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  • Islas Porfírio Silva

São Paulino de Nola: como o blog "Flancos de Ferro" mentiu para você


Há pouco tempo trouxe um exemplo de como um protestante mente compulsivamente ao afirmar que o Segundo Concílio de Nicéia foi algo tramado para que apenas iconodulas "desde sempre" pudessem participar. Como estou desenvolvendo um artigo exclusivamente sobre São Paulino de Nola, Bispo da Diocese de Nola e um dos Padres da Igreja, nesta publicação trago um exemplo pequeno de como o mesmo protestante continua mentindo ao afirmar que sua interpretação sobre o relato de São Paulino é unanimidade entre autores da área.


Em seu blog "Flancos de Ferro", ele traz um texto razoavelmente grande sobre a iconografia em São Paulino. Detalhes deste texto serão esmiuçados no artigo futuro sobre São Paulino. Aqui o foco será somente na interpretação dada ao seguinte trecho:


"Talvez possa ser questionado, por que razão, contrário ao uso comum, eu pintei esta sagrada habitação com representações de pessoas? [....] Aqui encontra-se uma multidão de rústicos de fé imperfeita, que não podem ler, os quais antes de se converterem a Cristo eram acostumados aos ritos profanos e obedeciam os próprios sentidos como deuses. Eu, portanto, pensei que seria conveniente animar com pinturas toda a habitação do santo. Pinturas então traçadas com cores poderão, talvez, inspirar estas mentes rudes com admiração. Inscrições são colocadas acima das pinturas para que elas possam explicar o que foi descrito com as mãos." Referenciado como: Paulinus Nolanus. Carmina natalicia. PL XXVII, 541-550, 580-585.)

Valendo-se deste trecho, em resumo o protestante em questão isola palavras e conclui delas da seguinte forma:


  • "contrário ao uso comum": Prova que São Paulino foi abusivo e arbitrário, indo contra a realidade natural da fé cristã de seu tempo que era a hostilidade para com as imagens. Esta hostilidade seria teoricamente a explicação lógica de um cristianismo totalmente aniconico.

  • "talvez": Prova que São Paulino não tinha plena certeza do que estava fazendo e, menos ainda, se conseguiria efeitos positivos. Neste sentido, ele estaria "brincando" com a fé cristã apostando resultados em meras possibilidades.


O maior problema destas conclusões é que elas não são provadas em nenhum lugar, o que é contrário à premissa de "unanimidade" sugerida pelo autor. Como exemplo, a conclusão de F. van de Meer:


Contudo, é verdade que nem os Padres da Igreja, nem qualquer escritor eclesiástico, se interessou muito pelo que chamamos de iconografia de suas basílicas. Agostinho, que parece abordar a maioria dos assuntos em seus sermões, quase não menciona as imagens sagradas. Ele os conhece, porém, e muito ocasionalmente surge uma referência edificante a eles; mas ele não tem uma opinião elevada sobre os artistas e por vezes aponta para excesso e para alguns pequenos erros. Mas o seu contemporâneo, Paulino, o amável Bispo de Nola, um homem de grande riqueza que tinha doado tudo, preocupou-se até com os mínimos detalhes na decoração das suas basílicas em Fundi e Nola. Ele compôs versos para eles, descreveu-os em poemas para correspondentes, e ficou verdadeiramente satisfeito quando seus camponeses e peregrinos vieram contemplar com atenta reverência as imagens sagradas e as cenas bíblicas: ele nunca perdia a oportunidade de dar uma explicação detalhada de eles. [1]

Aplicando a mesma seletividade com as informações fornecidas por Meer, podemos facilmente reconhecer as seguintes conclusões:


I - Não existiu arbitrariedade em São Paulino da mesma forma que não existiu a chamada "teoria da hostilidade contra as imagens" em seu tempo. O exemplo de Santo Agostinho citado por Meer não deduz uma ordenança anicônica em meio cristão, mas sim uma despreocupação com a causa das imagens, onde o assunto era tratado esporadicamente e com orientações apenas para situações específicas. Isto se encaixa no fato do cristianismo como um todo condenar imagens e estatuas de deuses pagãos - tal como as honras prestadas a eles - porém nunca rejeitarar a arte representacional como tal. [2]


