William Whiston” (New York: Leavitt and Allen, 1855), 81 (= “Flavii losephi opera, vol. 1, ed. B. Niese” [Berlin: Weidmann, 1887], 3.32).


[49]. Veja Apocalipse;

“Seus pés se pareciam ao bronze fino incandescido na fornalha. Sua voz era como o ruído de muitas águas.”

(Ap 1,15)


“Ouvia, entretanto, um coro celeste semelhante ao ruído de muitas águas e ao ribombar de potente trovão. Esse coro que eu ouvia era ainda semelhante a músicos tocando as suas cítaras.”

(Ap 14,2)


“Nisso ouvi como que um imenso coro, sonoro como o ruído de grandes águas e como o ribombar de possantes trovões, que cantava: “Aleluia! Eis que reina o Senhor, nosso Deus, o Dominador!”

(Ap 19,6)


[50]. O anti-maná visto pela primeira vez em Sodoma parece aqui ser recriado na transmutação da nuvem: "O Senhor fez então cair (ἔβρεξεν - ebreksen) sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo [cristalino amarelo], vinda do Senhor, do céu. E destruiu essas cidades e toda a planície, assim como todos os habitantes das cidades e a vegetação do solo.”

(Gênesis 19,24-25 - LXX)


[51]. Na cosmologia babilônica e do Oriente Próximo, que isso reflete, isso é um sinal de chuva, quando o sol é cercado por um arco-íris (embora não seja responsável pelos cristais de gelo nas nuvens cirros que explicam o fenômeno).


[52]. Veja, por exemplo, em Juízes, onde o cenáculo é usado para o céu nos Salmos.

“Mas, depois de esperarem muito tempo, ficaram alarmados. Vendo que a porta de cima não se abria, tomaram a chave, abriram-na e encontraram o seu senhor morto e estendido por terra.”

(Jz 3,25)

“acima das águas fixastes vossa morada. De nuvens fazeis vosso carro, andais nas asas do vento”

(Sl 103,3)


[53]. Veja 1Crônicas 9,28, onde o maná é trancado por uma chave para uma porta com os vasos sagrados na "Casa de Deus".


[54]. Compare o popular Cristão Lactancio em “De Opificio Dei”, ed. Samuel Brandt e Georg Laubmann, Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum 27 (Viena, F. Tempsky, 1883), livro 2, seção 17, e seu testemunho do início do século IV sobre a influência de Empédocles: "Se alguém me disser que o céu é bronze (aeneum) e vítreo (yitreum), ou como diz Empédocles, ar gelado (aeremglaciatum), devo concordar imediatamente?"


[55]. Na Septuaginta, esses seres são especificados apenas como dois. Fílon de Alexandria (para os judeus) e Orígenes (para os cristãos) solidificaram a tradição de que estes eram seres Divinos (não meros anjos) que (para Orígenes) prefiguram o Filho e o Espírito.


[56]. As tradições árabes de comentários sobre o maná exemplificam melhor isso, como no Alcorão 2.57: "E nós te protegemos com nuvens e enviamos a você maná e codornizes." A mesma ênfase nas nuvens Divinas que cobrem a queda do maná (como a Anunciação e a Transfiguração) é encontrada no Alcorão 7.160: "Dividimos o povo de Moisés em doze tribos, formando-as em comunidades. Nós revelamos a Moisés quando seu povo lhe pediu água - na ocasião em que ficaram sem água no deserto -, dizendo: 'Bata na rocha com o seu cajado!' E - assim que ele atingiu - jorrou dela doze fontes. Cada tribo conhecia seu local de bebida. E fizemos com que a nuvem os protegesse e descêssemos sobre eles o maná e as codornizes: 'Comei das coisas puras e saudáveis ​​que vos providenciamos.' E - ao desobedecer aos Nossos mandamentos - eles não nos ofenderam, mas a si mesmos."


[57]. Flavii losephi opera, 3.28.


[58]. “The Natural History of Pliny”, trans. John Bostock and H. Riley (London: Henry G. Bohn, 18 5 5), 3:131-132 (= “Historia naturalis, ed. Karl Friedrich and Theodor Mayhoff”. [Leipzig: Teubner, 1906], 12.33-34).


