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  • Anderson Hopkins

A Mariologia de Severiano de Gabala


O ensino mariológico encontrado nos escritores cristãos e pais da igreja é alvo das mais diversas controvérsias no nosso tempo, as várias denominações cristãs se debruçam nestes textos para tentar rastrear até onde vai a ortodoxia do culto, devoção e doutrinas marianas. Neste texto, iremos expor brevemente a opinião do bispo bizantino Severiano de Gabala e seria muito conveniente se leitores Ortodoxos, caso queiram, exponham e compartilhem complementos ou correções que achem pertinentes.


Infelizmente, muito pouco foi produzido sobre a teologia/mariologia deste autor, talvez porque ele não difere tanto de seus contemporâneos, até onde conseguimos rastrear, a última obra que tratou exclusivamente de seu pensamento e de sua obra foi publicada em 2004. Nesta obra, parece que foi fechado uma questão sobre o uso do título Theotokos na teologia de Severiano, que já era alvo de disputa em trabalhos anteriores. Parece que Severiano utiliza o título Kyriotokos, que mais tarde foi “interpolado” com o Theotokos, embora alguns falem em “correção” já que a cristologia de Severiano estava em perfeita consonância com a de Nicéia. Mas o que mais chama atenção na mariologia de Severiano é seu testemunho da intercessão de Maria e, aparentemente, seu ensino implícito da Assunção de Maria aos céus. No primeiro, ele foi mais explícito, nas palavras do historiador Sever J. Voicu, um dos mais historiadores mais importantes a escrever sobre Severiano:


“Talvez sob a influência de Efrém, sua mariologia é muito mais importante do que a antioquena; ela aparece várias vezes no paralelismo entre Eva e Maria. Também está entre os defensores da grande santidade e do papel intercessor de Maria (Gila 1964, veja também Soares 1953 Jugie, 1926, pp. 131-34).”[1]

De acordo com a Enciclopédia Mariana de Michael Carroll, que se baseia amplamente nas mais importantes obras sobre Severiano, com uma pequena desatualização quanto ao uso do termo Theotokos em vista do fato de que foi publicada antes desta questão ser levantada, o modo como Severiano se expressa indica “algo mais que mera intercessão, uma coisa praticamente idêntica a mediação, intervenção pessoal”[2]. Isto ainda vai mais fundo, o Pe Martin Jugie, analisando extensamente uma obra de Severino, onde o autor declara que Maria ouve o pedido dos fiéis e que estaria viva, Jugie conclui:


“Ouvimos Santo Hipólito comparar a santa humanidade do Verbo Encarnado, e especialmente sua carne virginal, à arca feita de madeira resistente à podridão [Atualmente existem disputas sobre a autenticidade deste texto]. O bispo de Gabala aplica essa comparação diretamente à Virgem Mãe. De acordo com ele, Maria é a arca que não deve conhecer a corrupção [da carne], άσηπτος κιβωτός. Se portanto, ela morreu - e Severiano não diz isso expressamente - seu corpo virginal escapou do destino comum a toda carne; ela teve que ressuscitar como seu Filho e, como ele, vestir a roupa da gloriosa imortalidade.” [3]

Então entramos nos textos em que Severiano apresenta sua opinião sobre o pedido de Maria em Caná, uma opinião que vai ser refletida em outros autores como Irineu no século II, que usa o mesmo adjetivo ("inoportuno”), em Efrém e João Crisóstomo, este último com maior importância. Quanto a isto, se disputa se isto representa algo pecaminoso. No segundo volume sobre mariologia de Juniper Carol, o teólogo Walter J. Burghard expressa sua opinião:


“Algumas das falhas específicas imputadas a Maria, como a "pressa inoportuna" de Irineu e a "sugestão inútil e inadequada" de Severiano, não são necessariamente pecados”[4]

Nosso autor foi contemporâneo de São João Crisóstomo, não só isso, chegou a pregar na cidade do santo e até certo momento foi seu aliado, mas devido algumas disputas, tornou-se seu rival. Nesse sentido, Roschini, replicando a opinião de Angelo Gila, historiador italiano que escreveu as duas mais importantes obras que analisam os textos marianos de Severiano, nos diz:


“Depois de São João Crisóstomo, ou melhor, ao lado dele, deve ser colocado Severiano Bispo de Gabala, seu contemporâneo. A posição de Severiano - muito diferente da de Crisóstomo - adquire um valor especial se levarmos em conta que ele vem da mesma escola de Antioquia e pregou na mesma cidade em que Crisóstomo pregou. Agora, é ‘significativo que Severiano, seguindo a linha tradicional mais genuína, não só não falava de modo algum... de falhas (embora, a fim de salvaguardar e enfatizar a divindade de divindade de Jesus, ele considerava a intervenção de Maria nas bodas de Caná como desnecessária e inadequada), mas tinha um grande conceito de sua santidade pessoal e a colocava no topo da escada da santidade em comparação com os Apóstolos, os Mártires e os fiéis piedosos [cfr. Gita A., O.S.M., Esame dei principali testi mariani di Severiano di Gabala, in «Marianum» 26 [1964] p. 172]’.[5]

