top of page

Sobre a Gloriosa Assunção da Virgem Santíssima

  • Anderson Hopkins
  • há 59 minutos
  • 4 min de leitura
ree


É totalmente legítima a dúvida de alguns protestantes quanto à festa e à crença na Dormição e Assunção de Maria. De fato, o método utilizado por muitos santos doutores, tanto para provar quanto para rejeitar a apostolicidade de uma doutrina, é verificá-la nos documentos da mais antiga e grande tradição cristã. Reconhecendo que, dentro dessa lógica, a doutrina apresenta dificuldades que precisam ser — e estão sendo — esclarecidas, ressalto que esse método nunca foi exclusivo. Retornemos à Regra de Lérins: aquilo que foi crido sempre, por todos e em todos os lugares. Alguns concentram-se no “sempre” e negligenciam o restante:


“Primeiro e mais importante, o cânone não é apenas sobre o passado remoto. É verdade que Vicente nos encoraja a olhar para o consenso da antiguidade. Mas quando é precisamente a antiguidade? Se começa com a era apostólica, há um distinto ‘terminus ad quem’? Nenhum término desse tipo é invocado por Vicente. […] Vicente está insistindo que já existe uma maneira — sempre enraizada nas Escrituras como o fundamento inabalável — para garantir que o ensino apostólico continue imaculado. Para Lérins, os Concílios de Nicéia e Éfeso, as reuniões formais dos mestres reunidos em toda a Igreja, representam por si mesmos o julgamento consentido de uma antiguidade [o que é de fé]." (GUARINO, Thomas. Vincent of Lerins and the Development of Christian Doctrine, Baker Academic, 2013, p. 5)


Guarino aponta o fato crucial sem o qual é impossível aplicar a regra vicentina: a autoridade infalível da Igreja. Em outras palavras, para São Vicente, é olhando para a Igreja recente que encontramos a melhor aplicação de sua regra. Seria até ingênuo supor que esse padre estivesse recorrendo a um método de verificação histórica que só surgiria no século XIX. Esse espírito, longe de ser novidade, foi o método aplicado por São Basílio na controvérsia sobre a divindade do Espírito Santo, por Santo Agostinho, no Segundo Concílio de Nicéia, onde primeiro se verificou o consenso vertical (o consenso da Igreja no momento da realização do Concílio) e depois o consenso horizontal (o consenso da Igreja em tempos anteriores) e, por fim, por praticamente toda a Igreja Primitiva.


O venerável Papa Pio XII captou esse espírito de forma exemplar e o sintetizou em sua encíclica Munificentissimus Deus. Deixando de lado o acontecimento histórico referente às circunstâncias do fim da vida da Santíssima Virgem (a fim de não ser acusado de confiar em narrativas apócrifas para definir um dogma) estabeleceu uma doutrina acerca de um fato histórico cuja origem é sobrenatural (e, portanto, não necessita de um método histórico para ser validado): a elevação da alma e do corpo da Virgem à glória celeste. A justificativa ressoou toda a Igreja Primitiva: durante séculos, toda a Igreja já celebrava esse mistério, a doutrina jamais encontrara verdadeira resistência, era amplamente defendida por seus teólogos e constituía uma crença estabelecida entre os católicos. De fato, Pio XII não convidou os fiéis a acreditarem na Assunção pela força de um legalismo, mas pela força da fé já viva no seio da Igreja, tão bem evidenciada na resposta que os próprios leigos ofereceram quando consultados sobre ela. O Papa também não deixou de ouvir teólogos e historiadores quanto à oportunidade da definição. Primeiro verificou a crença da Igreja contemporânea e, depois, examinou o que a Sagrada Tradição oferecia como confirmação. Quantas doutrinas, afinal, possuem o mesmo consenso entre as Igrejas Apostólicas?


Mas e o silêncio de grandes Padres e Doutores? Pio XII também respondeu a essa questão de modo perfeito. Firmando-se na fé perene na santidade perfeita da Virgem, na sua íntima união com o Filho Divino, na sua participação singular na obra redentora e, finalmente, na suprema dignidade de sua Maternidade Divina, estabeleceu que a Assunção constitui uma antecipação da Ressurreição da Carne que todos nós receberemos, consequência direta desta dignidade mariana. Tão sólida é essa base que pouco importam, para a definição dogmática, as circunstâncias históricas que levaram esses santos doutores a permanecerem em silêncio. Pela fé explícita da Igreja, ilumina-se a fé implícita dos Santos Padres. Pelas verdades claras, esclarecem-se as obscuras.


Longe de negligenciar as Sagradas Escrituras, Pio XII ofereceu, mais uma vez, a aplicação perfeita da fé de sempre: “Todos esses argumentos e razões dos santos Padres e teólogos apoiam-se, em último fundamento, na Sagrada Escritura.” Com isso, o Papa manteve-se na trilha dos santos Padres, Doutores e Concílios: é a Igreja quem interpreta as Escrituras. Não apenas a Igreja docente, mas também a discente, pois todos nós temos “a mente de Cristo” (1Cor 2,16). Como corpo orgânico, contemplamos as Escrituras e nelas encontramos sublime uniformidade e consenso nas figuras tipológicas que apontam para a Virgem: a Arca da santificação (Sl 131), a Rainha do Céu no reino davídico — do qual Cristo é o soberano eterno — coberta de ouro (Sl 44), a mulher sobre a qual Deus declarou inimizade total contra o domínio de Satanás (Gn 3,15) e, por fim, a Sabedoria. Também percebemos indícios da grande conveniência de sua glorificação antecipada na disputa pelo corpo de Moisés — o profeta de quem Deus se fez mais próximo. Ora, quem poderia estar mais próximo de Deus do que a Santíssima Virgem? Por fim, a gloriosa visão revelada ao apóstolo no capítulo 12 do Apocalipse une, de modo ainda mais perfeito, a Igreja e a Virgem.


Todas essas coisas apontam para a infalível uniformidade da fé cristã e para a inspiração de Deus na Igreja. Não se trata de reduzir a fé ao que a Igreja professa, mas de compreender que Escrituras, Tradição e Magistério estão intimamente e inseparavelmente unidos e que o aparente protagonismo de um sobre o outro não implica desvalorização, mas sim finalidade.


Rogai por nós, Santa Gebirah!

Comments


bottom of page