Embora esta teoria tenha ganhado força na academia após a Reforma Protestante, ela tem entrado em gradual desuso conforme novos estudos e novas evidências surgem. Muito desta nova visão para a historiografia da arte cristã antiga se deve ao trabalho brilhante da Sister Charles Murray:


É certo que em tempos da Antiguidade Tardia, como também mais tarde, se levantaram vozes contra a representação artística de imagens religiosas. [...] Mas ainda há debate quanto à extensão dessa oposição, e a irmã Charles Murray e outros efetivamente demoliram a visão mais antiga de que a igreja primitiva como um todo era oposta à arte religiosa.[3]

E também:


A irmã Charles Murray, em seu artigo "Art in the Early Church", mostrou persuasivamente a imprecisão da opinião frequentemente repetida de que "eclesiásticos responsáveis" da igreja primitiva exibiam uma "oposição absolutamente monolítica às imagens". Seu exame cuidadoso de cada um dos textos-prova que pareciam apoiar essa opinião revela o uso de pressuposições imprecisas, pouca atenção ao contexto e, no caso de uma carta frequentemente citada, alegadamente, mas não seguramente, escrita por Eusébio de Cesaréia, o uso de um texto para o qual não há edição crítica.[4]

Não bastasse a teoria ter sua credibilidade posta em xeque com o passar dos anos, ainda admite-se que a mesma não é nada além do fruto de influência de protestantes que buscaram moldar a história de acordo com suas crenças:


Juntamente com os estudos do século XX, este trabalho arqueológico acumulado fornece evidências convincentes para contradizer a convicção de longa data de que os primeiros cristãos careciam de imagens ou artefatos com uma iconografia distinta. Essa teoria anicônica agora parece ser em grande parte uma construção da Reforma e de estudiosos do século XIX que seguiram o exemplo dos reformadores.[5]

II - Em nenhum momento houve dedução de dúvida nos atos de São Paulino de Nola pois o mesmo se esforçou com extrema boa vontade e atenção aos mínimos detalhes de suas decorações e fez poemas delas. A satisfação em ter na sua Igreja uma iconografia viva o fez agir de forma animada, apresentando todo o seu esforço e trabalho a todo e qualquer viagante que a visitasse. Para quem tem boa vontade, a conclusão lógica da exposição de Meer demonstra que a "justificação" de São Paulino não era por medo de ser repreendido mas sim para expor os detalhes de sua crença aos peregrinos.


Isto também refuta a ideia de dúvida no resultado. Se o relato é de fiéis que foram contemplar com atenta reverência as imagens sagradas e as cenas bíblicas, a dedução de que São Paulino baseou sua estratégia em mera possibilidade não é nada mais do que puro palpite do blogueiro protestante.


Cabe aqui também observar que a causa iconoclasta ganhou força apenas séculos depois de São Paulino, com ordem imperial de destruir todos os ícones através de um decreto. Ou seja, a iconoclastia não era simplesmente uma busca da sã doutrina mas sim um jogo político. Com a defesa dos iconodulas - e a precisão de São João Damasceno através de sua teoria clássica - os iconoclastas foram destruídos e titulados como hereges, tal com de fato eram.


Detalhes da iconografia defendida por São Paulino de Nola e de sua vida como sacerdote da Igreja serão abordados nos proximos artigos.


Notas:


I - Este texto foca nos primeiros parágrafos do artigo do blog Flancos de Ferro, PAULINO DE NOLA (R. 410-431) E A INTRODUÇÃO DE IMAGENS EM IGREJAS.

Disponível em:


Referências:


1 - F. van de MEER. Early Christian Art [ Oudchristelijke Kunst ]. p. 107.


2 - R.M.JENSEN. The Routledge Handbook of Early Christian Art. Introduction. p. 1.


3 - A.CAMERON. Art and the Early Christian Imagination. p. 2.


4 - M.R.MILES. Image as insight: Visual Understanding in Western Christianity and Secular Culture. p. 47.


5 - B. SCHILDGEN. Heritage or Heresy: Preservation and Destruction of Religious Art and Architecture in Europe.

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