Como vimos, estes autores não enxergam o pensamento de Severiano como uma imputação de pecado em Maria. Ora, é evidente que nem todo erro é pecaminoso e o texto de Severiano não nos faz saber se Maria foi impulsionada por um desejo mal intencionado, pecaminoso. Ainda entramos em outro texto, de análise mais difícil, onde ele declara que Maria foi purificada da “maldição” e da “culpa” de Eva, já que não era apropriado “uma mulher culpada dar a luz a um inocente”. No entanto, analisando este texto e dentro de seu contexto, Severiano parece estar se referindo a aquela maldição do gênesis em que Deus declara que Eva daria a luz com fortes dores. Isto fica evidente no primeiro parágrafo e no início do segundo:


“Portanto, com dor você dará à luz filhos, teu desejo será por seu marido e ele estará no controle: já que agora você exerceu mal o controle e se tornou escrava de seus caprichos, inverterei a ordem[...] Então, o que? O sexo feminino foi submetido à condenação e deixado para sofrer dor, sem que a escravidão fosse desfeita? Cristo veio e desfez a escravidão. A portadora do Senhor apareceu para a defesa de seu sexo, a santa Virgem no lugar da virgem, Eva também sendo virgem quando pecou; ela aboliu a dor e o trabalho da condenada. Em outras palavras, assim como se você fosse convidado para o palácio, você estaria ansioso para honrar seus amigos e parentes, e se eles estivessem com problemas, resolvê-los, então a santa Virgem foi convidada ao palácio para servir no nascimento divino, entrou em dores de parto inexplicáveis e implorou isso como um primeiro favor - ou melhor, recebeu. Como não convinha à mulher culpada dar à luz a inocente, veio aquela cuja primeira tarefa foi desfazer a dor de Eva por meio da alegria. O anjo veio, dizendo à Virgem: ‘Alegra-te, ó agraciada.’ Então, através da palavra regozije-se, ele desfaz a escravidão da dor[...] [6] (Commentaries on Genesis 1-3, pág 85-86)

Severiano não é original quanto a diferença entre o do parto de Eva e Maria, ele provavelmente está seguindo a linha de outros autores como Gregório de Nisso:


“O discurso dirigido a uma virgem é muito diferente daquele dirigido à primeira mulher. Ela foi condenada a sofrer dores de parto por causa de seu pecado. Em Maria, por outro lado, a dor é expulsa pela alegria. Na primeira mulher, as dores anunciavam o parto; nessa mulher, a alegria ajuda a dar à luz: ‘Não tenha medo’, acrescenta o anjo. Se em todas as mulheres a expectativa do parto produz medo, o anúncio de um parto feliz elimina o medo"[7]

Além disso, ele antecipa e constrói o papel de Maria como uma “advogada” de Eva e de todo o gênero feminino, que veio para “defender o seu sexo”. Maria é construída como uma exceção à regra que atinge o gênero feminino de ter dores no parte. A obra “Storia della Mariologia” também enxerga está purificação como as das dores do parto:


“Graças a Maria, a mulher é liberada da dor e do gemido da condenação. As palavras do anjo: "Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1:28), introduzem um parto que não ocorre em gemidos como o de Eva. Em Lc 1:48, 68, ele associa os dois conceitos da bem-aventurança de Maria e sua intervenção: da região dos vivos (paraíso), Maria ouve as vozes de louvor e súplica dos fiéis. Severiano apresenta o conceito da comunhão dos santos.”[8]

Neste caso, Maria, como mulher, é portadora/culpada desta maldição das dores e com seu parto sem dor, o sexo femino é “defendido”. Severiano declara que ambas as maldições de Eva e de Adão [ter que trabalhar na terra etc] continuam nos dias atuais. Então, entende-se essa justificação de Maria de uma maneira análoga à regeneração de Cristo de todo o gênero humano, onde nós somos livres da maldição de Adão, mas ainda pecamos. Do mesmo modo, Maria “defende” as mulheres, mas elas ainda sofrem as dores do parto.