[59]. Veja Emad Alsherif, “Ecological Studies of Commiphora genus (myrrha) in Makkah Region," Heliyon 5 (2019): eO 1615.


[60]. Isso coincide com a topografia dos serafins ou serpentes abrasadoras aludidas por Deuteronômio 8,15 (hebraico = נָחָ֤שׁ שָׂרָף֙ - nahash seraph, ou ὄφις δάκνων - ophis daknôn na LXX) e Isaías 30,6 (víboras voadoras ou ἀσπίδων πετομένων - aspidôn petomenôn na LXX).


[61]. Heródoto, "Histórias", Livro II, 75, em "Loeb Classical Library, Herodotus I, Books I-II, translated by A. D. Godley", 1920, Harvard University Press, páginas 360-362.


[62]. Compare com os produtos de comércio em Apocalipse 18,13: “de cinamomo e essência; de aromas, mirra e incenso; de vinho e óleo, de farinha e trigo, de animais de carga, ovelhas, cavalos e carros, escravos e outros homens.”


[63]. Isso pode ser uma referência ao echis coloratus, que era uma serpente guardiã (seja por fortuna ou intencionalmente, em minas de cobre), conforme identificado em Nissim Amzallag, "The Origin and Evolution of the Saraph Symbol" (PhD Diss. EnGurion University in the Negev , 2015), 101-103.


[64]. “Herodotus, Book III”, London, University Tutorial Press, página 65.

Este maná-tempero é colocado no altar para queimar como incenso no Antigo Testamento; “Eis o que escreveram: ‘Servi-vos do dinheiro que vos enviamos, a fim de comprar vítimas para os holocaustos, os sacrifícios expiatórios, e para o incenso (μαννα - manna). Preparai também oferendas que poreis sobre o altar do Senhor, nosso Deus.”

(Baruc 1,10 - LXX).

Essa goma arábica era chamada em grego: manna libanôtou (μάννα λιβανωτοῦ) ou libanomanna (λιβανομάννα).


[65]. Nissim Amzallag:

"Nem Assaradão nem Heródoto chamam essas criaturas de “seraph”. Seu testemunho, porém, embora independente da tradição israelita, apresenta muitas afinidades com ela:

• Tanto o serafim quanto as criaturas mencionadas por Assaradão e Heródoto são serpentes voadoras.

• As serpentes voadoras mencionadas por Assaradão e Heródoto vivem em regiões áridas. O serafim também é encontrado em áreas áridas (Dt 8,15, Is 30,6).

• A crônica de Assaradão evoca as serpentes voadoras como genuínas serpentes vivas. Heródoto também os define como organismos genuínos que se reproduzem sexualmente (III, 109) e ainda descreve um local onde seus ossos se acumulam (II, 75). Se assim for, exatamente como nas fontes bíblicas, a serpente voadora é uma criatura fantástica intimamente relacionada a uma serpente real que habita uma área desértica.

Heródoto (III, 109) identifica a serpente voadora como uma víbora: “As serpentes aladas árabes realmente parecem ser numerosas; mas isso é porque (embora existam víboras em todas as terras) elas estão todas na Arábia e não são encontradas em nenhum outro lugar. Também na Bíblia, o saraph parece estar intimamente relacionado com as cobras ṣepaʿ e epʿeh (Isa 14,19 e Isa 30,6, respectivamente), geralmente identificadas como espécies de víboras.

Heródoto refere-se a serpentes voadoras que protegem as árvores de incenso do sul da Arábia (III, 107). A serpente de cobre israelita (confundida com o saraph) também está intimamente relacionada ao incenso e à queima de incenso." -

“The Origin and Evolution of the Saraph Symbol”, em "Antiguo Oriente, volumen 13", 2015, página 105.


