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  • Islas Porfírio Silva

Quando uma mentalidade doentia e anticatólica deturpa o conceito de Dostoiévski sobre beleza


Através de manipulação de sentido e informação, temos uma comparação simplista e desonesta de um militante anticatólico limitando a Beleza — que deveria ser exposta à luz da fé cristã para melhor compreensão — a fins materialistas comparando-a ao que um prostíbulo pode oferecer. Dentro destas hipóteses, o argumentador traz um sentido sujo e erótico apelando para a aparente beleza que o pecado oferece como sendo a beleza concreta e absoluta descrita pelo autor. Para destruir este raciocínio é importante entender que o conceito de ‘Belo/Beleza’ exposto por Dostoiévski em sua obra está muito além deste significado.



Assim escreve Dostoiévski:


“É verdade, príncipe, que o senhor disse uma vez que a Beleza salvaria o mundo? Senhores! — exclamou bem alto, dirigindo-se para o grupo inteiro — aqui o príncipe afirma que a Beleza salvará o mundo! Participo-lhes que a razão desta sua ideia tão radiosa advém do fato de estar ele apaixonado. Mal embarafustou por aqui adentro esta noite, logo vi isso na fisionomia dele. Não desaponte. príncipe, senão me enternecerá ainda mais. Afinal, que espécie de beleza é que salvará o orbe? O senhor é um cristão fervoroso? Kólia me garantiu que o senhor é cristão convicto.” [1]

A história traz um contexto bastante peculiar. O princípio do parágrafo começa com uma pergunta irônica feita diretamente ao personagem central da obra que, por sua vez, nutria amor por uma jovem sofrida. O questionamento então se foca na possibilidade da Beleza ser algo relacionado ao sentimento do personagem, um viés totalmente pessoal. Depois, no mesmo parágrafo, o foco muda rapidamente para a moral cristã do personagem.


Dentro deste sentido, é aceita a interpretação de que da mesma forma como o personagem olha além do que é visível para alcançar a profundidade e a essência da jovem, é possível percorrer o mesmo caminho para alcançar a presença de Deus. E qual foi o caminho utilizado pelo personagem? A Beleza. O caminho ultrapassou limites do físico e partiu para o transcendental. Este ponto fica ainda mais forte ao percebermos que o amor por Jesus Cristo é essencial ao desenvolvimento do personagem.


A beleza exemplificada por Dostoiévski é maior que a beleza física. Ela ultrapassa barreiras, vai além de categorizações possíveis. Ela é intrinsecamente ligada à verdade e a bondade, ou seja, não pode ser separada. Esta beleza nos leva a Deus, ela pertence a Deus e transcende o natural da visão humana. É através de Sua Divina Bondade que podemos contemplar o esplendor desta Beleza.


Em resumo, a composição de Dostoiévski da estética cristã dentro de suas obras requer uma busca pela beleza onde o ponto máximo e impossível de se alcançar é a perfeição moral e transcendental de Jesus Cristo. Este ponto máximo salvará o mundo ou, em outras palavras, esta Beleza (Cristo) salvará o mundo. O Papa emérito, ainda como Cardeal Ratzinger, explica:


“Quem não ouviu a observação frequentemente citada de Dostoiévski: ‘A beleza vai nos salvar’? Normalmente as pessoas esquecem de mencionar, porém, que por resgatar a beleza, Dostoiévski quer dizer Cristo. Ele é quem devemos aprender a ver. Se deixarmos de conhecê-lo apenas por meio de palavras, mas formos atingidos pela flecha de sua beleza paradoxal, então realmente passaremos a conhecê-lo e não mais apenas saberemos sobre ele de segunda mão. Então teremos encontrado a beleza da verdade, da verdade redentora. Nada nos pode colocar mais em contato com a beleza do próprio Cristo do que o mundo da beleza criado pela fé e a luz que brilha no rosto dos santos, através da qual se torna visível a sua própria luz.” [2]

Para Ratzinger, a fórmula “beleza+bondade+verdade” constitui o sentido transcendental e metafísico que culmina e é superada por uma beleza que tem rosto e nome: o ícone de Jesus crucificado.


Aquele que é a própria Beleza deixou-se esbofetear, cuspir, coroar de espinhos; o Sudário de Turim pode nos ajudar a imaginar isso de forma realista. No entanto, em seu rosto tão desfigurado, aparece a beleza genuína e extrema: a beleza do amor que vai “ até o fim “.”; por isso se revela maior que a falsidade e a violência. Quem percebeu essa beleza sabe que a verdade, e não a falsidade, é a real aspiração do mundo. Não é o falso que é “verdadeiro”, mas sim, É, por assim dizer, um novo truque do falso apresentar-se como “verdade” e nos dizer: acima de mim não há basicamente nada, pare de buscar ou mesmo amar a verdade; ao fazê-lo você está no caminho errado. O ícone de Cristo crucificado nos liberta desse engano tão difundido hoje, mas impõe uma condição: que nos deixemos ferir por ele, e que acreditemos no Amor que pode arriscar deixando de lado sua beleza externa para proclamar, assim, a verdade do belo. [3]


Diante destas evidências, o primeiro ponto a ser observado é que a deturpação desta Beleza só pode ser criada por um homem que estando decadência moral e espiritual tem a inclinação a encontrar prazer na feiura, no que é baixo. Um prostíbulo é um exemplo disto pois a beleza que ele apresenta é falsa. A verdadeira face deste local é uma feiura que, transvestida de beleza, torna o homem escravo do pecado. O problema é que, na limitação humana ao alcance do visível, este ponto também pode ser chamado de Beleza mas limitada ao material e ao sensual. Assim exemplifica R.L. Jackson referente a um assunto semelhante abordado por Dostoiévski:


“O fenômeno de um sensualismo ou sensualidade que invade e corrompe o reino da beleza é um problema em dois primeiros trabalhos de Dostoiévski — “A Senhoria” (1848) e “Netochka Nezvanova” (1849). Neste último trabalho, Netochka comenta sobre a beleza deslumbrante de sua amiga de infância, Katya: “Talvez pela primeira vez o senso estético foi despertado em mim, o sentido artístico despertado pelo belo foi revelado pela primeira vez e — essa foi a fonte da qual meu amor [para Katya] surgiu. ” No entanto, tanto o “elemento do belo” em Katya e o sentimento que evoca em Netochka estão dilacerados pelo conflito. O bonito em katya foi envolto em uma “falsa forma” de orgulho que o distorce e perverte; e os sentimentos sensuais que deu origem em Netochka são caracterizados como “anormal”. Neste episódio estranho e febril, Dostoiévski explora o fenômeno da “beleza em Sodoma”, como diz Dmitry Karamazov em Os irmãos Karamazov. A beleza de Katya é percebida como corrupta; o mal é uma parte de sua natureza.” [4]

Dentro deste conceito, não é errado dizer que o homem corrupto encontra prazer (chamando de beleza) na desfiguração de si mesmo e na dependência da sensualidade. O perigo mora justamente quando esta corrupção vira bandeira para defender narrativas mentirosas veladas de apologética cristã.


REFERÊNCIAS


[1] DOSTOIÉVSKI, O Idiota. p. 344


[2] RATZINGER, Benedict XVI. On the way to Jesus Christ, Ignatius Press. p. 47


[3] RATZINGER, Benedict XVI. “The Feeling of Things, the Contemplation of Beauty”. §19. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20020824_ratzinger-cl-rimini_en.html


[4] JACKSON, Robert Louis. “Two Kinds of Beauty.” In Close Encounters: Essays on Russian Literature, 154–71. Academic Studies Press, 2013.

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