Mas qual é a opinião dos especialistas quanto a isso? Conseguimos rastrear apenas algumas. Um nome de peso que identifica nestas palavras de Severiano uma declaração de Maria como portadora do pecado original, trata-se do padre especialistas em patrologia siríaca, Ortiz de Urbina, donde no periódico de patrística orientaI, apresenta esta opinião de Severiano após analisar as obras dos padre orientais:


“Ela é colocada acima de todas as criaturas e até mesmo acima das hierarquias angelicais. Ela é descrita como tão pura e cheia de graça, e com expressões tão elevadas, que pressupõem a convicção da liberdade de Maria de todo pecado; mas nenhum Padre coloca diante de nossos olhos a questão especial da imaculada conceição, e de fato Severiano de Gabala e muito provavelmente São Cirilo de Alexandria dizem que ela foi afetada pelo pecado de origem”[9]

No entanto, a Enciclopédia de Carroll, baseando-se em uma bibliografia mais ampla e destinada a analisar a obra de Severino (entre elas de Angelo Gila citada acima), declara:


“Escrevendo numa época em que a santidade de Maria ainda não era totalmente compreendida, especialmente na escola antioquina, Severiano não fala nem do pecado original ou dos defeitos de Maria[...]. Ele proclamou uma ideia muito elevada de sua santidade, tanto mais notável quanto ele era contemporâneo de São João Crisóstomo, pregando em sua cidade…” [10]

Ainda deve-se notar que não estamos falando de um autor que necessariamente compartilha da teologia agostiniana do pecado original, o que torna ainda mais obscura sua opinião neste assunto. Seja qual for a opinião de Severiano, há uma declaração no texto que disputamos que poderia pavimentar o terreno para concluirmos algo como a imaculada conceição, quando lemos “em outras palavras, assim como se você fosse convidado para o palácio, você estaria ansioso para honrar seus amigos e parentes, e se eles estivessem com problemas, resolvê-los, então a santa Virgem foi convidada ao palácio para servir no nascimento divino”, lembramos daquele argumento dos imaculistas na controvérsia teológica do século XIV, onde Cristo, para honrar plenamente sua mãe, a livraria do pecado original. Evidentemente, esta conclusão não é essencial neste pensamento, mas aliado a noção que Maria foi predestinada por Deus desde Gênesis naquela “inimizade” com a serpente – exegese da qual Severiano compartilhava – encontramos grandes margens para um desenvolvimento doutrinário que termina no dogma católica. Por fim, seguindo o espírito do nosso autor, imploremos pela intercessão da Virgem Santíssima em nossas vidas, Rogai por nós Santa Mãe de Deus!





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Artigo “Severiano de Gabala” no Dicionário de espiritualidade, Volume 14 (Paris, 1990), 752-63, de SJ Voicu. Traduzido por Roger Pearse.


O'CARROLL, Michael. Theotokos: a theological encyclopedia of the blessed Virgin Mary. Wipf and Stock Publishers, 2000.


Jugie Martin. La mort et l'Assomption de la Sainte Vierge dans la tradition des cinq premiers siècles. In: Échos d'Orient, tome 25, n°141, 1926. pp. 5-20.

DAL COVOLO, Enrico; SERRA, Aristide (Ed.). Storia della mariologia. Città nuova, 2009.

NOTAS


[1] Trecho do artigo “Severiano de Gabala” no Dicionário de espiritualidade, Volume 14 (Paris, 1990), 752-63, por S. J. Voicu. Disponível em: https://www.roger-pearse.com/weblog/2014/09/08/sever-j-voicus-1990-article-on-severian-of-gabala/


[2] Theotokos: a theological encyclopedia of the blessed Virgin Mary, pág 324.


[3] Jugie. La mort et l'Assomption de la Sainte Vierge dans la tradition des cinq premiers siècles, pág 134


[4] Juniper Carol, Mariology II, pág 134


[5] Roschini, Maria Santissima nella storia della salvezza, vol. 3. Pág 310.


[6] Severian of Gabala. Commentaries on Genesis 1-3, pág 85-86


[7] In nativitate Domim, PG 46,1140B-1141A


2 comentários


Arauto Reforma
Arauto Reforma
26 de mai. de 2023

A biblia diz somente Deus e nosso criador e salvador e não diz Deus e Maria sao nossos criadores e salvadores

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Tiago Martins
Tiago Martins
06 de jun. de 2023
Respondendo a

Que católico acha que Maria é nossa criadora hein? Protestante tem a inteligência de uma minhoca, não é possível. Deixa de desonestidade. Agora sobre salvação, a própria Maria reconhece Deus como Salvador dela, você acha mesmo que a Igreja Católica, a mesma que compilou a Bíblia, definindo INFALIVELMENTE quais eram os livros da Bíblia, não saberia disso? Maria é venerada por nós porque ela foi entre os humanos criados a que mais ajudou Deus a redimir a humanidade. Deus LITERALMENTE quis precisar do SIM daquela cheia de graças para levar Jesus para nós. Ela literalmente foi a mediadora entre Jesus e nós (está vendo também como isso não atrapalha em nada a fala de que Jesus é o único mediador…

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