[66]. Na arte egípcia, os uraeus (serpentes aladas) são divindades guardiãs, que funcionam exatamente como as serpentes aladas árabes. Há um consenso emergente de que os motivos usados para exibir serafins na Canaã da era dos hicsos tiveram suas fontes originais na iconografia uraeus egípcia;

“I. A palavra 'Serafim' é o nome dado aos seres que cantam o Trisagion a Javé como Rei em Is 6,2-3 e realizam um ato de purificação nos versículos 6-7. Os Serafins são agora geralmente concebidos como serpentes aladas com certos atributos humanos. A palavra śārāp̄ tem três ocorrências no Pentateuco (Num 21,6-8; Deut 8,15) e quatro em Isaías (6,2-6; 14,29; 30,6). Geralmente é considerado um derivado do verbo śārāp̄, 'queimar', 'incinerar', 'destruir'. Como o verbo é transitivo, śārāp̄ provavelmente denota uma entidade que aniquila queimando. Enquanto o sentido etimológico é, portanto, 'aquele que queima (os inimigos etc.)', o termo se refere várias vezes a algum ser serpentino. De acordo com alguns estudiosos, a conexão com o verbo hebraico sarap é apenas uma associação secundária, sendo o étimo original Eg sfr /*srf (ct. srrf), 'grifo' (JOINES 1974: 8 e 55 n. 15; GORG 1978).

II. O estudo da antiga evidência do Oriente Próximo, esp. representações iconográficas, tem sido fundamental nas tentativas de esclarecer o significado e o contexto dos serafins. Embora alguns estudiosos tenham sugerido que os sete trovões de Baal e seus relâmpagos ou sua iconografia possam fornecer paralelos esclarecedores, existe agora um consenso emergente de que a serpente egípcia uraeus é a fonte original do serafim. Esta interpretação foi elaborada por Keel, que foi capaz de apresentar evidências iconográficas mostrando que o uraeus era bem conhecido na Palestina desde o período dos hicsos até o final da Idade do Ferro (em escaravelhos e focas). Durante o século VIII a.C. o uraeus de duas asas e, em Judá especialmente o de quatro asas, é um motivo bem atestado em selos, enquanto o uraei de seis asas não parece ocorrer. Frisos com uraei (sem asas) são encontrados em templos egípcios e fenícios. O termo 'uraeus' é uma palavra emprestada do grego que, por sua vez, foi tirada da palavra egípcia para a figura da cobra usada na testa dos deuses e reis egípcios, a quem a cobra protege por meio de seu 'fogo' (veneno). Entre as designações egípcias para o uraeus encontra-se a palavra eht, 'chama'. A divindade cobra preeminente no Egito era o deus da coroa Uto.

III. Tentativas anteriores de considerar as duas ocorrências em Is 6,2-8 como mais ou menos distintas do restante das atestações (DB 977) foram agora geralmente abandonadas. No Pentateuco encontramos Yahweh Enviando hannehasim hasserapim, 'as serpentes ardentes' (RSV), entre o povo (Nm 21,6), ordenando Moisés para fazer Nehushtan, 'serpente ardente' (Nm 21,8). O deserto é cheio das 'serpentes ardentes' (נָחָ֤שׁ שָׂרָף֙ - nāḥāš śārāp̄ - Dt 8,15), a morada da 'serpente voadora' (וְשָׂרָ֣ף מְעוֹפֵ֔ף - wə-śārāp̄ mə‘ōwp̄êp̄, - Is 30,6). Em Is 14,29 o 'dragão voador' é usado como uma metáfora política para um novo líder: '... porque da estirpe da serpente nascerá uma áspide, e seu fruto será um dragão voador.' (שָׂרָ֥ף מְעוֹפֵֽף - śārāp̄ mə‘ōwp̄êp̄). Que todas as cinco passagens, exceto Is 6, entendem sarap como um ser serpentino, fica claro pela terminologia usada nos contextos em questão, e duas passagens mencionam explicitamente uma serpente alada.

Em Is 6, os serafins aparecem em conexão com o rei celestial entronizado, Yahweh Zebaoth. O seguinte pode ser dito sobre sua posição, forma, número e função. A posição deles, '‘ōməḏîm mimma‘al lōw' (עֹמְדִ֤ים מִמַּ֙עַל֙ ל֔וֹ), 'junto de' Javé (v 2), se presta a comparação com os uraei elevados nos frisos da capela, onde os uraei não têm asas. Se sua forma é serpentina ou mais humanóide é uma questão de disputa. Quanto ao número, provavelmente há dois serafins em Is 6 (cf. v 3a). No que diz respeito à sua função, Is 6 apresenta uma notável mutação do uraeus (KEEL 1977: 113): em vez de proteger Yahweh, os serafins precisam de suas asas para se cobrirem da cabeça aos pés da santidade consumidora de Yahweh; Javé não precisa da proteção deles. Isaías, portanto, usa os Serafins para enfatizar a suprema Santidade do Deus no Seu Trono.

IV. Os serafins ocorrem várias vezes nos pseudepígrafos e na literatura judaica posterior (ver OTP 2, index sub serafins e J. MICHEL, RAe 5, 60-97). Os serafins, querubins e ofanins são descritos como 'os insones que guardam o trono de sua glória' (1 Enoque 71:7).

V. Bibliografia:

J. DAY, Echoes of Baal's Seven Thunders and Lightnings in Psalm XXIX and Habakkuk III, 9 and the Identity of the Seraphim in Isaiah VI, VT 29 (1979) 143-151, esp. 149 - 151; E. EGGEBRECHT, Greif. LdA 2 (1977) 895 - 896; M. GORG, Die Funktion der Serafen bei Jesaja, BN 5 (1978) 28-39; K. JOINES, Winged Serpents in Isaiah's Inaugural Vision, JBL 86 (1967) 410 - 415; JOINES, The Bronze Serpent in the Israelite Cult, JBL 87 (1968) 245-256; JOINES, Serpent Symbolism in the Old Testament (Haddonfield 1974); *O. KEEL, Jahwe-Visionen und Siegelkunst (SBB 84-85; Stuttgart 1977), esp. 70-124; K. MARTIN, Uräus, LdÄ 6 (1986) 864 - 868; U. RÜTERSWÖRDEN, שָׂרָף - śārap, forthcoming in TWAT; J. DE SAVIGNAC, Les "Seraphim", VT 22 (1972) 320 - 325; P. WELTEN, Mischwesen, BRL2 (Tübingen 1977) 224 - 227." - In van Der Toorn, Karel; Becking, Bob; W. Van Der Horst, Pieter (eds.). “Dictionary of Deities and Demons in the Bible”. Brill Publishers and W.B. Eerdmans Pub. Co., páginas 742-744.


[67]. “Expedition from Palestine to Egypt in 671 BCE: A Trek through Negev and Sinai, ed. Karen Radner, Fundstellen Gesammelte Schriften zur Achäologie..." (Wiesbaden: Harrassowitz Verlag, 2008), 306-307.


[68]. É curioso que Jesus seja constantemente referido como tendo pés amarelados como incenso (lebanon), como por exemplo depois de descrever o maná a ser dado aos fiéis;

“Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao vencedor darei o maná escondido e lhe entregarei uma pedra branca, na qual está escrito um nome novo que ninguém conhece, senão aquele que o receber.'. 'Ao anjo da igreja de Tiatira, escreve: Eis o que diz o Filho de Deus, que tem os olhos como chamas de fogo e os pés seme­lhantes ao fino bronze (χαλκολιβάνῳ - chalkolebanon).”

(Ap 2,17-18)


[69]. “The Natural History of Pliny”, 130.


[70]. Observe que a comida dos anjos no Apocalipse parece estar no mesmo lugar de onde os anjos e as pragas descem, já que nenhuma pluralidade dos céus é usada como um dispositivo literário no livro. Escreve Collins:


"Não parece ter havido uma imagem de mundo consistente entre os cristãos nos primeiros dois séculos d.C. Como acabamos de ver, Paulo fala de três céus. A carta aos Colossenses, provavelmente escrita nos anos 60, fala de uma pluralidade de céus sem indicar o seu número (Col 1,5). A situação é a mesma com a carta aos Efésios, escrita um pouco mais tarde (4,10; 6,9). O livro do Apocalipse, provavelmente escrito por volta de 95 d.C., parece conhecer apenas um céu. A carta aos Hebreus, escrita entre 60 e 115, prevê claramente mais de um céu, mas o motivo não é desenvolvido (4,14; 7,26)."

- "Cosmology and Eschatology", 32.





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